Com um percurso intitulado ‘Santarém em Cena’, durante o sábado, dia 14 de setembro, Nuno Domingos, encenador do Veto Teatro Oficina e mentor do projeto In.Santarém, presenteou os cerca de trinta participantes com uma visita guiada por vários espaços onde se cruzam a história, o teatro, os atores e autores da cidade de Santarém, e a arquitetura.
Nesta visita guiada, comprova-se que o teatro não é só a plateia onde nos sentamos e emocionamos com dilemas ou comédias. Há mais palco para além das tábuas onde vemos personagens darem vida a tantas histórias.
Uma viagem repleta de curiosidades e de nomes marcantes, singulares e incontornáveis do teatro português do século XX como o dramaturgo Bernardo Santareno e o ator, encenador e recitador Mário Viegas. Ambos sobejamente conhecidos e que nasceram em Santarém. Ambos de seu nome próprio António, um conhecido por Mário, o outro por Bernardo. Um o sol, sempre na luz do projetor, o outro na sombra, nos bastidores…
Mais um evento integrado no projeto municipal Santarém Cultura | In. Santarém 2019 – Festival de Artes e Cultura e que contou a participação do Veto Teatro Oficina.
No Teatro Taborda, outrora uma cavalariça, perante uma plateia de cerca de trinta pessoas, Nuno Domingos, começou por falar de teatro “esta arte, que nos emociona e nos transforma enquanto espectadores, e da qual encontramos muitas referências na cidade”.
Referiu também que este espaço, o Teatro Taborda – que hoje acolhe a Associação Cultural Círculo Cultural Scalabitano (1954) – nasceu das mãos de grupo de amantes e amadores do teatro, dando-lhe o nome do ator Taborda, que ali levou a cena com muito êxito a peça “Médico à Força” de Molière em 1891.
Desde, então, que este espaço marca a formação cultural da cidade de Santarém, incentivando músicos, artistas e escritores, para a composição musical para teatro e também para orquestra, a criação teatral, em todas as suas vertentes e, mesmo, a dramaturgia e a poesia.
Foi também nesta casa que se iniciaram importantes nomes do teatro como é o caso de Mário Viegas.
Aproveitando a ocasião (visita guiada), os atores Eliseu Raimundo e Paulo Domingos do Veto Teatro Oficina, leram alguns contos do “Gin Tónic”, fazendo saltar gargalhadas do público. Obras de Henrique Leiria (apreciador convito de Gin).
Esta viagem intitulada ‘Santarém em Cena’ não podia passar em branco a história do Teatro Rosa Damasceno, que recebeu o nome da atriz Rosa Damasceno.
Teatro Rosa Damasceno
Em 1851 foi fundada uma associação cultural, representativa da elite local, denominada “Club de Santarém”. Esta agremiação decidiu levar a cabo a construção de um teatro, emitindo ações para o efeito, nos finais da década de 70. Os estatutos do “Club de Santarém” mencionavam expressamente a obrigação da manutenção do teatro, que à época, só podia ser o da Igreja de S. João de Alporão. Este seria encerrado em 1876.
Porém desde 1871 que pessoas ligadas ao teatro defendiam a construção de uma moderna sala de espetáculos em Santarém. Tendo sido escolhido o local, após negociações com a Câmara, da antiga Igreja de São Martinho, cuja fundação remontava ao século XII/XIII, fora sede de freguesia até 1849.
O edifício era encimado por uma arquitrave que sustinha quatro estatuetas representando as musas do teatro. O interior estava decorado segundo o gosto romântico. Os tetos foram pintados por Pereira Júnior, a quem se devia também, um conjunto de 20 medalhões com retratos alusivos aos principais atores oitocentistas. Na boca de cena existia uma pintura alusiva ao Tejo da autoria de Pedro António Loureiro. O teatro foi inaugurado somente em 1885, devido a atrasos nas pinturas do interior. Todavia, as representações iniciaram-se em março de 1884. Durante cerca de 1 década a sala de espectáculos foi conhecida como Teatro de Santarém. O nome seria alterado após a atuação da Companhia do Teatro Normal de Lisboa (a 4 de julho de 1894), representando a peça “Amigo Frizt” de Erckmann & Chatrian” (dois franceses).
