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A Preta e o Sporting

Enquanto vos escrevo este artigo, muita tinta corre, em torrentes fluídas de indignação, por causa de  um suposto erro de um jornalista da Agência Lusa. Se o leitor não está inteirado acerca do assunto, trata-se da notícia que, elencando os deputados que fazem parte de uma determinada comissão parlamentar, identifica Romualda Fernandes, eleita pelo PS, com a palavra “Preta”, entre parêntesis,  à frente do respectivo nome.

Quando observei a peça, pareceu-me que a colocação do adjectivo resultou de uma displicente mnemónica, usada pelo próprio autor, para facilitar o reconhecimento da pessoa denominada e que ficou ali esquecida –  irónica incongruência – por força de, hoje em dia, já não haver verdadeira revisão de textos. Como poderia estar o gordo, o guedelhudo, a gaja boa, relativamente a outros enunciados legisladores.

Não me tresleiam, porque, apesar de eu considerar que muletas adjuvantes do raciocínio não são sindicáveis – mesmo que sejam preconceituosas –, desde que se mantenham na solitária relação entre o eu e os seus pensamentos, quando estas passam para a esfera pública ou são utilizadas num contexto profissional que envolve terceiros, não se pode fingir que não aconteceram, sendo merecedoras de censura técnica, laboral e/ou social.

O que me espanta nisto tudo, com toda a sinceridade, é o modo como, posteriormente à bomba rebentar, os seus efeitos logo se fizeram sentir: José Pedro Santos, o editor de política da agência noticiosa, já pediu a demissão (como quem diz, foi obrigado a demitir-se) e Hugo Godinho, o desmemoriado que utiliza mnemónicas pouco recomendáveis, foi sujeito a um processo de averiguações.

Manifesto surpresa, porquanto, em Portugal, raramente há consequências para desmandos dolosos ou negligentes perpetrados por membros de certas classes, imperando um corporativismo proteccionista. Veja-se Eduardo Cabrita que, não acertando uma, continua no seu suado assento ministerial. Talvez esteja a ser injusto, porque estou a comparar um Cabrita a dois mexilhões…

Ainda assim, não me quero alongar relativamente a este assunto. Prefiro comentar a escandaleira que ocorreu durante os festejos sportinguistas.

Se o caro leitor desconhece, eu sou benfiquista. Sou, igualmente, alguém que não liga patavina ao futebol, desde que irrompeu a pandemia de Covid-19, e que expressou o seu desagrado pela maneira como a Festa do Avante e as comemorações do 1.º de Maio foram concretizadas, visto que incrementaram o risco de contágio desta miserável doença e esboroaram a confiança dos portugueses na justeza das medidas repressivas que nos vêm cansando a todos.

Ora, estando ciente da ligeireza com que alguns tentam amesquinhar a validade de uma argumentação, recorrendo à falaciosa capitis diminutio: “ele é do Benfica”, creio que a sanidade, neste caso, nos insta a passar por cima da clubite alheia, a não fechar a boca e a estender os dedos teclantes, porque os factos são demasiado negativos.

Quem assistiu àquelas caóticas celebrações – e esteja de boa-fé – falha em compreender como se permitiu a instalação de um ecrã gigante junto ao estádio Alvalade XXI, como se autorizou o desfile alegórico de um autocarro, se cerrou os olhos à venda de álcool, entre tantas outras circunstâncias que, após dois confinamentos gerais, se tornam intoleráveis a quem sofreu com a maleita ou se viu impedido de trabalhar para salvaguarda da saúde pública.

Faço a ressalva de que houve quem participasse naquelas festividades, recusando-se a excessivas proximidades que derrotam o objectivo do distanciamento social; no entanto, antes de me centrar nas instituições, dirijo a principal crítica aos irresponsáveis que, do alto de uma estupidez instalada, se marimbaram para a existência de uma pandemia e que, quando questionados sobre esse “mero detalhe”, sorriram jocosamente ou optaram por ignorar a realidade.

Como é óbvio e notório, transcorridos 19 anos de secura, antecipava-se uma explosão de alegria,  uma erupção da felicidade que esteve oprimida por quase duas décadas de aspirações violentadas, mas isso não iliba cada indivíduo de ser responsável pelas suas condutas. Se o homem quer ser livre, tem de ser responsável!

Por outro lado, se fixarmos a nossa atenção nas entidades públicas, voltamos ao confronto com as intermináveis e desgastantes ladainhas dos passa-culpas e dos comunicados em juridiquês, que procuram tapar, com uma opaca cortina, o que está à vista de quem goza de uma qualidade mais escassa do que o desejável: o bom senso.

Pois bem, como o bom senso impele a não aceitar o desrespeito pelo outro e a não compactuar com atitudes vergonhosas deste calibre, lídimas increpações e reprimendas surgiram de diversos quadrantes, inclusive de sportinguistas. Por seu turno, para afastar a pressão social, de imediato compareceram os demagógicos guerreiros da contra-revolução, afirmando, aos pinotes, que as legítimas reacções ao disparate são ataques vis ao Sporting e aos seus sócios e simpatizantes.  Luís Filipe Vieira agiu de idêntica forma na comissão eventual de inquérito concernente ao Novo Banco, não foi? Foi, não foi?…

Finalmente, confirmando que vivemos numa espécie de distopia em que o absurdo é a norma, veio o Governo de Portugal aprovar um conjunto de restrições à frequência das nossas apetecíveis praias, algumas destas desproporcionadas e objectivamente inaplicáveis, esperando que sejam levadas a sério por quem fica com aquela sensação de que basta que o futebol esteja envolvido e tudo é aceitável.

Vou mas é dormir…

João Salvador Fernandes

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