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Carta Aberta: Reduzir a Abstenção

Apesar de todos os partidos terem – aparentemente – adormecido e estarem confortáveis com as tremendamente altas taxas de abstenção eleitoral acreditamos que este é um problema central à confiança da nossa democracia e que se persistir e, sobretudo, se se agravar vai colocar em causa a própria legitimidade do regime democrático e abrir porta à aparição e instalação de uma forma “suave” ou “discreta” de totalitarismo.

Acreditamos, assim, que é preciso abrir um debate sério e profundo, sobre a questão da abstenção e incluir nesse debate todas as possíveis e causas para este fenómeno que não tem cessado de se agravar desta a reinstalação da democracia em Portugal em 1975.

Nove formas, muito concretas e práticas, de reduzir a Abstenção:

1. Reduzir a idade de voto:

Depois de décadas a subir a participação eleitoral assistimos actualmente ao fenómeno inverso: em praticamente todas as democracias consolidadas cada vez se vota menos e se participa menos na vida política quer ao nível local quer ao nível nacional. Este declínio é generalizado desde a década de 1980 e intensificou-se na última década e uma das respostas possíveis pode passar por acompanhar os tempos e alargar o universo de possíveis eleitores fazendo descer a idade mínima de voto. Essa descida vai aliás ao encontro do relatório recentemente aprovado em 2011 pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e que defendia a “redução da maioridade eleitoral para os 16 anos nos 47 Estados membros da organização” (entre os quais se encontra, claro, Portugal). Mais cidadãos com capacidade para votar deveriam levar a mais votos embora o fenómeno pudesse até fazer aumentar o abstencionismo relativo iria certamente aumentar a quantidade de votos recolhidos e preparar, mais cedo, um conjunto maior de cidadãos para o bom cumprimento dos seus deveres cívicos.

2. Voto Obrigatório:

Um dia teremos que avaliar a necessidade de estabelecer a obrigatoriedade do voto. Esta obrigação cívica poderá tornar-se, dado o crescimento galopante da abstenção, uma necessidade global a muito curto prazo. Nas eleições dos EUA de 2012 a abstenção ascendeu aos 55% e isso determinou a eleição de Donald Trump. Ao mesmo tempo, em países com voto obrigatório como a Bélgica ou Malta a participação eleitoral rondou os 95%. A aplicação de uma coima perante a falta de expressão do sentido de voto seria, contudo, contraproducente, uma vez que associaria o mais essencial do exercício democrático a uma “multa”. Provavelmente, a melhor opção seria congelar pagamentos muito específicos e concretos tais como alguns pagamentos na Segurança Social ou Devoluções de impostos. Estas contenções não seriam assim “coimas” mas “congelamentos” até ao momento em que cidadão torna-se a exercer o seu direito de voto.

3. Ajustar a fórmula

A fórmula que determina se alguém vai, ou não, participar num acto eleitoral é PB + D > C. Em que P é a probabilidade de que o voto do indivíduo afecte o resultado final de uma eleição, B é o benefício esperado do voto expresso num certo candidato ou partido, D representa o sentido de “dever cívico” e actualmente o sentimento de realização pessoal de votar e C é o tempo, esforço e custo financeiro de votar.

É assim nesta equação e nos seus termos que é preciso trabalhar:

a. Aumentando a quantidade de instâncias de participação democrática: Orçamentos Participativos, simplificando Referendos e Iniciativas Legislativas Cidadãs e introduzindo formas de democracia onde ela não existe, designadamente na áreas metropolitanas, na Justiça e instaurando referendos revogatórios de mandatos.

b. Aumentando o impacto do voto capacitando, por exemplo, os poderes do Parlamento Europeu e ligando os deputados (círculos uninomais) aos eleitores

c. Insistindo na formação e educação cívica dos cidadãos por forma a aumentar a sua participação cívica e, decorrentemente, eleitoral. Trabalhando, muito, ao nível das autarquias locais como uma forma de introdução e de exercício local e eficaz de cidadania e democracia.

d. Reduzindo o “custo” do voto: instaurando o voto postal antecipado, estudando o voto electrónico remoto e seguro e tornando os transportes públicos gratuitos em dia de eleições.