A atriz Rosa Damasceno era um nome célebre no teatro nacional e estava casada com Eduardo Frazão, outra figura reconhecida do teatro. Esta primeira sala de espectáculos manteve-se em funcionamento de 1884 a 1938 (durante 53 anos). Sobre ela escrevia Alberto Pimentel, em 1908: “Tem Santarém um lindo teatro, que tomou o nome da atriz Rosa Damasceno e que se excetuarmos o de Évora, é um dos melhores e mais elegantes que conhecemos nas províncias do Sul”.
O “Club de Santarém”, decidiu remodelar as instalações, de forma a permitir uma lotação maior, dando-lhe ao mesmo tempo um aspeto moderno, “que esteja de acordo com os preceitos da estética do nosso tempo”. O novo espaço tinha capacidade para 1400 espectadores, 600 na plateia e 400 em cada uma das duas ordens de balcões.
A nova sala foi inaugurada a 16 de junho de 1938 e era da autoria do arquiteto Amílcar Pinto, responsável por outros equipamentos marcantes da cidade tais como a Casa do Campino, o Café Central ou a Estação dos CTT.
Depois do encerramento como cinema, em 1999, e de alguns anos de abandono, o Teatro Rosa Damasceno sofreu um incêndio, em março de 2007. Em 2013 saiu do Tribunal uma ordem que o espaço do teatro, muito embora, seja propriedade privada tem de ser sempre associada a uma função cultural.
São João de Alporão, palco de atividades teatrais de 1849 a 1875
Desde o início do século 19 que antigos templos profanados serviam de palco às atividades teatrais dos santarenos. As antigas sedes de paróquia, os antigos conventos ou templos das ordens religiosas, entretanto extintas, eram exemplo dessa realidade.
Em Santarém, a primeira representação pública numa igreja devoluta terá acontecido por volta de 1810 na antiga Igreja de São Martinho, segundo José Raimundo Noras, no seu livro sobre o Teatro Rosa Damasceno.
Essas representações terão continuado de forma esporádica e sazonal, inclusivamente noutros espaços como a Igreja de Nª Senhora da Graça, a Igreja de São João de Alporão e o Convento de S. Domingos. No entanto, só na década de quarenta do século 19, o teatro parece florescer em Santarém.
De 1849 a 1875, a Igreja de São João de Alporão foi convertida em teatro. Uma sociedade por ações designada Teatro de São João de Alporão, na qual se reunia a burguesia local, constituída em 1849, conseguia obter da edilidade a cedência do antigo Templo da Ordem dos Hospitalários, o qual, após ser remodelado, funcionou durante 26 anos. Algum tempo depois, um movimento associativo de defesa do património, criado em torno da Igreja de S. João de Alporão, afastou dali o teatro, e a igreja foi, posteriormente, entregue à comissão instaladora do Museu Distrital de Santarém.
Durante a 2ª metade do século 19 seriam criados quatro agrupamentos teatrais. Em 1864 iniciava atividade o Teatro Clube Ribeirense no bairro da Ribeira de Santarém. Nos finais do século 19 surgiam o Teatro Taborda e o Teatro Aliança.
A casa onde nasceu o dramaturgo Bernardo Santareno: Liberdade e Dignidade
Pelo périplo sobre o teatro em Santarém, o grupo fez outra paragem obrigatória, desta vez, no Terreirinho das Flores para ver o local onde nasceu Bernardo Santareno, situado na Travessa das Borras, nº 7 (Placa toponímia Rua de S. Martinho).
O dramaturgo e psiquiatra Bernardo Santareno continua a ser considerado um dos grandes nomes do teatro português do século XX.
