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Biografias fictícias de lendas da literatura de crime e mistério (5) Ellery Queen

TENTATIVA DE JUSTIFICAÇÃO

Não aspiro a ser arquivador de figuras que marcaram o penoso percurso da Humanidade ao longo dos tempos.

Diz a denominada sabedoria popular que a história das guerras, fizeram-na apenas os vencedores. E que as biografias de pessoas que se diz terem merecido menção, em estudos e memórias de laboriosos académicos, são ainda mais falsas que as que alguém conjetura sobre heróis de histórias infantis ou de ficção de crime & mistério.

Parafraseando Jorge Luís Borges (em “El Informe“) direi que estes relatos de vidas, “querem distrair ou comover, não persuadir“….

Não me atrevo a afirmar que são exatas (de novo Borges: pois não há na terra uma página, uma única palavra que o seja – “El Informe de Brodie“).

Posso garantir, sim, que me deu grande alegria escrevê-las.

V Ellery Queen

Ellery Queen, na série televisiva protagonizada por Jim Hutton, e
 David Wayne como seu pai, o inspetor Richard Queen

Ellery Queen é a resultante de uma aliança feliz do mérito literário de dois primos, Frederic Dannay (Daniel Nathan) e Manfred B. Lee (Manford Lepofsky), ambos nascidos em Brooklyn e falecidos em Nova Iorque (respetivamente, 1905-1971 e 1905-1982). Que, quase que por acaso, se descobriram talento para conceber e escrever livros de mistério e dedução. E, ainda, o facto nada despiciendo, de que tinham descoberto, em plena Depressão, que podiam ganhar muito dinheiro com essa atividade.

Os autores Frederic Dannay (Daniel Nathan) e Manfred B. Lee (Manford Lepofsky)

E nela eram exímios (acabaram premiados e célebres em todo o mundo).

Representam o mais profícuo, uma ou outra vez mesmo, do melhor do romance policial americano das décadas de trinta a sessenta.

Porque, partindo de noções extremamente ortodoxas e, vamos lá, limitativas do romance-enigma (nos idos de 1929), concebem as duas grandes “séries”  iniciais de obras, com fio condutor e personagens comuns: a dos Mistérios (“Dutch Shoe”; “Egyptian Cross”; “French Powder”; “Greek Coffin”; “Spanish Cape”; “Siamese Twins”; “Roman Hat”; “Chinese Orange”, “American Gun”) e a das Tragédias (de X, de Y e Z e Drury Lane’s Last Case), protagonizadas estas pelo velho ator shakespeariano que perdeu a audição, Drury Lane (nestas, excepcionalmente, assinam com o pseudónimo de Barnaby Ross).

Com um suave sentido de humor e uma lúcida e compreensiva apreciação da sociedade envolvente, evoluem (permanente e eficientemente), para novas experiências estilísticas e conceptuais.

Adaptam-se ao gosto dos tempos duros da II Guerra Mundial e das guerras da Coreia e do Vietname, onde a vaga “psicologisante”, “serial-killer & gore” e “hard-boiled”, se vai tornando asfixiantemente dominante.

Não se deixam intimidar e mudam, aqui e além, género e temática dos livros que escrevem, sempre sem perder identidade, personalidade e até aquele humor que referi, muito “sui-generis”, que lhes é peculiar. Como que uma assinatura.

Inovam (embora a ideia seja relativamente comum na época) com o seu célebre “desafio ao leitor”, a trinta páginas do fim do romance, o que obriga a acomodações narrativas que nem sempre são fáceis.

Em 1929, ao apresentarem o seu “The Roman Hat Mystery” (eles, que trabalhavam em publicidade, associaram-se, em 1928, para participar num concurso de romances policiais, organizado pelo magazine MCClure’s e ganharam-no, com o livro acima referido).

E podemos dizer que “começou aqui a história de uma enriquecedora amizade…”, criando o detective que será também o seu pseudónimo literário definitivo.

