O desvio da linha do norte em Santarém é uma obra que merece o consenso de autarcas, deputados, técnicos e cidadãos. Realizou-se hoje, terça-feira à tarde, a audiência da petição cidadã na Assembleia da República. Ontem à noite foi apresentada uma nova alternativa ao projeto que faz passar a linha férrea a norte da cidade, propondo um pequeno desvio da linha pelo rio Tejo.
A AMSIC – Associação Mais Santarém-Intervenção Cívica promoveu esta segunda-feira, a apresentação de um documento que pretende ser um contributo para a sensibilização dos poderes públicos , em relação à necessidade imperativa do desvio da Linha do Norte na passagem em Santarém.
E se o desvio da Linha do Norte fosse pelo Tejo? Esta a questão que foi colocada e a que a sessão realizada online na segunda-feira procurou responder.
Participaram nesta sessão online as deputadas eleitas pelo distrito Mara Lagriminha (PS), Fabíola Cardoso (Bloco Esquerda), Manuel Afonso (PS), Duarte Marques (PSD), e António Filipe (PCP), assim como os arquitetos de Santarém Carlos Guedes de Amorim, António Forte e José Augusto Rodrigues, o engenheiro civil Francisco Jerónimo, o presidente da Assembleia Municipal Joaquim Neto, os deputados municipais Carlos Nestal, Francisco Mendes, José Magalhães, entre outros.

O presidente da AMSIC Armando Rosa foi o percussor deste debate, com a publicação de um artigo de opinião no Mais Ribatejo em 2020. Tendo como contraponto o desvio contornando a cidade por poente, como está projetado, o artigo de Armando Rosa lançou o desafio que o seu colega de escola Valdemar Benavente aceitou, elaborando uma proposta que preconiza o desvio da linha férrea pelo lado do rio. “É uma solução incomparavelmente mais fácil, com menos impactes ambientais e de menor custo, defende Valdemar Benavente, engenheiro civil de Santarém e autor da proposta agora apresentada.

Segundo Valdemar Benavente, o desvio pelo lado do Tejo é desde logo viável porque as obras necessárias à sua realização não têm complexidade técnica assinalável, sendo na generalidade operações triviais de engenharia. O percurso no leito do rio e a passagem sob a ponte D. Luiz serão menos simples, mas são obras tecnicamente realizáveis, assegura o Engenheiro Civil.
A retirada da circulação ferroviária do interior da zona urbana da Ribeira de Santarém, que é penalizada com a passagem da linha há mais de 160 anos, constitui um anseio justificado da população ribeirinha e de todos os escalabitanos, considera o autor do estudo.
Para Duarte Benavente, o facto da intervenção também repercutir vantagens nas operações ferroviárias – com o aumento da velocidade e da segurança de circulação este troço, pode motivar a participação da Administração Central para as duas vertentes que falta explorar para consagrar a viabilidade do projecto: a realização de estudos preliminares; e a obtenção do financiamento”.

Posto isto, há que concluir que a possibilidade de realizar o desvio da Linha do Norte a nascente de Santarém, pelo lado do rio, é tecnicamente viável e justifica que sejam dados os passos indispensáveis, primeiro para a certificação da ideia, depois para cabimentação dos fundos necessários à sua execução.
Os benefícios a obter com o “desvio” seriam, em síntese, a eliminação da passagem de comboios no interior da zona urbana da Ribeira de Santarém, uma enorme vantagem para o bem estar da população local, permitindo a requalificação urbanística e social da Ribeira de Santarém, promovendo a sua integração na cidade e a “devolução” do rio a Santarém 160 anos depois. Esta solução permite ainda o afastamento da via férrea das encostas mais instáveis, que repercute na segurança da circulação ferroviária, e uma melhoria do traçado, com eventual impacto na velocidade média da via.

A solução apresentada prevê a construção de uma nova e moderna Estação Ferroviária, com duas hipóteses de localização: na zona da Ponte da Asseca (junto à passagem de nível do Peso) ou na zona da passagem de nível da Senhora da Saúde (a norte da atual estão), na o que interessará à cidade e também à gestão do tráfego ferroviário.

O novo traçado passaria sob o primeiro vão da ponte D. Luiz l (contíguo ao tramo de 24 m, por onde atualmente passa a via férrea). A “nova linha” contornaria a nascente a malha urbana da Ribeira de Santarém, pelo “campo”, retomando o traçado atual mais a norte. Valdemar Benavente apresenta três propostas de traçado com extensões entre os 2.300 metros e os 3.600 metros, desde a ponte da Asseca até à Senhora da Saúde.

Os custos envolvidos são incomparavelmente mais baixos que a alternativa que tem figurado nos pIanos de investimento do Estado, com o desvio da Linha do Norte por poente da cidade de Santarém. O autor deste estudo estima que o custo da realização do “desvio”, tal como enunciado, variará entre 30 e 40 milhões de euros.
Este documento pretende evidenciar que se está perante uma solução de reconhecido interesse, merecedora de análise de pormenor sob o patrocínio da Infraestruturas de Portugal, IP, eventualmente assistida por técnicos da Autarquia, defende Valdemar Benavente.
Trata-se ainda de um draft destinado apenas a demonstrar a viabilidade de uma solução de desvio por nascente em alternativa à proposta inicialmente estudada (por poente) tendo esta já sido descartada pelo governo.

