Estive recentemente num debate sobre o Trabalho e o futuro das relações laborais (era sobre um contexto europeu mas rapidamente resvalou para o contexto português). Um dos oradores era um dirigente de uma central sindical o qual, quando perguntei à mesa que soluções – fiscais – existiam para combater a triste realidade de que os níveis salariais médios em muitos sectores estão ainda a cerca de metade do que eram no “pré-crise” e que isso estava a impedir uma retoma mais sólida e, sobretudo, a impedir a transposição da recuperação de rendimentos aos sectores além do funcionalismo público e até à – ainda – enorme massa de desempregados e até ao mundo das empresas privadas me respondeu que “tinha que ser assim: que as pessoas não podiam esperar perderem o seu emprego e não terem que voltar ao ponto de partida” (as palavras exactas não foram estas). Ouvir isto de um sindicalista é chocante e inesperado. Até certo ponto é racional e economicamente razoável: se alguém perde o seu posto de trabalho aos 45 ou aos 55 anos perde-o, provavelmente, no topo de uma carreira e é muito improvável – em Portugal ou em qualquer outro país do mundo – que consiga regressar ao mercado de trabalho na mesma posição. Mas uma coisa é compreender, racionalmente, o processo. Outra é aceitar que isto tenha que ser, sempre, assim ou que o Legislador, um Governante ou um Sindicato tenham que aceitar uma quebra de rendimentos de 50% como uma fatalidade inevitável.
Com efeito não se pode comparar a flexibilidade das despesas fixas de alguém que está ainda a começar a carreira, que vive frequentemente ainda em casa dos pais e que pode – com relativa facilidade num contexto de quase pleno emprego (em certos sectores e cidades de Portugal) – com a muito menor flexibilidade de uma vida de alguém que perde emprego com 45 ou 55 anos, que tem filhos em idade escolar (provavelmente suportando um curso superior), despesas familiares regulares e que vive num país onde os custos com a habitação têm subido nos últimos anos de forma descontrolada e onde já consomem mais de metade dos rendimentos de muitas famílias. Mas à luz da carga fiscal e dos mecanismos que facilitam ou estimulam as empresas a contratarem funcionários nestas condições – ainda demasiado longe da reforma e demasiado longe dos padrões etários “ideiais” (“até aos 35 anos”: lê-se em muitos anúncios de emprego) não existe distinção entre os dois segmentos etários. Desde logo, este tipo de discriminação – com base na idade – deve ser considerada aquilo que é: uma forma de discriminação tão inaceitável como a discriminação por género ou raça: ninguém deve ser automaticamente excluído em função de algo que não controla (a idade com foi recolocado no mercado laboral) e quem publicar (recrutadores) ou permitir (meios digitais ou jornais) tal tipo de anúncios deve merecer uma severa punição e, sobretudo, a deve pagar uma pesada coima quem se provar que contrata com base nessa forma de discriminação. Mas esta dissuasão não pode existir apenas no campo jurídico-legal. Deve também estender-se ao campo fiscal em que as empresas que contratem pessoas que tenham mais de 45 anos devem ter descontos fiscais que as estimulem a contratar trabalhadores nestes segmentos etários. Caberá também ao Estado repetir algumas iniciativas realizadas nos últimos anos nos EUA, sob a Administração Obama em que se financiava o regresso à escola (para completar, por exemplo, o Secundário ou fazer um Curso Profissional) ou financiar parte ou a totalidade de um novo curso superior a quem a partir de uma dada idade tenha que regressar ao mercado laboral e que tenha disponibilidade para se converter a um novo ramo de actividade.
Estas medidas que podem promover a igualdade etária no mundo laboral serviriam para combater a profunda segmentação em direitos e remuneração que hoje caracteriza o mercado laboral português e reforçar o aumento do nível de vida que a recuperação do emprego aos níveis históricos de hoje e a contenção da Precariedade vieram introduzir: se as empresas pagassem menos impostos por cada novo contratado com mais de 45 anos poderiam remunerá-los de forma mais adequada e próxima aos seus antigos salários. Paralelamente, é preciso começar a introduzir mecanismos que reforcem as recentes iniciativas para combater a hiperdependência do Trabalho Temporária e criar uma nova rede de medidas que dissuadam as empresas de converterem empregos de qualidade e com bons níveis de remuneração em contratos de outsourcing onde os trabalhadores perdem – na prática direitos e regalias – e auferem metade ou ainda menos que os seus colegas de secretária que desempenham exactamente as mesmas funções. De sublinhar que quando uma empresa – privada ou pública – despede ou perde para a reforma alguém com 30 ou 40 anos de casa e o substitui por alguém que trabalha em regime de Outsourcing está a externalizar conhecimento técnico e do negócio. Com efeito hoje em dia já não são apenas as funções de limpeza ou de segurança que estão a ser externalizadas mas até funções centrais à inteligência e aos processos internos do negócio como as áreas de recursos humanos, tecnologia da informação ou desenvolvimento. Esta sangria para fora da organização torna estas empresas dependentes destes contratos e, a prazo, sacrifica a sua agilidade e capacidade para sobreviverem e se desenvolverem no mercado global e altamente competitivo de hoje. Sobretudo, esta externalização de serviços centrais torna-as frágeis em termos de segurança (ver o impacto do caso Snowden na NSA: precisamente um outsourcer nesta agência de segurança) e corroi a robustez do tecido corporativo porque nunca se pode esperar que um colaborador externo “vista a camisola” e tenha os mesmos níveis de lealdade e dedicação que se exigem a um colaborador permanente e do quadro. Para combater este excessivo “desvio para o outsourcing” é preciso agir na via fiscal: se hoje é fiscalmente mais apelativo trocar colaboradores permanentes por contratos de outsourcing (despesas de funcionamento vs gastos de investimento) é preciso inverter esse favorecimento e começar a criar mecanismos para que as empresas não continuem a externalizar serviços essenciais nem a substituírem trabalhadores por outsourcers que, por regra, recebem apenas metade do que recebe a empresa de outsourcing por esse posto de trabalho (quase sempre sem qualquer despesa ou investimento por parte dessa empresa de outsourcing).
Rui Martins