O autor, em nome do qual publicam o livro (e todos os seguintes) é um detective amador (e escritor de novela policiais, ele próprio…), Ellery Queen, filho de um Inspetor da polícia nova iorquina, o paciente e sofredor Richard Queen…

Convenhamos que a ideia é original e permite várias variantes na evolução dos enigmas, que são, por vezes, muito curiosas.

No início (anos vinte e nove a trinta e nove), no melhor estilo deste período, há uma descrição quase esquelético-cartesiana, do enigma e da solução, enquadramento quase elaborado em penoso cartão pintado e situações e personagens que, do ponto de vista social, psicológico e temporal, pouco mais são do que adereços de teatro barato.

Embora já produzam pequenas obras-primas de engenho e criatividade, neste tipo de obras com excelentes enigmas propostos ao leitor: como “Halfway House”, em 1936.

A ideia do “desafio ao leitor” (“fiel ao meu lema de jogar honestamente com o leitor, dei-lhe, até aqui, todas as cartas que tenho na mão. Tudo o que sei, vocês também o sabem.  Arrumem na forma adequada as indicações que lhes forneci e a conclusão lógica apresentar-se-á por si mesma aos vossos espíritos, designando o único culpado possível”), não sendo original, atrai o jogador que há em cada um de nós. Mas os gostos do público leitor (como a sociedade em que vivem…) mudam.

A partir da guerra (sobretudo com a genial série de Wrightsville, que concebe verdadeiras tragédias gregas, iniciada em 1942, com “Calamity Town”, com livros como “Ten Days’ Wonder”, “Double, Double”, “The King is Dead”, The Last Woman in his Life” ou “The Murderer is a Fox”) a profundidade da trama aparece mais elaborada, a sociedade circundante é impiedosamente analisada, as personagens, seres a três dimensões, com sentimentos definidos com maestria.

Desta capacidade de adaptação nasce um fio condutor, quase sempre presente. A eterna participação de Ellery Queen, mas não “as usual”, já não assexuado, mas com uma secretária-amante-ex-cliente, Nikki Porter; um empregado, Djuna (não percebo se cigano, se hindu) e um pai (já com achaques da idade e bronquite de velho) em “The Devil to Pay”; “The Glass Village” (xenofobia e Guerra da Coreia); “The Lamp of God”; “Cat of Many Tails” (serial killer psychopath, que antecipa e se sobrepõe aos melhores atuais), “And on the Eight Day”, emerge um sentido notável de adaptação inteligente às modas do momento, do thriller ao serial murder, às efemérides da evolução dos E. U. A., mantendo sempre vivo (às vezes em cocktail com a tragédia) um humor, uma sardónica e cínica apreciação das situações sociais e humanas, progressivamente analisadas com razoável profundidade.

Só que Ellery também mudou (mas sem perder o seu ar de intelectual liberal um pouco snob). O estimado Ellery que, defeito imperdoável dos autores, nunca ou mal envelhece com o passar dos anos, muda a polifacetada relação com Nikki Porter, ex-protagonista de uma história que Ellery resolve, numa vida afectiva regular, como marido e mulher.

O velho Queen pai nunca parece chegar a gozar de uma merecida reforma (com que idade se reformam os polícias, no estado de Nova York?  Cem anos?).

Voltando a um espessar da qualidade literária e profundidade temática das obras, mudam por completo o cuidado na caracterização do ambiente, na concisão do estilo (mais cinematográfico), no estudo da personalidade de assassinos e vítimas.

Aplicaram, ao fim e cabo, o princípio de Walter Benjamin de que “viver significa deixar traços”.

Edição de março de 1955

Os primos produzem igualmente, dezenas de contos curtos e “sketches radiofónicos” admiráveis, publicados no famoso “Ellery Queen’s Mystery Magazine“, com tiragens fabulosas (em inúmeros países, incluindo Brasil e Portugal…), por eles lançado em 1941 e ainda hoje de boa saúde.