Bernardo Santareno morreu a 29 de agosto de 1980 com 59 anos.
Era formado em Psiquiatria pela Universidade de Coimbra e entre as suas obras mais conhecidas figuram ‘O Judeu’, ‘Português, Escritor, 45 anos de Idade’ e ‘Os Marginais e a Revolução’.
A reivindicação do direito à diferença e o respeito pela liberdade e dignidade do homem face a todas as formas de opressão foram os temas mais fortes das suas peças.
Medicina à parte, o escritor iniciou a carreira literária com as obras poéticas ‘A Morte na Raiz’ (1954), ‘Romances do Mar’ (1955) e ‘Os Olhos da Víbora’ (1957). A religião, o erotismo, a marginalização moral ou a intervenção política com relatos da ditadura salazarista são outros assuntos tratados nos textos de Santareno.
‘O Judeu’ (1966) onde retrata o calvário do dramaturgo setecentista António José da Silva, queimado pelo Santo Ofício, ou ‘Português, Escritor, 45 anos de Idade’ (1974), drama impregnado de conotações autobiográficas e o primeiro original português a estrear-se no pós 25 de Abril, são outras das suas obras.
De referir ainda um livro de crónicas baseado na sua experiência como médico a bordo de um lugre bacalhoeiro, experiência que lhe ditou ainda uma das suas peças, precisamente intitulada ‘O Lugre’.
Teatro Sá da Bandeira
Uma visita atenta ao Teatro Sá da Bandeira, espaço que, hoje, é palco de inúmeros espetáculos. Desde o teatro, passando pela música, pelo cinema, pelas oficinas, pela dança, pelas performances até aos workshops, entre muitos outros.
De 1908 a 1911, este espaço albergou a Companhia de Teatro Lisbonense. E de 1911 a 1914, António Pires arrendou o espaço à Câmara Municipal de Santarém.
Entre 1914 a 1922, funcionou como Salão Ideal gerido por Manuel Francisco de Sousa.
Finalmente em 1924 foi inaugurado como Teatro Sá da Bandeira (TSB) em homenagem ao Marquês Sá da Bandeira com exibição de variados espetáculos.
Oito anos depois uma nova empresa ficou com a exploração do TSB e em 1967, a Lusomundo passou a exibir sobretudo cinema (algumas sessões duravam mais de quatro horas).
A Lusomundo encerra em 1989 e devolve o espaço novamente à autarquia local. Após algumas obras de beneficiação passa a receber espetáculos, albergando a Companhia de Teatro de Santarém e depois o Centro Dramático Bernardo Santareno.
Entre 2003 e 2004, o edifício sofreu obras de remodelação profunda, no valor de 2 milhões quatrocentos e cinquenta mil euros (39% financiamento municipal) reabrindo em 19 de março de 2004, com a presença do ministro da Cultura da época, Pedro Roseta.
Ginásio do Antigo Seminário, hoje, Sala de Leitura Bernardo Santareno
De caminho e para retemperar forças do calor tórrido entrámos no Ginásio do Antigo Seminário, hoje, Sala de Leitura Bernardo Santareno. Aqui tiveram lugar muitas representações e brilharam grandes nomes do teatro de Santarém: Bernardo Santareno, Carlos Mendes, como ator e encenador de inúmeros espetáculos, José Carlos Oliveira Sollas, Nuno Neto de Almeida, Virgílio Barrera e António Júlio Rodrigues dos Santos,
Também o Grupo Ribalta, liderado por José Ramos encenou e dirigiu muitos espetáculos no Ginásio do Antigo Seminário.