4. Voto Antecipado por Correspondência

Conforme já sucede nos EUA importa começar a introduzir formas de voto postal antecipado a, pelo menos, até 30 dias antes da data das eleições. Nos EUA este modelo de participação eleitoral já tem amplo uso com variantes que vão desde a colocação nas ruas de caixas especializadas ao envio do boletim por correio para os eleitores (com RSF) até à recolha do boletim e envelope nas autarquias. O Voto Postal permitiria que muitas pessoas (p.ex. idosos: onde a abstenção é, geralmente, baixa) que não podem deslocar-se fisicamente pudessem participar nos sufrágios. O método é implementado e bem conhecido há muito tempo (na Austrália desde 1877)

5. Voto por Procuração

Nesta forma de voto o eleitor delega em alguém a capacidade de expressar o seu voto. Isto permite combater as formas de abstenção por impossibilidade física (distância ou doença) sendo que esse delegado pode ser um familiar próximo ou uma pessoa de confiança. É uma forma imperfeita de expressão de democracia mas faz sentido e o risco é contido se for limitado a uma série limitada de circunstâncias e condições.

6. Reduzir a Desilusão nos Partidos

Os partidos e candidatos devem fazer menos promessas e serem muito mais cuidados com a sua capacidade para as executar evitando criar assim nos eleitores um sentimento (justo) de desilusão para com as suas propostas e para com a capacidade da democracia para funcionar. Devem, igualmente, manter um registo actualizado em tempo real do estado do cumprimento das mesmas e dos obstáculos e dificuldades que estão a ser encontradas e que impedem a sua boa execução.

7. Reduzir o Desligamento

Existe um sentimento de desligamento da comunidade por parte de um número crescente de cidadãos (especialmente os mais jovens) para com os vários níveis de comunidade em que se integram. Quanto mais distante é o nível de representação, menor a proximidade e maior o desligamento entre este círculo eleitoral e o sentimento de pertença experimentado pela maioria dos cidadãos. A forma de resolver este problema passa pelo desenvolvimento de uma verdadeira democracia de proximidade e o local onde este desenvolvimento pode começar é o mundo autárquico. Com efeito, quanto menor é a escala maior o sentimento de pertença e comunidade dos cidadãos pela que é, precisamente, na descentralização que pode e deve começar a solução deste sentimento de desligamento que prejudica a democracia: mais cidadania local, mais ferramentas que propiciam uma cidadania local efetiva, escutada e seguida pelos eleitos, mais fiscalização e escuta activa por parte das assembleias deliberativas autárquicas e, sobretudo, listas de candidatos de melhor qualidade, sem “paraquedistas” e com membros activos da comunidade podem ser, neste contexto, essenciais para resolver este sentimento de desligamento e trazer mais eleitores às eleições autárquicas e posteriormente, por contaminação do exemplo, mais participação a todas as outras eleições.

9. Reduzir a Futilidade do voto

O voto tem que ser reforçado no seu impacto na condução da governação local, nacional e europeia. Isto pode ser feito aumentando a quantidade de instâncias de voto e agilizando o seu acesso: deve ser mais fácil lançar um referendo local ou nacional, lançar e assinar uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos (nacional ou europeia) e credibilizar (simplificando o processo de registo e assinatura) as petições à Assembleia da República e às Assembleias Municipais.

Importa também democratizar os círculos de representação e os órgãos de representação: todos os ministros devem ter passado, previamente, pelas listas de deputados por forma a assumirem funções após esse patamar mínimo de representação.

Nomeados para o Banco de Portugal, o Procurador Geral da República e o Provedor devem passar, previamente por uma audição parlamentar pública (como sucede nos EUA) e os órgãos europeus de papel tão central como o Eurogrupo ou o Presidente da Comissão Europeia e do Conselho Europeu e, sobretudo, reforçar e dotar o Parlamento Europeu de verdadeiros e efectivo poderes.

Rui Martins

( Carta enviada aos Grupos Parlamentares da Assembleia da República )

1 comentário

  1. E mudar as LEIS ELEITORAIS para que nao se vote nos candidados escolhidos e ordenados pelos padrinhos dos partidos? NAO DEIXES QUE SEJAM OS OUTROS A ESCOLHER POR TI. Voto nominal/preferencial SIM.

    RB – NORDIC

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