Só que o magazine de Ellery também mudou, num sinal de juventude, escrevendo para outras e novas gerações. Devemos-lhes (nas suas versões nacionais, da França ao Brasil) o conhecimento de autores geniais em contos curtos, de Hoch a Arthur Porges e muitos, muitos, mais…

A maior dádiva dos coautores, no entanto, à ficção de crime e mistério, foi, com efeito, a criação e lançamento, em 1941, da revista “Ellery Queen’s Mystery Magazine”, cujo papel na descoberta e lançamento de novos valores literários, ou republicação dos grandes clássicos, foi de tal ordem inestimável, que terá de decorrer mais uma ou duas gerações, para se lhe avaliar totalmente o impacto.

Filme “La Décade Prodigieuse”, de Claude Chabrol

São incontáveis as adaptações cinematográficas do obras suas, de que destaco apenas a “La Décade Prodigieuse”, em 1971, baseada em “Ten Days’ Wonder”, dirigida por Claude Chabrol e protagonizada, entre outros, por Orson Welles, Anthony Perkins e Michel Piccoli, no papel de Ellery Queen.

Inumeráveis, por igual, as séries televisivas, peças radiofónicas, de que destaco apenas a série TV, de 1989, com Jim Hutton, no papel de Ellery.

Jim Hutton, no papel de Ellery, na famosa série televisiva de 1989

Mais.

Os engenhosos primos conseguiram, num relativamente curto período de tempo, conquistar cinco “Edgars” (da “Mystery Writers of America Guild”), o “Grand Master” de 1960 e as “Gertrude” de ouro e prata da Pocket Books.

Quanto ao valor literário dos nossos eruditos e risonhos Queen, sem cairmos no exagero religioso de um Anthony Boucher, que os considera, sem mais, “o romance policial americano”, podemos dizer que a sua técnica, sempre a inovar, por aproximações e modulações, caminhando para a solução de diferentes enigmas, à maneira dos maiores clássicos ingleses, através do raciocínio, até um desfecho inesperado, por vezes “politicamente incorreto”, compele-nos a lê-los.

Este enigma(s), algumas vezes enredado num “puzzle” de motivos, horários, factos do quotidiano, truques na ocultação de provas, provas inalcançáveis, num inextrincável novelo que nem Belzebu desenredaria, tem, no entanto, uma naturalidade pouco habitual neste tipo de obras.

Misto de “apple pie” da avozinha, trânsito nova iorquino à hora de ponta, passeios higiénicos no Central Park ou os inumeráveis problemas domésticos entre os rezingões pai e sofredor filho Queen, o fiel sargento Velie, da N.Y.P.D., sem contar o empregado Djuna. E Nikki, claro…

Nem menciono a coorte de incontáveis colegas de faculdade ou high-school do novelista que lhe aparecem de repente (parece que doutra dimensão) e que trazem sempre consigo histórias de crimes horrendos (em que são invariavelmente suspeitos) e o assediam interminavelmente (com violência, por vezes), para que intervenha e os “salve”, atrasando assim a “obra prima literária” que está a acabar…

Mas que também, pela argúcia com que se desenrola o enredo, torna os seus contos ou romances, simplesmente irresistíveis …

Como já referi, os primos “Nathan-Lepofsky” demonstraram uma invejável e rara capacidade para ler os sinais de mudança no ar.

Edição de julho de 1957

E se, por exemplo, se os romances “Drury Lane” e os primeiros “Queen” são mais ou menos fiéis às patéticas regras de Van Dine e puros enigmas sem vida; o ciclo Wrighstville, essa fascinante crónica urbana de uma cidade maldita, é, já, baseado na psicopatologia, na sociologia, na simbólica mística, uma análise lúcida dos podres dos bastidores do american way of life em tempos de guerra.

Em “The Glass Village”, de, 1954, em pleno Macarthismo, por exemplo, ensaiam uma denúncia da xenofobia e anticomunismo histéricos, nas aldeias do Middle West, em plena guerra da Coreia.