Largo Padre Chiquito (Casa Manuel Sousa Coutinho)
A Sociedade Recreativa Operária, fundada em 1915 foi criada com o intuito de orientar as suas atividades culturais, de promoção social e cívica para os operários, tendo o seu Grupo de Teatro, cuja estreia datou de 27 de novembro de 1916, desempenhado um importante papel na época. No entanto, nos finais da década de cinquenta e nos inícios da década de sessenta do século XX, as incompatibilidades com o regime fascista vigente levaram-no à extinção. Na década de sessenta, a Sociedade Recreativa Operária abriu as suas portas a uma juventude irrequieta, ávida de novidades que a fizesse esquecer os problemas que se viviam, nessa época, em Portugal (crises estudantis e Guerra Colonial).
Manuel de Sousa Coutinho, nasceu em meados do século XVI (em 1555, segundo é voz). Em 1572, esteve prisioneiro em Argel, ali tendo por companheiro Miguel de Cervantes, quando a sua nau foi atacada por piratas argelinos que o reduziram à escravidão. Foi depois liberto e em 1578 desempenhou o cargo de alcaide do Castelo de Marialva.
Casou com a viúva de D. João de Portugal, para todos morto na Batalha de Alcácer Quibir, e teve uma filha desse matrimónio, de nome D. Maria de Vilhena. Por razões que se ignoram, mas que a lenda e o teatro glosaram de forma dramática, essa união teve epilogo trágico, com a separação do casal e recolhimento de ambos a conventos.
Nasceu então para as letras pátrias o excelso prosador e mestre da Língua, Frei Luís de Sousa, que na solidão da cela monacal escreveu obras-primas como a ‘História de S. Domingos’, os ‘Anais de D. João III’ e ‘A vida de D. Frei Bartolomeu dos Mártires’, arcebispo de Braga.
É ainda a este homem que se deve a primeira carta que se conhece de Santarém e que estabelece uma analogia da planta da cidade com a palma de uma mão.
A queima da azinheira de Fátima, na Praça Sá da Bandeira
Nesta visita guiada conduzida por Nuno Domingos excelente oportunidade para desvendar algumas histórias, conhecidas por uns e desconhecidas por outros.
Falamos da famosa queima da azinheira de Fátima, na Praça Sá da Bandeira (Largo do Seminário).
Joaquim Martinho do Rosário, pai do dramaturgo Bernardo Santareno era totalmente anti -clerical e entrava em todas as revoluções. Conhecido como “Joaquim das Bombas”, estava no grupo que foi cortar a azinheira, onde se diz que apareceu a Nossa Senhora de Fátima.
Ele e mais sete homens trouxeram-na para Santarém e queimaram-na em pleno Largo do Seminário. Tal feito levou Santarém a ser excomungada.
Ao contrário do marido, a mãe do famoso dramaturgo era profundamente religiosa. Quando estava às portas da morte e às escondidas do “Joaquim das Bombas” pediu ao filho, Bernardo Santareno, que na época estudava medicina em Coimbra para a levar a ver a imagem da Virgem a Almeirim. Bernardo Santareno assim o Fez. Veio até Santarém e cumpriu o último desejo da mãe.
Monumento a Frei Luís de Sousa
Depois das histórias de “Joaquim das Bombas” partimos rumo à obra escultórica de Erika Braz (a mesma de D. António, Prior do Crato), inaugurada a 24 de junho de 2010 e colocada no Jardim da Liberdade, em frente ao Tribunal. É uma obra inspirada na última cena do III ato da peça teatral “Frei Luís de Sousa”, de Almeida Garrett. Nela, “D. João de Portugal personifica o ato de libertação por amor”. Realizava-se a cerimónia em que celebravam a fuga de Sousa Coutinho e Madalena para o convento como forma de se redimirem do pecado por terem casado quando afinal ela não estava viúva de D. João de Portugal. Este ao verificar a tragédia que o seu regresso provocara na família, decidiu, num ato de altruísmo e abnegação, libertá-los. Porque amava demais Madalena, entra de rompante e oferece-lhe a liberdade dizendo que era tudo mentira. Que ele não era D. João de Portugal, mas sim um vigarista que vinha para saquear Sousa Coutinho. Mas a filha Maria reconhece-o como o monstro que aparecia nos seus sonhos dizendo que ela era a filha do pecado”.
