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O pintor Mário Botas na Feira da Ladra… E lá dentro a arte de Santarém

Há na Feira da Ladra, em Lisboa, ao amanhecer de sábados, um espaço de venda de livros usados, onde bibliófilos e mercadores do livro se empurram quando de uma carrinha o Nuno e os seus colaboradores retiram sacos de plástico e lançam nas bancadas os chamados lotes populares, a um euro cada título, mãos ávidas remexem, por vezes folheiam, rejeitam ou metem num cesto. Faço parte da hoste dos bibliófilos, por ali cirando à espera de surpresas a preços abordáveis. Passada uma boa meia hora das bancadas dos lotes populares se começarem a esvaziar, o Nuno e colaboradores retiram mais uns sacos de plástico e dali saem as edições mais caras, por vezes livros raríssimos. O negócio do Nuno é adquirir livros usados, chega a comprar espólios, o que torna a viagem à Feira da Ladra ainda mais motivante, aparece por ali o mais exótico dos bricabraques e não é a primeira vez que tenho de tomar um táxi depois de adquirir vários sacos de tralha.

Explicado o contexto, eis que o meu coração se festeja quando encontro o catálogo de Mário Botas de uma exposição promovida pela Gulbenkian em 1989 intitulado Spleen, de que a crítica Margarida Botelho escreveu recensão dando-lhe o título A Aventura da Criação no Fundo do Nada, ali refere que estas personagens não são humanas, são feios monstros com graus diversos de humanidade, carregados de sinais ambíguos, de inquietantes intenções, exprimindo apetites e desejos, debitando falas: seduzem, amam, odeiam, desesperam e penetram no expectador como que vindos do sonho, do mito ou da lenda. Perseguia este catálogo, achava-me feliz com a aquisição.

 Já refastelado em casa, descubro que dentro do catálogo há um documento policopiado, é assinado por Maria Luísa Martins e a data é 1980, traz a seguinte dedicatória: “Dedico este simples trabalho aos meus alunos do Curso Supletivo Noturno 1979-80-Educação Visual, com os quais muito aprendi, porque eles muito me quiseram ensinar. Este curso terá funcionado na Escola Preparatória, é dedicado ao esplendor artístico de Santarém, tem toda a razão de ser, a exposição inicial sobre o estilo artístico preponderante, por que razão se trata Santarém como a capital do gótico, faz-se uma sinopse histórica da cidade e entra-se em voo picado nos monumentos principais. Passo a citar o que esta devotada professora escreveu para os seus alunos do Curso Supletivo Noturno:

“São João de Alporão – mandado construir por D. Sancho I; Igreja de São Francisco – a sua construção data do reinado de D. Sancho II e constitui com a Igreja de São Francisco em Estremoz o mais antigo exemplar de arquitetura franciscana em Portugal; Igreja de Santa Clara – um belo exemplar arquitetónico de arte gótica que deve a sua construção ao rei D. Afonso III, tendo perdido, no entanto, no decorrer dos tempos, as suas caraterísticas iniciais; Fonte das Figueiras – um belo exemplar de uma das mais preciosas joias que o estilo gótico deixou em Santarém; Igreja da Graça – construída cerca do final do século XIV, é um dos mais perfeitos exemplares da corrente gótica nacional e nesta igreja encontra-se o túmulo de Pedro Álvares Cabral; Igreja de Marvila – construída no reinado de D. Afonso Henriques, inclui elementos góticos, manuelinos e seiscentistas, há a assinalar o pórtico manuelino; Capela de Nossa Senhora do Monte – fundada por D. Afonso Henriques, pertencia à demolida Igreja do Salvador; Torre das Cabaças ou “O Cabeceiro”, torre construída no século XVI com 22 metros de altura; Igreja do Milagre – construída no século XIII, sendo nessa altura a Igreja de Santo Estevão; foi restaurada no século XVII, tendo sido modificada com traços renascentistas”.

Esta professora Maria Luísa Martins, que agradece aos seus alunos do ensino noturno o que lhe ensinaram deixou-nos este policopiado e não resisti a publicitá-lo, a disciplina intitulava-se Educação Visual e a docente quis mesmo primar pela pedagogia, mostrar a esses seus alunos as joias do património circundante, é um policopiado que nos tem que tocar no coração. E a professora Maria Luísa Martins despede-se do trabalho que fez para os seus alunos dizendo:

“Finalmente, e porque falamos de arte, destaquemos também a Igreja do Seminário, mandada construir pelos padres da Companhia de Jesus, no século XVII, no local do antigo Paço Régio, tendo pertencido ao Colégio de Nossa Senhora da Conceição.

Uma última referência ainda aos belos e diversos palácios, casas históricas, portas, muralhas, varandas, janelas, miradouros, etc., sobre cuja história milenária nos devemos debruçar”.

E fico a meditar sobre tal trabalho para o ensino noturno, seguramente gente já crescida com vontade de aceder a níveis superiores do conhecimento terá feito despontar em muitos deles uma outra maneira de olhar para um património como não há outro igual, desse gótico de tempos idos, quando Santarém primava por estar na primeira linha da cultura portuguesa.

Mário Beja Santos

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