Há alguns meses que tenho vontade de falar convosco sobre a crescente retirada de direitos dos cidadãos que se tem vindo a verificar.
E não vou por agora falar nas limitações resultantes da pandemia, que também para tudo desculpar e justificar tem servido, nem sequer em particular da postura de “todo-poderoso” que o presidente da Câmara Municipal de Santarém tem cada vez mais tido e cultivado.
É que as alterações à Lei do Exercício do Direito de Petição, que entraram em vigor na passada sexta-feira, foram a gota de água para que não pudesse adiar mais estes comentários.
Mas outras limitações, sobre a forma conseguida ou somente tentada, de pouco ligar e pouco ouvir os cidadãos têm vindo a ser prática descarada no nosso Portugal.
Já aqui falei sobre as novas regras para as eleições autárquicas publicadas em agosto que vêm dificultar ainda mais o surgimento de candidaturas de grupos de cidadãos, as comummente chamadas candidaturas independentes.
E poderíamos também aqui falar nas tentativas de aumento do número mínimo de assinaturas também para as ILC (Iniciativas Legislativas de Cidadãos) e até da redução do número de vezes em que o Primeiro-Ministro vai ao Parlamento…
Mas foquemo-nos então agora no mais recente atentado ao papel dos cidadãos na sociedade: uma das alterações à Lei do Exercício do Direito de Petição – tenho de lhes dizer que é de bradar aos céus num país que se afirma como democrático.
Em julho passado a Assembleia da República aprovou alterações a esta lei que, entre outros pormenores, mudava o número mínimo de assinaturas necessárias para discussão de uma petição em plenário de 4 000 para 10 000. A iniciativa foi do PSD, que propôs o que esse mínimo fosse ainda maior (15 000), mas por acordo com o PS a coisa ficou pelos 10 000. A pretensa legislação foi então aprovada com os votos a favor do PS e do PSD, contra dos restantes partidos e deputadas não inscritas, bem como da deputada socialista Ana Paula Vitorino, justiça lhe seja feita. Na altura, o Presidente da República vetou a lei, e muito bem, por “imperativo de consciência cívica”.
Mas a questão estava a fazer muitos comichões aos nossos deputados e a lei saiu agora então no passado dia 29, tendo entrado em vigor na sexta-feira. Para rodear o veto do presidente, o número mínimo de assinaturas ficou posto em 7 500! Temos então agora a necessidade de mais 87,5% de assinaturas para que haja discusão de uma petição no plenário da Assembleia da República, o que na prática inviabiliza que lá seja discutida qualquer petição de cidadãos que não seja de âmbito nacional. E, mesmo que o seja, o tema terá de ser bastante popular. Recorde-se que este número mínimo é o mesmo que é necessário para alguém se apresentar como candidato à Presidência da República do nosso país…
Francisco Mendes