De acordo com Nuno Domingos “a escultura reporta-se ao terceiro ato da peça em que o velho aio Telmo Pais questiona o Romeiro (D. João de Portugal): Romeiro, Romeiro! Quem és tu?”.
Sobre este drama, Nuno Domingos, refere um texto de António Mega Ferreira publicado no jornal Público em 8 de fevereiro de 1999: “Li o texto pela primeira vez quando tinha 13 ou 14 anos – e ainda não me refiz do fascínio inicial, aumentado pelas muitas releituras, não sei quantas representações teatrais, filmes e telefilmes. Aquele Romeiro, aquela “ameaça” à normalidade feliz do triângulo Maria-Madalena-Manuel de Sousa Coutinho, foi para mim uma fonte de mistério, o sinal de uma coisa que mais tarde, muito mais tarde, reconheceria como “desassossego” (…) o “Ninguém” carregado de presságio daquela espécie de fantasma de D. João de Portugal era uma espécie de “buraco negro” pelo qual se esvaía a normalidade da literatura como “corpus” de coisas a aprender – mas de cujo ensino, parece-me, estava ausente qualquer ligação com a vida, a quotidiana, corriqueira “vidinha” de todos e cada um de nós. Frei Luís de Sousa foi a primeira exceção a este distanciamento entre nós e a literatura que nos ensinavam.
De forma evidentemente não consciente, o que o “Ninguém” do Romeiro me deixava entrever é que, para lá do dito, do explícito, havia – há – no texto literário um amplo espaço de indeterminação, o espaço do mistério, de um segredo que nos cabe adivinhar ou (o que é ainda melhor) simplesmente reconhecer. (…)
Dorme Maria, no delírio que a febre e os seus sonhos de grandeza alimentam? E Telmo conforta-se na sua apegada ternura pela menina, como se a pureza que ela lhe entrega limpasse a recordação de uma qualquer culpa passada? E Dona Madalena, quem pode dizer, entre os sustos cheios de presságio de Maria e as meias palavras de Telmo, que realmente sossega nos braços de Manuel de Sousa? E Manuel de Sousa, quem aquieta esta extenuante vontade de ação, que o leva de Lisboa à outra margem, uma vez e outra e outra? (…)
Frei Luís de Sousa é o livro do desassossego português, antes de ser drama histórico, narrativa amorosa ou tragédia Sebastiana. Todas as personagens vivem um mal-estar, cuja causa difusa, corporizada no fantasma de D. João de Portugal, é, afinal de contas, “ninguém”. E qual de nós pode dizer que nunca se sentiu, ainda que por instantes, prisioneiro deste desejo de não ser, neste momento em que existe? “Eu só estou bem onde não estou”, lembram-se? E é preciso ler Frei Luís de Sousa em voz alta, para ouvir o eco que o silêncio entre as palavras nos envia – ou a música que faria da obra-prima de Garrett a ópera portuguesa por excelência.”
A peça foi pela primeira vez representada em 1843.
Em 1847 foi levada à cena, na sacristia do Convento de S. Domingos. Entre o público notou-se a presença de Alexandre Herculano.
Bernardo Santareno
Depois do Veto Teatro Oficina ler uma passagem da peça ‘O Lugre’ de Bernardo Santareno, junto à casa onde viveu, perto do antigo Presídio Militar, o cicerone da visita, Nuno Domingos falou mais uma vez sobre António Martinho do Rosário, conhecido pelo pseudónimo, Bernardo Santareno, nascido em 1920.