E em “Cat of Many Tails”, de 1949, apresentam, numa obra de primeira água (que se lê e relê com prazer), um “serial killer” credível e trágico, antecipando, em muito (quarenta anos…), a “moda” dos  anos noventa.

Em “Siamese Twins Mystery”, ou em “Spanish Cape Mystery” abordam, embora com imenso cuidado, problemas freudianos ou de não assumida psicopatologia sexual, muito ousados para a época…

E não hesitam (e fazem um dos mais elaborados pastiche de Sherlock Holmes dos inúmeros que tive o gosto de ler: “A Study in Terror”, de 1966), em recriar a Whitechapel londrina de 1888 e um aceitável Jack The Ripper…

No seu trabalho (Dannay, diz-se, inventava a história; Manfred Lee, dava-lhe forma e profundidade literária…tudo isto por via telefónica, pois, a partir de certa época, nem tudo eram rosas entre os primos…) foram sobretudo inovadores, mais do que excepcionais.

Daí resultou uma herança literária que muda pasmosamente ao longo da vida literária dos seus autores, plasmando-se, sem atrito e sempre em níveis acima da média, às novas correntes e temas que vão aparecendo no policial do século XX[1].

ANEXO – PEQUENA “BIOGRAFIA APÓCRIFA

(que imaginei).

Querem conhecer um pedante bondoso e não destituído de inteligência, bom filho e razoável detetive amador?

Vou apresentar-lhes Ellery Queen.

Em “The French Powder Mystery” descreve-se, com pertinente complacência.  É intrinsecamente vaidoso. «Alto, magro, de cabelos muito negros, testa de pensador e mãos de atleta, vestindo um impecável fato de “tweed” cinzento. Da algibeira do sobretudo, que trazia no braço, saía um pequeno volume de capa estragada. Com a bengala elegantemente numa das mãos (estamos nos anos vinte do século XX…), ajeitava com a outra o inseparável “pince-nez”

Estamos, pois, perante um típico intelectual nova iorquino de classe média, que observa inteligentemente o mundo que o rodeia, através das suas elegantes lunetas de ouro, que a maturidade (e os anos quarenta…) transformarão em óculos de aros de massa. Com mais seis polegadas de altura que seu pai, passeador compulsivo, corpo ginasticado, adora deslocar-se a pé, cachimbo ou cigarro fumegantes, em intermináveis deambulações por Central Park, Harlem, Bronx, Little Italy, Yorkville, Queensburough, Brooklyn, Chinatown ou Greenwich Village, olhando e observando… as suas lunetas admiravam a quem lhe observava o porte atlético, mas olhando melhor, notava-se que a fronte, a finura dos traços alongados, os olhos brilhantes definiam o intelectual mais virado para a reflexão que para a ação (Roman Hat Mystery).

Mas também capaz, como se saberá em inúmeras das obras seguintes, de nadar excelentemente, jogar futebol americano com primor de grande profissional, ser mestre em ténis e excelente conhecedor da História e arte europeias.

Adora percorrer sem destino prévio, no seu velho Duesenberg, relíquia automóvel dos anos vinte, Coney Island, Brighton, Rockaways ou Manhattan, em cata de situações bizarras…

Escritor de sucesso na literatura policial (falámos disso…), partilha ainda, quarentão adiantado, o enorme apartamento de seu pai, um heroico cavalheiro, que passa os dias combatendo os “Emissários do Mal”.

Falo do simpático rezingão, inspetor, depois comissário da polícia de Nova Iorque, Richard E. Queen. 

Ellery sabe-a toda.

É que ser solteirão assumido, permite-lhe gozar dos favores e ternura da eterna namorada, a pobre secretária, depois (feministas obligent), companheira e apaixonada Nikki Porter e, de caminho, caçar mais umas quantas incautas que lhe apareçam a jeito…

As relações entre Ellery e o pai, no combate ao crime são simples. Quando aflito (uma vez em cada duas, pelo menos…), Richard Queen diz:

Queres saber os pormenores? Para ficar a fazer uma ideia mais concreta? Senta-te, filho…

– Ouça, meu Pai (tem o maldito romance para acabar…)

– Senta-te!!!

