O dirigente histórico do PCP Domingos Abrantes considera que o populismo agarrou os votos da massa eleitoral “desesperada e sem horizontes”, o que a ex-comunista Zita Seabra prefere chamar os “deserdados da sorte”.
Fernando Rosas, historiador especializado no Estado Novo e também antigo resistente ao fascismo, concorda e alerta que “as pessoas estão com medo”.
A Lusa conversou com três antigos resistentes ao fascismo que viveram o período da ditadura de Oliveira Salazar, todos com militância, passada ou atual no PCP, e traçam paralelismos entre a extrema-direita de agora e a daquele tempo e caracterizam os destinatários da nova mensagem populista.
Tendo como pano de fundo a ascensão do partido Chega de André Ventura, que conseguiu o terceiro lugar nas presidenciais de janeiro com quase 12% dos votos, Domingos Abrantes, Zita Seabra e Fernando Rosas convergem na ideia de que os problemas sociais que os Estados enfrentam atualmente são o “alimento” para o crescimento da extrema-direita.
Zita Seabra, ex-dirigente do PCP e agora simpatizante da Iniciativa Liberal, argumenta que o país está a assistir “a um fenómeno muito interessante” que vai ser necessário estudar.
“Estamos a assistir a uma espécie de revolta contra as elites tecnocráticas, culturais e mediáticas por parte de uma população que se sente excluída”, concretiza.
O populismo é, na opinião de Zita Seabra, “a capacidade de alguns políticos falarem por cima dessas elites e falarem com essas pessoas”.
E o que está a acontecer, na opinião desta ex-dirigente do PCP que passou pelo PSD no tempo de Pedro Passos Coelho, o que está a acontecer “é uma revolta das classes populares que estão a viver mal” e “é preciso encontrar respostas porque os revoltados são perigosos”.
A terminar, Zita Seabra alerta que Ventura pode chegar a uma representação de cerca de 49%, como aconteceu com a líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, se “as democracias liberais não forem capazes de responder aos desejos das pessoas”.
Fernando Rosas, historiador e antigo dirigente do BE, considera que a nova extrema-direita europeia “age em sociedade de medo”. E este é “um medo do futuro, do emprego, da precariedade e da saúde”.
A extrema-direita europeia, segundo este historiador, “tenta cavalgar a ilusão económica e social, sobretudo das classes intermédia, dos assalariados e das pessoas abandonadas pela globalização capitalista” e “isso gera um terreno de medo, de revolta e de ansiedade”.
“Ou as esquerdas em Portugal respondem positivamente à ansiedade, à expectativa e ao medo das pessoas, ou é a extrema-direita que as leva”, adverte.
A mesma ideia foi corroborada por Domingos Abrantes, conselheiro de Estado, que lhes chama “as vítimas do sistema” e traça um paralelo com os tempos que abriram a porta ao fascismo nas décadas de 1920 e 1930, dirigindo-se, agora como então, a uma “massa de milhões de pessoas à espera de um salvador”.
“O problema destas forças fascistas e fascizantes é que exploram essa massa de milhões de pessoas que estão à espera de um salvador, à espera de um milagre” argumenta.
Para combater o extremismo, Domingos Abrantes defende que é preciso “dar vida às pessoas” e tratar de problemas como o desemprego, a pobreza e a precariedade.
“Se não se der resposta a isso, não há nada que impeça a extrema-direita de crescer porque é aí que eles se alimentam”, concluiu o histórico dirigente do PCP, várias vezes preso pela PIDE, a polícia política do regime de Salazar.
Populismo e normalização da extrema-direita vistos por três antifascistas
O populismo é “um termo que, como não diz nada, serve para esconder tudo”, alerta o histórico dirigente comunista Domingos Abrantes, ao abordar a normalização da extrema-direita nas sociedades atuais.
O conselheiro de Estado e um dos mais velhos ex-presos políticos da PIDE afirma, em declarações à Lusa, que a extrema-direita tem vindo a ganhar força por ser normalizada muitas das vezes enquanto movimento populista.
“Marcelo Caetano era um populista, antigamente dizíamos que era uma pessoa popularucha”, lembra o histórico antifacista, acrescentado: se antes “o populismo era a demagogia”, hoje “começou a esconder coisas diferentes”, designadamente o perigo do regresso das forças de índole fascista.
E o fascismo “é uma solução a que os grandes capitalistas recorrem sempre quando, nas condições de crise, não conseguem os níveis de exploração”, adverte.
Foi o que se presenciou no pós-guerra do século XX, com o colapso do capitalismo e o descontentamento das massas, instrumentalizada pelos totalitarismos para chegar ao poder. “Os fascistas quando vieram, prometeram ‘arrumar a casa’, vinham por a ordem e dar trabalho”, comenta o militante comunista.
Fernando Rosas, historiador e professor universitário, apesar de ressalvar que a História não é cíclica, considera que se assiste atualmente a “paralelismos inquietantes” com os movimentos europeus dos anos de 1920 e 1930, que se desenvolveram numa onda generalizada de medo, revolta e ansiedade em relação ao futuro.
Contudo, sublinha que a nova extrema-direita distingue-se dos antigos fascismos: “Esta nova extrema-direita engravatou-se. Pretende jogar o jogo do sistema.”
“Não há milícias ou camisas negras armadas a fazer terrorismo contra os partidos. [Agora, a extrema-direita] tem uma atitude de culto da violência e trabalha sobre a mentira. Os dirigentes valem não pela sua competência, mas por serem atrabiliários, por se estarem nas tintas e assumirem claramente a mentira”, sustenta.
Já a ex-comunista Zita Seabra, que passou pelo PSD e que foi mandatária da Iniciativa Liberal nas legislativas de 2019, recusa situar o populismo na extrema-direita.
“O populismo não é de esquerda nem de direita, é populista”, argumenta Zita Seabra, considerando que Ana Gomes, a ex-eurodeputada socialista que ficou em segundo lugar nas últimas presidenciais, é tão populista como o líder do Chega, André Ventura.
Rejeitando comparações entre o novo populismo e o fascismo do século passado, Zita Seabra salienta que “as pessoas que votaram no André Ventura são deserdados da sorte, não vale a pena chamar-lhes fascistas”.
“Quando chegamos a este ponto, deixa de existir direita ou esquerda. O que há são ditadores e vítimas”, acentua.
Passados 46 anos sobre o 25 de Abril, que derrubou o Estado Novo, em 1974, Abrantes, Rosas e Zita Seabra não dão por garantida a democracia pela qual lutaram.
“Muitos [portugueses] já nasceram depois do 25 de abril, nem têm essa memória. Esse é o grande problema”, refere Domingos Abrantes.
Fernando Rosas concorda e acrescenta que estes extremismos “jogam com a desmemória, ou seja, em não convocar a memória nem a História”. O investigador alerta: “Quando não se compara, não se percebe”.
Zita Seabra prefere sublinhar que os mais desfavorecidos se sentem a retornar a uma pobreza pré-revolucionária.