Os edifícios históricos dos mercados diários estão na moda no Distrito de Santarém! Infelizmente, por razões pouco abonatórias.
Se vestirmos os nossos fatos de internautas e visitarmos o ciberespaço regional, principalmente, o ciberespaço jornalístico, deparamos com notícias atrás notícias e artigos de opinião em subsequência a artigos de opinião, concentrados nas vicissitudes que afectam, presentemente, os edifícios dos mercados diários de Abrantes e de Santarém.
Quanto à polémica scalabitana, por desconhecimento de causa, não me pronuncio; apenas enfatizo que o propósito da respectiva câmara municipal é requalificar a estimada obra arquitectónica e que a AMSIC (Associação Mais Santarém-Intervenção Cívica) está a organizar um debate sobre a matéria.
Em Abrantes, por seu turno, a situação evidencia-se de consequências sobremaneira mais gravosas, uma vez que se prevê a demolição do consagrado imóvel. Este, tal qual dissidente político capturado por um regime totalitário, encontra-se diante de um pelotão de fuzilamento de espingardas em riste e pronto a disparar; pelotão que ainda não premiu o gatilho, já estando reunidas as condições jurídicas para gritar fogo – ou manda abaixo! –, porque falta um enquadramento político favorável. Dito de outro modo, as dúvidas sobre como tal decisão influenciará um futuro sufrágio autárquico demovem, de momento, o executivo camarário do Partido Socialista de avançar com este insidioso atentado à “Alma Abrantina”.
Ora, poderia discorrer acerca da relevância material e imaterial desta construção de traço modernista, de como ela nos liga aos renomados António Varela, Jorge de Sena, Manuel Rodrigues e Moniz da Maia, o que, acaso imperasse o bom senso, sobejaria para impedir o insensível acto de destruição; contudo, prefiro, sim, salientar a importância comunitária de um local que alberga vivências e memórias, que é signo acarinhado da identidade abrantina e representação das nossas particularidades ideossincráticas, considerando que esses são os principais atributos para que não testemunhemos o seu desaparecimento.
Quem acompanha as deliberações da Assembleia Municipal de Abrantes, está cônscio de que o PSD, com a concordância da demais oposição, propôs recomendar ao executivo camarário que o PUA (Plano de Urbanização de Abrantes), documento com força de lei que estabelece o derruir da edificação, fosse revisto e expurgado de tão abjecto objectivo. De igual maneira, também saberá que o Bloco de Esquerda, granjeando similar suporte, tem-se batido pela classificação do edificado. No entanto, seja qual for a investida, esta sempre esbarra na muralha absolutista do PS de Abrantes, que inventa desculpas espalhafatosas para justificar o injustificável.
Para que haja uma mínima compreensão das piruetas que o Partido Socialista nativo dá, no que tange a este assunto, basta ver como passaram de afirmações peremptórias e de punho fechado, assegurando que o edifício não se reveste de qualquer valor patrimonial e cultural, e que merece transformar-se em mera recordação de fotografia, à actual posição de “demolidor no armário”, com um medo atroz de se assumir perante os munícipes; ou seja, hoje em dia, o PS garante que não haverá o indesejado arrasamento, mas defende que classificar o imóvel resultará num suposto prejuízo à liberdade criativa, visto que diminui as hipóteses de requalificação. Aproveitando esse fátuo argumento, recusa-se a rever o PUA enquanto não houver uma ideia alternativa.
O curioso disto tudo, como não fugirá ao melhor entendimento da população, é que uma finalidade a ofertar àquele património que contenda com a sua classificação terá de ser, inequivocamente, um rumo a rejeitar. Em acréscimo, a agremiação partidária no poder reputa de admissível incumprir, por omissão, um plano regulamentador e ordenador com força de lei! Na prática, transmite às pessoas que as regras são para violar.

Pois bem, as correntes circunstâncias tanto não se evadem à percepção das gentes de Abrantes que estas se coordenaram no Facebook, criaram um grupo denominado “Amigos do Mercado de Abrantes” e concretizaram uma iniciativa doce e simbólica, depositando flores junto ao monumento – dignifiquemo-lo! –, com o intuito de demonstrar o quão importante e nobre é a luta pela preservação da “Alma Abrantina”!
Exige-se que ali voltemos a ouvir risos e pregões típicos do pequeno comércio, retornando o edifício à funcionalidade que o fez nascer. Até lá, pugnemos pela sua classificação e pelo sanear do PUA, removendo dele o tumor que é a aprovada demolição!
Por fim, não nos esqueçamos de denunciar que quer a manutenção, quer a conservação do imóvel, com intentos premeditados, estão a ser descuradas pela Câmara Municipal de Abrantes. O que é natural, sabendo o que sabemos…
João Salvador Fernandes