E Ellery senta-se e acaba por resolver o enigma. Ao fim e ao cabo, o Inspetor é seu pai…

Mas comecemos pelo início.

Ellery é filho único. Não é defeito ou pecado horrendo. Eu também o sou…

Mas isso criou nele uma imaginação desmedida (por ausência de companheiros de brincadeiras), um lúcido sentido de sobrevivência (nas festas infantis e na escola, sem manos a apoiarem…) e um notável narcisismo.

Ellery estudou Direito.

E é infindável (dir-se-ia que todos os Estados Unidos…) o número de colegas de universidade (ou colégio) que o encontram, ou lhe pedem auxílio, nas suas infinitas investigações. Os pais deles são sempre pastores protestantes ou milionários e as mães umas santas. Às vezes, até é casamenteiro e arranja-lhes noiva, para, em homicídios futuros, terem outra pessoa a quem chatear.

De resto é um preguiçoso e é necessário ver o prestígio (senão o emprego) profissional do autor dos seus dias em sério risco, para lhe dizer: “…não se deixe dominar pelo desânimo, pai, e confie no seu filho!” ou “já alguma vez se arrependeu de ter confiança nos meus juízos de valor, pai? Não, não é verdade? Então tenha confiança em mim, uma vez mais!”.

O que é, realmente, pedir muito.

Por vezes, o seu insuportável narcisismo é fortemente abalado e Ellery passa por severas crises de auto-mortificação, dignas de uma heroína de Dostoïevsky. Como, por exemplo, ele mesmo nos relata em “Cat of Many Tails”: “Após o caso Van Horn, jurei nunca mais fazer das vidas humanas, joguete da minha inteligência. Faltei à minha promessa e é caso para perguntar… como posso saber ao certo quantos inocentes mais pagaram com a vida a falsidade dos meus raciocínios. Deixei-me obcecar pela mania das grandezas. Dei lições de jurisprudência a advogados, de balística a artilheiros, de dactiloscopia a peritos em impressões digitais. Impus os meus métodos de investigação criminal a polícias com mais de trinta anos de serviço, fiz prevalecer a minha opinião sobre a de psicólogos. Ao pé de mim, Napoleão parecia insignificante.

E, entretanto, ia-se-me arreigando no espírito a convicção da minha sabedoria incomparável, da minha incontestável superioridade. Não posso continuar a sujeitar o meu semelhante aos caprichos da minha inconsciência. Estou liquidado como detetive, …”.

O pior é que, no homicídio seguinte em que o pai é envolvido, ei-lo que volta à carga, aparentemente destituído de memória (e igualmente de vergonha…).

Como lhe aconselha um simpático médico vienense, Seligman, Ellery deveria ler mais os Evangelhos, segundo S. Marcos: “Há só um Deus; e não há outro senão ele…”.

Os seus agentes literários, Frederic Dannay e Manfred B. Lee, ambos de Brooklyn, judeus nova iorquinos, dizem-nos que escreveu mais de cinquenta livros, com tiragens que ultrapassaram mais de sessenta milhões de exemplares vendidos.

Se é verdade, o homem deve estar podre de rico.

Apesar dos editores, que considera, sinceramente, o pior bando de gangsters do crime organizado.

Li poucos livros do nosso homem. Considero-os um tudo nada banais, mas escritos com tal maestria, que até Belzebu se envolveria e prenderia à sua leitura, até à última página….

Tudo isto à custa da paciência, pressão arterial e úlceras agravadas do pobre pai, do sacrifício (porquê, não se percebe) da sua secretária-namorada Nikki Porter, senhora de uma paciência e tolerância (para com infidelidades do parceiro) que roçam a imbecilidade.

