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A queda do muro de Berlim, causas e consequências que chegam aos dias de hoje

A Queda do Muro de Berlim, pelo historiador Ricardo Martín de la Guardia, A Esfera dos Livros, 2019, é uma investigação cuidada e atenta acerca de um muro que simbolizava a fronteira de dois sistemas numa Alemanha dividida, era a consumação da Guerra Fria, um muro que parecia destinado a ficar para a eternidade. O fenómeno que determinou o desmoronamento dessa fronteira artificial foi a chegada de Gorbatchov ao poder do Kremlin. O novo secretário-geral do PCUS advertira solenemente os gerontes partidários que era crucial falar a verdade aos soviéticos sobre o estado deplorável da economia e introduzir mudanças aceleradas, que acompanhassem o progresso tecnológico, já viçoso no Ocidente. As consequências geraram uma imprevista agitação nos países satélites, a que a RDA não escapou. O historiador Martín de la Guardia é muito claro na calendarização dos eventos, a começar pela criação da própria RDA que não passava de uma ilusão de ótica na Europa sovietizada. E há o facto concreto da queda, como ele assim observa: “Novembro de 1989 foi, sem dúvida, o mês que abriu definitivamente as portas ao fim do sistema internacional surgido após a II Guerra Mundial. A queda do Muro de Berlim, no dia 9, transcendeu o símbolo de uma cidade, de um país e de um continente divididos por mor das circunstâncias vividas há várias décadas, para abrir um futuro incerto, mas esperançoso, o de um cenário radicalmente distinto da Guerra Fria, em que os atores principais e secundários teriam de reconsiderar os respetivos papéis”.

Uma palpitante viagem, com cimeiras dos líderes das superpotências a procurar afastar as nuvens negras da Guerra Fria, assiste-se à construção do muro numa RDA que não podia concorrer com os índices de produtividade nem a variedade de bens e serviços criados na RFA; em paralelo, iremos acompanhar a RFA e as diferentes posições políticas assumidas face à outra Alemanha, até à grande reviravolta operada por Willy Brandt; seremos confrontados com a deterioração da Cortina de Ferro e com a contestação interna dentro da RDA, os avatares do regime da Alemanha de Leste descobrirão que é impossível recorrer à repressão ou às prisões para sufocar um descontentamento que já não era disfarçável; e inopinadamente os contestatários fazem brechas no muro, encontram-se com os alemães do Ocidente, o regime socialista cai sem violência. Emergem problemas de toda a ordem. O chanceler da Alemanha Ocidental, Helmut Kohl, que aspira à reunificação do país, é confrontado com tumultos na Polónia, as autoridades polacas temem que uma Alemanha unida venha a exigir a revisão das fronteiras, e vemos os líderes do comunismo polaco a pedir apoio à França, à Grã-Bretanha e aos Estados Unidos, mas o governo de Bona declara que não tem reivindicações territoriais na Polónia. Há eleições, os conservadores tornam-se a força maioritária em toda a Alemanha, seguem-se os sociais-democratas e os socialistas reciclados de Leste. Mas há muitos mais problemas, logo os da segurança europeia, é indispensável tranquilizar Moscovo, vive-se um tempo em que esta Alemanha reunificada é contemporânea de transições democráticas nos países da Europa de Leste.

Estamos chegados a uma Alemanha que recuperou a unidade e que enfrenta os desafios de uma união económica, monetária e social, após se ter negociado o Tratado de Unificação e terem havido eleições. Tempos de grande dificuldade e de ousadia, os alemães ocidentais chegaram a mostrar sérias reticências à unificação, era um processo caríssimo, com mudanças monetárias muito pesadas, havia que pagar a transformação das estruturas económicas nos territórios orientais. Segundo alguns cálculos, a zona ocidental do país terá despendido mais de um milhão de marcos com a zona oriental. Irromperam fenómenos novos, caso do nacionalismo, quem vinha da Alemanha de Leste sentia-se menorizado pelos alemães ocidentais. Como escreve o autor, “a unificação rápida provocou um trauma nas gerações mais velhas, cujas formas de vida, padrões de comportamento e até valores foram drasticamente postos de parte e substituído por outros como o consumo e a competição, assentes no princípio do individualismo. As dificuldades económicas, o crescimento do desemprego, a falta de perspetivas para uma parte dos cidadãos, cuja vida profissional na Administração do antigo Estado ou nas fábricas e quintas coletivas estava destinada a chegar ao fim, em muitos casos de forma abrupta. A sensação de orfandade, desproteção e estranhamento da nova realidade favoreceu uma nostalgia, na maior parte dos casos não era nostalgia de um sistema político nem de uma ideologia, mas de uma maneira de viver, em boa parte reconstruída pela imaginação, perante a falência de uma identidade pessoal e coletiva”. O autor dá mesmo conta da literatura que este fenómeno provocou. A queda do Muro gerou inquietação um pouco por toda a Europa, retomava-se a questão dos fundamentos culturais do continente, repensou-se todo o sistema das ideologias, o fracasso do sistema socialista na Europa de Leste não deixou ninguém de fora.

Numa síntese bem conseguida, Ricardo Martín de la Guardia repega nos aspetos essenciais da Europa do pós-guerra e como tudo se alterou com Gorbatchov no Kremlin, como atuaram as grandes potências face ao colapso da RDA e ao facto de que quase todos estes países (a Jugoslávia e a sua desagregação fizeram surgir anticorpos) foram batendo à porta de Bruxelas, quiseram integrar a União Europeia. Entrara-se numa nova era. Trinta anos depois, havia um outro espírito europeu, e desafios não faltaram, como a crise económica de 2007-2008, o papel da Europa tem-se vindo a alterar, dado o facto de que os EUA, a Federação Russa, a China e o Japão, e outras potências, lutam pelo controlo de espaços económicos; não é novidade para ninguém que a União Europeia não é estimada nem pelos EUA nem pela Rússia de Putin; China, Índia, Canadá e Japão, curiosamente, são parceiros empenhados no comércio internacional e negoceiam com a Europa sem preconceitos. Pensava-se que a queda do Muro ia gerar um panorama global mais pacífico, as coisas não se têm passado assim: há o radicalismo islâmico, os nacionalismos populistas. Podem ser acidentes da História, mas o mosaico europeu dá sinais de que aprendeu todas as lições de um tempo envenenado que se chamou a Guerra Fria, o tal tempo que se esmoronou com a queda do Muro de Berlim.

Mário Beja Santos

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