Sexta-feira, Abril 19, 2024
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Eu ainda sou do tempo

Eu ainda sou do tempo em que o Bloco de Esquerda, no hemiciclo parlamentar, exigia lugares na fila da frente, porque considerava aviltante da sua dignidade institucional a colocação de Francisco Louçã e Luís Fazenda numa apagada e obscura quarta linha de assentos. Lembro-me de os, na altura, deputados se recusarem a relaxar os fundilhos nos bancos que lhes foram regimentalmente destinados, reclamando, hirtos como barras de ferro, durante uma matutina sessão plenária.

Eu ainda sou do tempo em que esse par de representantes do povo alegava que a arrumação dos partidos era feita (e é) pela respectiva orientação política, o que levou a um conflito com o PCP e com Octávio Teixeira, concernente líder da bancada comunista, originando-se uma pueril luta ideológica para descobrir quem é que estava mais à esquerda de quem.

Eu ainda sou do tempo em que o Bloco de Esquerda, na Assembleia da República, se manifestava discriminado e pugnava por minutos adicionais para veicular a sua mensagem.

E eu ainda sou do tempo em que um partido estruturante do nosso regime (o PS), um partido com raízes totalitárias, mas acomodado à democracia (o PCP), uma ficção jurídico-partidária (o PEV) e um partido moralista (o BE), que outrora se dizia mártir e agora se assume como agressor, se recusaram a permitir que três debutantes agremiações, legitimamente eleitas pelo voto dos cidadãos portugueses, pudessem participar nos próximos debates quinzenais.

Estes arautos da democracia e da liberdade de expressão, pressionados pelas reacções à absurda e vermiforme decisão que tomaram em bando, em gangue, já garantiram estar disponíveis para rever o Regimento da Assembleia da República, de modo a impedir o perpetuar de uma iniquidade operativa na casa da leis. No entanto, não concordam que, nesta fase, se abram excepções às regras em vigor. Afinal de contas, o Livre, a Iniciativa Liberal e o Chega não merecem o mesmo respeito democrático que autorizou a concessão, na última legislatura, dessa possibilidade ao PAN. Deve ser porque este é o partido dos animais, e todos gostamos muito de animais…

Pior! Salta à vista que o propósito de silenciar estes três partidos, na verdade, é puramente instrumental. Apenas pretendem emudecer uma pessoa: André Ventura.

Não sejamos ingénuos, o objectivo não passa por calar o radicalismo identitário e tartamudo de Joacine Katar Moreira ou o liberalismo, a raiar o libertarianismo, daqueles gajos que são pródigos em erguer cartazes. E, sim, também não vamos embarcar na estupidez de afirmar que o Chega é uma entidade autónoma do seu estrídulo e fraudulento presidente, sempre acompanhado de uma pequena hoste de fâmulos deslumbrados com o académico que, como nenhum outro, destrinça as suas opiniões científicas das políticas e sociais (salientando-se que são absolutamente contraditórias e incompatíveis).

Livre e Iniciativa Liberal são meras ferramentas, hipócrita e vergonhosamente utilizadas para conferir à investida censuradora um semblante de integridade.

Ora, a aguardada – e inegavelmente justificada! – vitimização já se iniciou; aliás, o Prof. Ventura prometeu, para breve, um cortejo de sonoros protestos, pelo que poderemos esperar por um carnaval cheio de berros e animação, enquanto quem sofre com o descrédito, na realidade, é a Assembleia da República.

Por isso, quando a quadrilha de censores vier, de novo, cacarejar acerca do crescimento da extrema-direita, da abstenção ou das fragilidades do nosso regime democrático, por favor, riam-se… à gargalhada!

João Salvador Fernandes

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