Já o seu pai Joaquim Martinho do Rosário, nasceu no Espinheiro (1897), filho de um serrador, que se dedicou ao negócio das madeiras, veio empregar-se em Santarém com cerca de 21 anos. Começou a namorar a mãe de Bernardo Santareno também ela com 21 anos. Casaram em 1919 e viveram na casa da atual Travessa das Borras, durante cerca de 1 ano e depois mudaram-se para a Travessa do Bandeira, ou Bandeirinha, hoje denominada Travessa das Condinhas, nº 1 B (travessa que faz esquina com a Noémia Igreja). Depois foram residir para a Avenida António Maria Batista, perto do antigo Presídio Militar.
Bernardo Santareno teve um irmão mais novo que faleceu muito cedo. Teve também um tio materno a que Santareno se refere e lhe terá incutido o interesse pelo cinema e teatro.
Em 1927, dá-se a Revolução do 7 de fevereiro, tinha Bernardo Santareno 6 anos, e o pai participou nesse movimento e foi preso. Seria absolvido no processo respeitante ao movimento, mas as informações eram de que continuava a fazer reuniões com outros revolucionários na sua casa e a dizer mal da situação, pelo lhe é movido outro processo e é deportado. O local de destino foi Moçâmedes. Foi mandado regressar, em 1929.
Terá sido em 1930, que Bernardo Santareno terá escrito uma peça intitulada ‘Olga a Condessa Russa’ (informação consta nos documentos da Sociedade Portuguesa de Autores -SPA), na qual a prima Maria Amélia, sua vizinha, fazia de protagonista, declamando enquanto o óleo do petromax lhe escorria pela cabeça.
Em 1932 começa a frequentar o Liceu Sá da Bandeira, que funcionava em dependências do Seminário, na Praça Sá da Bandeira, até 1943.
No ano seguinte, em 1933, o pai é novamente preso juntamente com outros republicanos opositores à ditadura. Tudo devido ao boato sobre o armazenamento de bombas no armazém, pelo qual ficou conhecido como “Joaquim das Bombas”. O pai fica preso em Lisboa.
Por esta época Bernardo Santareno vivia na Avenida António Maria Baptista, onde viviam também as suas primas. Ali faziam teatrinhos orientados por este, em especial no armazém com o nº 24, que estava desocupado, fazendo palcos com paus de madeira.
Em 1939, Bernardo Santareno terminou o curso dos liceus e matriculou-se nos preparatórios de Medicina, em Lisboa, por imposição do pai. A récita de gala dos finalistas é no Teatro Rosa Damasceno, no programa consta a representação de uma peça intitulada “O Sonho do Condestável”, na qual interpretou a figura principal (Frei Nuno). Ensaiador: Padre Fernando Duarte (natural de Tremês que viria a fazer parte da vida artística e religiosa de Bernardo Santareno). Desempenhou também o papel de Morgado em “O Morgado de Fafe em Lisboa”, de Camilo Castelo Branco.
Esteve 6 anos, em Lisboa, de 1939 a 1945, sem conseguir fazer o 2.º ano de medicina. Nesse espaço de tempo, fez o serviço militar por fases e fugiu para o Seminário dos Olivais.
Passou muito tempo em Santarém e entrou em récitas da Juventude Estudantil Católica (JEC). A fuga para o Seminário terá sido em 1943.
O pai foi buscá-lo ameaçando-o com uma arma e afirmando: “Antes te quero ver morto que metido com os padrecas”.
“(…) Muda-se para Coimbra e em 1950 concluiu o curso na Faculdade de Medicina.
Em Lisboa exerceu medicina psiquiátrica no domínio da orientação profissional (…) Pujante dramaturgo, viveu obcecado pelos temas ligadas à sexualidade e ao sagrado levados a extremos de marginalização moral e social.” In: “Quem é quem – Portugueses Célebres”, do Círculo dos Leitores.
Gil Vicente
O autor português mais conhecido é Gil Vicente, já em plena Renascença, com os seus autos sacramentais.
A propósito do terramoto de 1531, os frades de São Francisco começaram a dizer que a culpa era dos judeus e que o tremor de terra seria resultado da ira de Deus com eles.