“Pensamos ser imperioso que as forças políticas, nomeadamente autarcas e deputados, se envolvam neste debate para benefício da cidade de Santarém, do concelho e da região”, defende Armando Rosa, considerando que “somente com o empenho de todos, conseguiremos alertar os poderes centrais para encarar esta possível alternativa e resolver os problemas causados pelo atual traçado”.

No debate que se seguiu à apresentação, foi unânime a defesa da alteração da linha do caminho de ferro no concelho, mas esta proposta está longe de ser consensual. O Arq. Carlos Guedes de Amorim considera que o importante é que a linha seja alterada, de forma a acabar com os constrangimentos da circulação ferroviária e o estrangulamento da ribeira de Santarém. Por isso, defende que a proposta tem conduções para seguir.
O eng. Francisco Jerónimo recordou que esta ideia de um traçado alternativo da linha do norte recupera uma proposta apresentada à CP na década de 90, mas que não foi acolhida, tendo a CP optado pela variante a poente da cidade, um corredor que poderá hoje já não ter viabilidade. Por isso, defende que esta proposta justifica estudos mais aprofundados para fortalecer a melhor solução.
“O que é que santarém quer para a Ribeira?”, questiona o Arq. António Forte, consierando que Santarém será das poucas cidades que voltou as costas ao rio. Por todo o mundo, as zonas ribeirinhas são aproveitadas pelas acidades como zonas de lazer, mas Santarém abandonou todos os projetos nesse sentido, como o gabinete técnico local que funcionou alguns anos no apoio à reabilitação urbana, ou o projeto Almargem lançado no mandato de Rui Barreiro com financiamentos comunitários e logo abandonado após a eleição de Moita Flores. Para este arquiteto de Santarém, a proposta agora apresentada tem a desvantagem de manter a linha férrea como um corte com a margem do rio. “Certo é que o comboio tem de passar em algum lado, seja em viaduto desde a Ponte da Asseca para poente da cidade, seja pela margem do rio, ou por baixo do planalto com uma estação subterrânea… O que torna a escolha mais difícil do que a da localização do novo aeroporto de Lisboa,” ironizou António Forte.
O Arq. José Augusto Rodrigues gosta desta solução de um modo geral, admitindo que possa ter algum impacto visual, atendendo a que o viaduto irá ficar uns 3 metros acima da atual linha.

Já o deputado municipal Carlos Nestal é frontalmente contra este traçado alternativo. “Esta solução não me convence, tem um impacto visual enorme, continua a separar a cidade do rio, empurrando a linha para o rio, e os custos mais reduzidos não parecem ser bom argumento, o desvio deve manter-se pelo lado poente da cidade como estava projetado”.
Também o deputado municipal José Magalhães (Mais Santarém/PS) entende que esta proposta não resolve os problemas da Ribeira. “É uma solução a prazo, para om mais barato, mas tem os dias contados”.
O deputado do PS à Assembleia da República, Manuel Afonso, defende que a proposta merece ser considerada na reflexão sobre a solução para o problema da linha, que todos consideramos necessário alterar. “Ainda esta semana, vai ser votada na Assembleia da República um projeto de resolução que recomenda ao Governo a construção da variante e nós iremos votar a favor”, afirma o também candidato do PS à Câmara nas próximas autárquicas.

A deputada do Bloco de Esquerda, Fabíola Cardoso, sublinhou a ausência do presidente da Câmara ou de um seu representante nesta sessão em que se debate um tema da maior importância para Santarém e para toda a região: “Pela qualidade de vida das pessoas, pelo desenvolvimento económico sustentável, pela coesão territorial e pelo interior, pelas metas de descarbonização com as quais Portugal se comprometeu, pelo ambiente, por um futuro no qual a ferrovia será imprescindível”. Recorda que foram aprovados na generalidade no Parlamento as propostas do Bloco de Esquerda, PSD, PCP e do PS, devendo agora na especialidade ser elaborada uma proposta comum que recomende ao Governo a construção da variante da linha do norte em Santarém.
O deputado do PCP, António Filipe, salientou o total empenhamento para que Santarém possa resolver este problema de há décadas. Entende que o debate sobre a melhor solução técnica deve prosseguir, procurando a solução mais consensual possível. “Da parte dos deputados podem contar com todo o empenhamento para uma intervenção conjunta para que o Estado mobilize os recursos para resolver o problema”, diz António Filipe. O deputado salienta que os fundos comunitários vão oferecer uma oportunidade única de recuperar o atraso nos investimentos públicos das últimas décadas, pelo que esperamos que esta próxima década seja a oportunidade para se investir na variante da linha do norte em Santarém. António Filipe disse que os deputados do distrito vão reunir no próximo mês com o Ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos, no sentido de mobilizar recursos públicos e fundos comunitários para esta obra.
A deputada do PS Mara Lagriminha considera que esta é uma questão determinante para toda a região, pelo que os deputados do PS acompanharam as propostas de resolução dos restantes partidos no parlamento, para quês e concretize o desvio da linha do norte. “Estamos empenhados em encontrar um texto que seja consensual e que sirva Santarém e a região”, disse a deputada.
É pois opinião unânime das populações, dos autarcas, especialistas e de todos os partidos políticos que a obra da variante da linha do norte é essencial. resta agora convencer o governo para abrir os cordões à bolsa.