Quando voltaremos a tocar no mundo? Perguntava em março, quando fomos obrigados ao confinamento. O mundo está a descansar, bem precisa, foi o que pensei na altura. A ideia do mundo a descansar agradava-me. Seria uma oportunidade de se despoluir de si próprio, de se livrar de todos os males.
A humanidade estava a receber a mais perversa das lições porque tocava no que julgávamos ser intocável: a organização social, o trabalho, os hábitos, a nossa cultura e tudo o que considerávamos como adquirido.
De repente, éramos todos iguais, como se o planeta se quisesse despoluir do supérfluo. Fizemos uma nova aprendizagem, ao encontro da simplicidade, daquilo que de mais puro existe em cada um de nós.
Abandonámos o supérfluo, a vaidade e o orgulho. Regressámos à base, ao essencial, àquilo que de verdade importa.
Começámos a aprender, como se não soubéssemos ainda, que não há pessoas inferiores, nem trabalhos menores. Que afinal, somos todos dependentes uns dos outros, numa linha de produção incansável. Todos precisamos uns dos outros.
Começámos a aprender, como se não soubéssemos ainda, que somos todos iguais e que a doença não escolhe entre o rico e o pobre, classe social ou estatuto.
Aprendemos um medo novo. O medo do toque, a proibição de um beijo ou de um abraço e a distância social obrigatória.
O mundo entrou em descanso, uma paragem obrigatória que poderia até fazer-lhe bem, um convite à reflexão, ao olhar para dentro de nós próprios. Foi nisso que acreditei. Enganei-me. Olho o mundo e vejo-o agora à rédea solta. Um desrepeito às normas de segurança um pouco por todo o lado. A ausência de uma norma e regras que se apliquem a todos sem excepção. Uma corrida a uma vacina que ainda não existe, onde todos querem chegar primeiro, sem olhar a meios. Os interesses económicos e políticos por detrás disto são assustadores. E quando se fala em vacinas de campanha eleitoral, fico a pensar que o interesse não é a saúde das pessoas. Será difícil matar dois coelhos de uma cajadada só. A ciência por mais avançada que esteja não se compadece com as urgências do ego e dos jogos de poder. A ciência precisa do seu tempo. Será ela capaz de resistir a tanta urgência? Ou, pelo contrário, irá precipitar-se no erro e fazer jus ao velho adágio popular “se não morre do mal, morre da cura”.
O tempo o dirá.
Ana Simão