Sem esquecer a inconcebível boa vontade do gargantuesco sargento Thomas Velie, da N.Y.P.D., do seu fiel criado Djuna (jovem cigano ou hindu, nunca se percebe bem), de ambígua presença no lar dos Queen (o velho Richard é viúvo…), do sofredor Dr. Samuel Prouty; do afadigado Henry Sampson (District Attorney), dos detectives Hagstrom, Hesse, Flint, Ritter, Johnson, Piggott e tantos mais, que não se atina bem porquê, se põem incondicionalmente às ordens daquele risonho ditador sem vergonha.

Sem horário, nem ordenado, é certo.

Há que dizer agora que Ellery é também altruísta, dedicado (sobretudo ao pai) e de grande nobreza de atitudes em diversas ocasiões.

É um tudo nada puritano e conservador moralista, o que dissimula sob uma capa voltaireana de piadas subtis e desalmadas.

Que enlouquecem o desabrido ingénuo que lhe deu o ser.

Tem um pesadelo recorrente.

Wrightsville, cidade onde qualquer tragédia shakespeariana o aguarda, sempre que lá vai, e onde o criminoso leva em geral a sua até ao fim. Mesmo até ao fim.

Tem relações corteses com um velho e aristocrático ancião, Drury Lane, ator, que infelizmente ensurdeceu (perdeu o ponto das coisas…) e vive confinado numa rica mansão, donde só sai para resolver tragédias criminais com nomes de letras do alfabeto (mania inocente, se o compararmos com Ellery) …

De resto, é um homem cordato e gosta de pequenos prazeres, bem do seu país, como algodão doce ou um “hot-dog”, na “county-fair” ali ao lado…hops, lá está um cadáver no comboio dos mistérios!

Se virem um Alex Raymond, com a cara de James Stewart (ou Jim Hutton, se preferirem), ar risonhamente absorto, junto a um cadáver de alguém recentemente assassinado, ficaram a conhecer Ellery Queen…

Capa de Cândido da Costa Pinto


[1] PRINCIPAIS OBRAS (INCLUINDO ANTOLOGIAS DE “SHORT-STORIES”)

CICLO WRIGHSVILLE

Calamity Town, 1942

The Murderer is a Fox, 1945

Bertrand.pt - Dez dias de mistério

Ten Day’s Wonder, 1948

Double, double, 1950

The King is Dead, 1952

The Last Woman in his Life, 1970

DRURY LANE

The Tragedy of X, 1932

The Tragedy of Y, 1932

The Tragedy of Z, 1932

Drury Lane’s Last Case, 1933

ELLERY QUEEN

The Roman Hat Mystery, 1929

The French Powder Mystery, 1930

Bertrand.pt - O Enigma do Sapato Holandês

The Dutch Shoe Mystery, 1931

The Greek Coffin Mystery, 1932

Bertrand.pt - O Mistério da Cruz Egípcia

The Egyptian Cross Mystery, 1932

The American Gun Mystery, 1933

The Siamese Twins Mystery, 1933

The Chinese Orange Mystery, 1934

The Adventures of Ellery Queen, 1934 – CONTOS CURTOS

The Spanish Cape Mystery, 1935

Halfway House, 1936

The Door Between, 1937

The Devil to Pay, 1938

The Four of Hearts, 1938

The Dragon’s Teeth, 1939

The New Adventures of Ellery Queen, 1940 – CONTOS CURTOS

There Was an Old Woman, 1943

Cat of Many Tails, 1949

Calendar of Crime, 1952 – CONTOS CURTOS

The Scarlett Letters, 1953

The Glass Village, 1954

Queen’s Bureau of Investigation, 1955 – CONTOS CURTOS

Inspector Queen’s Own Case, 1957

The Finishing Stroke, 1958

The Player on the Other side, 1963

And on the Eighth Day, 1964

The Fourth Side of the Triangle, 1965

A Study in Terror, 1966

Face to Face, 1967

The House of Brass, 1968

Cop Out, 1969

A Fine and Private Place, 1971

Carlos Macedo

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