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Nero Wolfe, um gigante de carnes e de células cinzentas a desvendar crimes

O romancista Rex Stout ia pelos quarenta anos e já com palmarés de atividades abandonou os negócios e dedicou-se em exclusividade à literatura de crime e mistério, os seus primeiros romances foram aplaudidos pela crítica e o seu detetive de eleição, Nero Wolfe, ganhou a dimensão de um herói nacional nos EUA, espalhando-se pelo mundo inteiro. É um detetive peculiar, excêntrico, irrepetível: tudo quanto tem a ver com a boa mesa não lhe escapa, diariamente como cozinheiro elabora delicados menus; aconteça o que acontecer, das quatro às seis da tarde, sobe o elevador da mansão para se juntar às suas incontornáveis orquídeas; só em momentos altamente gravosos é que sai de casa, e se há operações em exteriores socorre-se do seu assistente Archie Goodwin, que tem charme junto das senhoras e dá tudo por um copo de leite; há um inspetor da Brigada de Homicídios, de nome Cramer, que tem uma relação de amor-ódio pela dupla de detetives, mas é forçado ao beija-mão nos casos aparentemente insolúveis, como é o caso desta A Caixa Vermelha, que desde a década de 1930 é um êxito retumbante em todos os continentes, e tem agora a sua primeira edição na Livros do Brasil/Porto Editora, 2020.

A Caixa Vermelha, a diferentes títulos, é um livro sem paralelo na obra de Rex Stout. Primeiro, Nero Wolfe recebe uma carta dos maiores cultivadores de orquídeas que lhe pedem para investigar a morte de Molly Lauck, envenenada num reputado estabelecimento de moda, na cidade de Nova Iorque. “Respeitosamente, recordamos-lhe que uma vez por ano sai à rua a fim de comparecer na Exposição Metropolitana de Orquídeas e que o presente caso, conquanto não lhe proporcione tanta satisfação pessoal, parece-nos merecedor de idêntico sacrifício do seu conforto e interesse”. Resigna-se e faz uma visita aparentemente descolorida, mas onde ele vai reter uma informação que lhe permite apurar que há para ali um encadeado de mentiras e afirmações suspeitas. Segundo, como numa peça de teatro, a casa de Nero Wolfe parece um palco rotativo por onde entram e saem pessoas que têm o condão de estarem conhecedoras de segredos que vão levar o genial detetive ao apuramento da verdade, com alguns homicídios pelo caminho.

Tudo começa com o estapafúrdio homicídio numa loja de modas, uma jovem modelo come um caramelo com cianeto de potássio. Para a polícia e para Llewellyn Frost, primo de Helen Frost, uma outra modelo da loja, é tudo um mistério e há gente em perigo. Nada se sabe como é que aquela caixa de bombons apareceu, a quem estava destinada, os suspeitos são uma multidão, estava-se a preparar uma passagem de modelos, por ali entrou e saiu muita gente. Quebrando a regra, Wolfe vai até à Rua 52 à loja de modas, interroga o dono e várias modelos, impossível apurar se a caixa estava já aberta, parece que ninguém se lembra da marca da caixa de bombons, este Llewellyn é destemperado em comentários a Nero Wolfe, chama-lhe imbecil e gordalhão de uma figa, o detetive regressa a casa, onde vão começar a chegar pessoas da família Frost, apura-se, ao fim de inúmeras entradas e saídas de cena, que estes diferentes membros da família Frost têm estreitas ligações com o dono da loja de modas McNair e um senhor que anda a fazer o pé de alferes a Helen Frost, Perren Gebert.

Desencadeia-se nova tragédia, Boyden McNair informa Nero Wolfe que fez testamento e que o nomeou testamenteiro, ele irá receber uma caixa vermelha, está debaixo de uma grande tensão, anuncia que está cheio de dores de cabeça, mete aspirinas à boca e morre envenenado. Antes, porém, vai contando que conhecera dois irmãos americanos, os Frost, como apareceu Calida Buchan com quem um dos Frost casou, houve uma menina que morreu, e narra mais episódios familiares, onde também entra Perren Gebert. É neste ritmo alucinante de entradas e saídas em casa de Nero Wolfe que o inspetor Cramer pede ajuda, toda a gente anda à procura da caixa vermelha, os Frost e companhia dizem desconhecer a existência da caixa vermelha, Nero Wolfe põe os seus colaboradores em campo, Archie Goodwin percorre vários sítios e entrevista gente ligada ao assassinato de Molly Lauck, nesta altura já está bem esclarecido que andam todos com mentiras pias. Wolfe, o prodígio dos detetives, já juntou as peças soltas, e depois do assassinato de Perren Gebert convoca todos os participantes nesta densa charada bem como o inspetor Cramer e o seu auxiliar que aparece em todos os romances, Purley Stebbins, que é sempre obrigado a ir para a cozinha, não pode assistir ao grande desfecho do melodrama, aliás, Nero Wolfe abre o seu estrepitoso monólogo dizendo que “Todo o assassínio é um melodrama, porque a verdadeira tragédia não é a morte, mas as condições que levam a esse desenlace”. E vem todo o drama familiar escondido à tona, quem guarda segredo da fortuna, quem a quer prezar, quem tem acesso ao cianeto de potássio e, perante o desmascaramento, ali se suicida. Resolvida a charada, o inspetor Cramer pede a Nero Wolfe a caixa vermelha. “Você sabe que temos na Polícia uma secção onde se recolhem algumas curiosidades: machadinhas, armas e coisas semelhantes. Quem sabe se você não terá a bondade de me oferecer aquela caixa vermelha para ser acrescentada à coleção”. Wolfe retruca, oferecera a Archie Goodwin a caixa, e este esclarece o chefe da Brigada de Homicídios que precisa dela para guardar selos-postais. “E até hoje ainda me sirvo da caixa. Mas Cramer também arranjou uma para a sua coleção, pois uma semana mais tarde foi encontrada a própria caixa, na propriedade da família na Escócia, por detrás de uma pedra da lareira. A caixa continha elementos suficientes para três julgamentos, mas por essa altura o assassino já estava sepultado”.

Uma das obras mais engenhosas de Rex Stout, um prodígio de arquitetura, digna de uma grande peça de teatro. Em suma, uma imperdível história ligada a esse gigante de carnes e de células cinzentas como jamais haverá outro na história da literatura de crime e mistério.

Mário Beja Santos

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