Não eram precisos dados para concluir que a pandemia Covid-19 teria intensificado a violência doméstica, ainda assim eles existem por parte da CIG1, APAV2 e OMS3.
Os dados confirmam o expectável, que a maioria de vítimas são em geral mulheres, crianças e jovens, estando os dados ainda incompletos, pois muitas situações não são denunciadas.
Em 2019 A Violência doméstica representou 79% dos crimes cometidos contra pessoas, vida e integridade física, e de longe o crime com mais pedidos de ajuda na APAV.
Vivemos num mundo em que a construção social do que é ser Homem e Mulher, se torna uma barril de pólvora para este fenómeno, em que desde crianças somos educados para o “amor sacrifício”, sem nunca desconstruir que todas as relações sociais são relações de poder, incluindo as afetivas, e os dados mostram o óbvio, o facto de o poder ter sido sempre masculino e branco, leva a que as vitimas sejam em regra as suas companheiras, pois o domínio começa em casa, os graus de escolaridade e económicos também mostram que parece haver um padrão em que a dominação económica leva à dominação física.
No caso dos homens vítimas de violência, o fenómeno é diferente , pois não tem um sistema que a legitima, e a vergonha leva a que muitos casos não sejam reportados.
O Edifício Jurídico pode certamente ser melhorado, mas quando chegamos à queixa a vítima já está a caminho do cemitério, pelo que é preciso intensificar a prevenção, sem descurar naturalmente a punição, até porque em regra a punição é a pena suspensa na execução, sem prisão efetiva.
Em meu entender, a pena máxima é curta, o que favorece a pena suspensa ainda que com normas de conduta como programas de sensibilização parece pouco para um crime que termina muitas vezes com a morte da vítima, e é a porta de entrada para outros crimes. É necessário um aumento da censura social , e também o aumento do limite máximo de 5 para 8 anos, para não ficarmos dependentes de uma tragédia para haver prisão efetiva e medidas de coação mais duras.
Até para garantirmos a prevenção, num crime que em regra é continuado e de grande reincidência, pois em regra o autor, tem um grande ascendente sobre a vitima, exercendo um domínio absoluto, que aumenta em tempos de crise e confinamento, pelo desgaste emocional e pela situação de dependência que pode aumentar, onde a vítima nem sempre tem força para quebrar o ciclo.
Deveria também nas escolas haver uma disciplina/formação para as questões afetivas, pois apenas formamos autómatos produtivos, muitas vezes analfabetos emocionais, que não sabem lidar com a rejeição, nem com a frustração, até porque vivemos numa sociedade que cria o culto do eu, e que pode trazer consequências nefastas, ceifando vidas. O “amor” também se ensina, ele tem várias cores, nunca tem é violência nem pode acabar no cemitério ao invés do altar.
Luís Martinho
1 https://www.cig.gov.pt/siic/violencia-domestica-e-de-genero-dados-fontes/
2 https://www.apav.pt/apav_v3/images/pdf/Estatisticas_APAV-Relatorio_Anual_2019.pdf
3 https://tvi24.iol.pt/internacional/coronavirus/covid-19-confinamento-fez-aumentar-casos-de-violencia-domestica-na-europa-diz-oms
4 https://rr.sapo.pt/2019/03/11/pais/maioria-das-condenacoes-por-violencia-domestica-resulta-em-pena-suspensa-ainda-ha-muito-por-fazer/especial/143491/