Na oportunidade, Gil Vicente estava em Santarém e escreveu ao Rei:
Excerto da Carta de Santarém (Gil Vicente ao Rei, em 1531):
“Os Frades de cá não me contentam, nem em púlpito nem em prática, sobre esta tormenta da terra que ora passou.
Reverendos padres, o altíssimo e soberano Deus nosso tem dous mundos;
O primeiro foi sempre e para sempre o da Sua resplandecente glória, repouso permanecente, quieta paz, sossego sem contenda, concórdia triunfante: é o mundo primeiro.
Este segundo em que vivemos, a sabedoria imensa o edificou polo contrário, todo sem repouso, sem firmeza certa, sem prazer seguro, todo breve, fraco, falso, temeroso, cansado, imperfeito; para que, por estes contrários, sejam conhecidas as perfeições da glória do primeiro.
E porque não quis que nenhuma cousa tivesse perfeita durança sobre a face da terra, estabeleceu ordem no mundo que todas as cousas tivessem seu contrário;
Como vemos, contra a formosura do Verão, o fogo do estio; contra a vaidade humana, a esperança da morte; contra a força, a velhice; contra a firmeza dos fortes e altos arvoredos, a tempestade dos ventos; e contra os formosos templos, castelos e sumptuosos edifícios, o tremor de terra;
E por serem acontecimentos que procedem da natureza, não foram escritos como todos aqueles que foram por milagre. E porque nenhuma cousa há debaixo do Sol sem tornar a ser o que foi, o tremor haveria, por força, de voltar a acontecer ou cedo ou tarde, e por isso não o escreveram.
Concluo que não foi este nosso espantoso tremor, ira de Deus; mas, quero que me queimem no fogo da inquisição se não fizer certo que tão evidente e manifesta foi a piedade do senhor Deus, neste caso, como a fúria dos elementos e dano dos edifícios.”
A casa onde viveu o poeta declamador: Mário Viegas
A visita terminou com “chave de ouro”. Uma visita à casa onde viveu em Santarém Mário Viegas, ator, encenador e declamador, situada na Rua António Bastos (S. Bento). A comitiva foi recebida por Hélia Viegas, irmã de Mário Viegas e pela sobrinha, Ana Viegas.
Mário Viegas foi um homem do teatro, do cinema, da poesia, da arte, que quis transportar o sonho ao poder.
Chamava-se António Mário Lopes Pereira Viegas. Representou pela primeira vez, em Santarém, no Círculo Cultural Scalabitano, num Auto de Natal, encenado por Carlos Mendes.
Estreou-se como profissional em 1968 no Teatro Experimental de Cascais (TEC) com a peça “O Comissário de Polícia”, de Gervásio Lobato. Passou pelo Porto (1969), integrando o Teatro Universitário dessa cidade, para, depois, retomar o seu lugar de ator no TEC (1970-1971).
A partir dos anos 70, começa a impor-se como declamador, tanto em rádio, como em televisão, para além da gravação de discos de poesia. Co-fundador de vários grupos de teatro, como o Grupo de Teatro da Feira da Ladra, A Barraca e Novo Grupo (no Teatro Aberto), em 1990 criou a Companhia Teatral do Chiado, sedeada no Teatro São Luís, onde encenou e interpretou diversas peças, com destaque para o espetáculo a solo ‘Europa Não, Portugal Nunca!’, em 1995. Foram notáveis os seus desempenhos em filmes como ‘O Rei das Berlengas’, 1976, ‘Kilas, o Mau da Fita’, 1979, ‘A Culpa’, 1979, ‘Sem Sombra de Pecado’, 1982 e ‘A Mulher do Próximo’, 1988.
Foi premiado, com a Medalha de Mérito do Município de Santarém, em 1993, e com o título de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique, que recebeu das mãos de Mário Soares, em 1994. Morreu a 1 de abril de 1996, com muitas palavras por dizer.