No Distrito de Santarém, quem ousa denunciar a poluição, é recorrentemente brindado com a constituição de arguido, e o respetivo TIR (termo de identidade e residência).
Um dos casos mais recentes, reporta-se ao caso da Fabrióleo[1], que na segunda vez acabou por desistir do processo, contra o mesmo arguido Pedro Triguinho, após este ter sido absolvido no primeiro.
Outro caso, é aquele em que o arguido Arlindo Consulado Marques, sofreu retaliação física[2] , além da judicial e que curiosamente, também foi abandonada[3]. Parece demais evidente, que se tratava de pura intimidação, usando o Direito como arma para afastar opositores, algo que na política se chama de “lawfare”[4] de forma mais lata, e também de Slapp – Strategic Lawsuit Against Public Participation, existindo outros casos e outros processos de contorno semelhante.
Um dos problemas, em meu entender decorre da criminalização da difamação, algo que tem valido ao Estado Português condenações internacionais[5], não tendo nenhuma vantagem, além de ser um crime que tutela um bem jurídico de difícil definição como a honra, que é muito subjetivo. Não tendo no meu entender dignidade penal, trata-se de um crime usado demasiadas vezes como arma de arremesso político e de intimidação, que limita a liberdade de expressão de forma desproporcional. A tutela Civil cumpriria bastante bem a função.
Estes factos, são agravados pelo clima mundial, em que têm sido mortos diversos ativistas ambientais[6] pelo menos 212 em 2019, segundo a Global Witness. Algo que felizmente ainda não aconteceu no nosso país , não esquecendo nunca o icónico caso de Berta Cárceres, assassinada em 2016 nas Honduras, pela sua oposição a um projeto hidroelétrico[7], mostrando que são grandes interesses que estão presentes e da dureza do combate.
Muita Doutrina tem alguma expectativa na transposição da Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019[8].
Eu sou mais pessimista, ela visa essencialmente proteger quem trabalha nas empresas que quer denunciar, prevendo “em abstrato” o seu alargamento aos ativistas ambientais, ou seja, dá uma margem muito larga ao legislador nacional, que infelizmente como sabemos, é demasiado permeável aos lobbys poluentes “latu sensu” (além de ser uma diretiva que continua com o mito da segurança nuclear, ao invés do desmantelamento dessa forma de energia).
Apesar de a ministra da tutela[9], ter dito que o governo está a trabalhar na matéria, com um pacote anti corrupção, a história mostra-nos que os tais “pacotes” são recorrentemente uma péssima técnica legislativa que se consubstancia numa mão-cheia de nada, demasiadas vezes.
Luís Martinho
[1] http://www.jornaltorrejano.pt/sociedade/noticia/?n-f791381a
[2] https://omirante.pt/semanario/2016-07-28/sociedade/2016-07-27-Ambientalista-queixa-se-de-retaliacoes-por-denunciar-descargas-poluentes
[3] https://www.rederegional.com/index.php/sociedades/25286-celtejo-retira-processo-ao-ambientalista-arlindo-marques
[4] https://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwiFzaKNp_vqAhVUD2MBHc8oD_cQFjAAegQIARAB&url=http%3A%2F%2Fconpedi.danilolr.info%2Fpublicacoes%2Fpi88duoz%2Fp9y740ys%2FR8nRJeoAL448mQUP.pdf&usg=AOvVaw1bjZxya2XHJ_tTbBSoibXn
[5] https://rr.sapo.pt/2017/06/17/pais/portugal-esta-longe-da-europa-ao-criminalizar-a-injuria-e-a-difamacao/noticia/86470/
[6] https://tvi24.iol.pt/internacional/ong-global-witness/nunca-morreram-tantos-defensores-do-ambiente-como-agora
[7] https://theintercept.com/2019/12/21/plano-assassinar-ativista-berta-caceres-honduras/
[8] https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32019L1937&from=en
[9] https://www.dn.pt/poder/governo-quer-transpor-estatuto-do-denunciante-para-legislacao-nacional-ainda-este-ano–11762165.html
Artigo oportuno e bem fundamentado.