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Museus de Lisboa, surpreendentes lugares estáticos para as nossas ilimitadas excursões

A obra Museus de Lisboa, por Covadonga Valdaliso, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2021, foi elaborada a partir de viagens realizadas no ano que precedeu a pandemia. A autora por museus de Lisboa deambulou, discreta e anónima, logo nos dá conta de uma curiosidade que lhe encheu as medidas no Museu Geológico, um lugar onde se encontram o meteorito Monte das Fortes, o fémur do dinossauro da Lourinhã, a volframite da Panasqueira, o esqueleto de um cão que conviveu com uma família de Concheiros de Muge ou o impressionante crânio do crocodilo que morou perto de Lisboa, em Chelas, há 12 milhões de anos. Lugar bem escolhido para relevar que todos temos a ganhar em explorar os cerca de 70 museus que Lisboa oferece.

Disse a autora que deseja transmitir as suas reflexões como um convite aberto, não quer exceder um conjunto de episódios, não desenhou um roteiro, procura informações de ordem prática, uns museus dão boa informação outros menos, recomendam-se viagens virtuais, há surpresas até mesmo com boas exposições online, enfim, recomenda-se que se percorra com os olhos e os dedos as páginas destes museus, atenuam-se as deceções e abre-se o apetite para o deslumbramento de viagens. E daí referir a preparação como primórdio que leva aos melhores resultados.

Museu Rafael Bordalo Pinheiro

Até que, subitamente, estamos na página 35, a autora se acalora e pede-nos para cavalgar à desfilada, um verdadeiro contrassenso do que até agora propôs e mais adiante proporá: “A partir de Belém, com muita organização, boa forma física, bastante energia e férrea disciplina, podem ser visitados em um ou dois dias o Museu dos Combatentes, a Torre, o Museu de Arte Popular, o Padrão dos Descobrimentos, a Coleção Berardo, o Museu da Marinha, o Museu Nacional de Arqueologia, o Mosteiro dos Jerónimos, o Museu Casapiano, o Museu de Etnologia, o Palácio da Ajuda, o Jardim Tropical, o Museu dos Coches, o Picadeiro e o Museu da Presidência da República. Relativamente perto estão o MAAT e a Central Tejo, o Museu da Carris e o Museu do Centro Científico e Cultural de Macau; e, também na área ocidental da cidade, o Museu do Oriente e o Museu Nacional de Arte Antiga”. Candidamente, diz a autora que estas maratonas são aconselháveis apenas em momentos concretos, como o Dia dos Museus. E contrariando este mesmo espírito de maratona refere mais adiante que o mais recomendável é não sobrecarregar os sentidos com informação nem misturar experiências e visitar apenas um ou dois museus por dia. Não se percebe lá muito bem a sugestão de tanta cavalgada, o importante é localizar para melhor planificar e dosear as visitas, é de crer que a autora não se deu conta da proposta turbilhonante que talvez levasse as vítimas a fugir, doravante, a tão frenéticas viagens, mesmo que os museus estejam entre as mais fascinantes experiências culturais.

Bem curioso é o olhar da autora sobre a organização dos espaços museológicos, o seu merchandising, os pontos de repouso. E depois confronta-nos com a Lisboa que Saramago escreveu na sua obra Viagem a Portugal e os Tempos Atuais, pega habilmente num pormenor, e faz dessa silenciosa o ponto de partida para a medição dos discursos do passado e o que deles deliberamos incorporar no nosso baú cultural. E reflete sobre a condição de visitante, escolhe um termo de comparação:

Entrar num museu não se diferencia muito de abrir um livro ou começar a ver um filme: sabemos que devemos observar, ouvir e ler, mas normalmente assumimos um papel passivo porque pensamos que, mesmo que tenhamos de desempenhar algumas ações físicas, por exemplo, caminhar, subir escadas, inclinar a cabeça, e mentais, como reparar, interpretar, compreender, em princípio seremos basicamente recetores de um discurso já criado. A dúvida que frequentemente surge é se somos os recetores em quem o criador do discurso pensou”.

E exemplifica com idas a vários museus, basicamente para deixar no ar a questão do que é que faz as pessoas entrarem em determinados museus e, uma vez lá dentro, o que é que pensam que esse museu deve ser.

Custódia de Belém, Museu Nacional de Arte Antiga

Outra questão basilar é se todo e qualquer habitante de Lisboa se identifica com a essência do museu que visita, obviamente que não, há vozes do silêncio à nossa volta que nos podem escapar. Uma coisa é visitar uma exposição sobre as hortas de Lisboa e poder apreciar a evolução do espaço urbano em detrimento daquele que ao longo de séculos foi reservado às hortas, outra visitar uma exposição sobre moranças da Guiné-Bissau, em que a curiosidade espevitada em muito supera a ligação do visitante à matéria observada.

E a autora ajusta o seu olhar sobre aquilo que são as nossas próprias descobertas, com ou sem suporte de um guia. O museu não tem respostas para tudo o que conserva, mas tem expetativas e bem legítimas:

Guardar para aprender e não ignorar é ainda, sem dúvida, um dos principais objetivos dos espaços museológicos. Achar o desconhecido, recuperar o esquecido e mostrar o compreendido são, em muitos casos, fins tão importantes como admitir o que não se sabe e oferecer ao visitante facilidades para que ele próprio interrogue, investigue e discuta os discursos e as peças”.

A autora procura contabilizar os museus lisboetas, chegou até à casa das sete dezenas, recorreu a filtros, como este: para se determinar o número de museus lisboetas é preciso tentar esclarecer o que distingue um local museológico de um monumento ou de um edifício habilitado para acolher uma coleção. E exemplifica ajustadamente:

Os turistas são, de certa maneira, avisados de que quando chegam à Torre de Belém não devem estar à espera de salas enfeitadas com mobílias e quadros; mas também são incitados a observar com atenção as coleções do Palácio da Ajuda. O Mosteiro dos Jerónimos é apresentado como um monumento mesmo se quem entra no Museu Nacional de Arqueologia esteja, do ponto de vista arquitetónico, dentro dos Jerónimos. A exposição de um espólio acompanhado de elementos pedagógicos do tipo interativo faz com que o Palácio de Belém seja considerado um espaço museológico, mas não o Padrão dos Descobrimentos, ocupado apenas quando há mostras temporárias”.

Museu da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva

E chegamos por fim à definição do que é um museu, a autora socorre-se da proposta feita pelo Conselho Internacional dos Museus:

“Espaço democratizador, incluso e polifónico para o diálogo crítico sobre os passados e os futuros que, a partir dos desafios do presente, ‘custodia artefactos e espécimenes para a sociedade, salvaguarda memórias diversas para as gerações futuras, e garante a igualdade de direitos e a igualdade de acesso ao património para todos os povos”.

Bem pensando nesta definição, o acervo museológico lisbonense tem as potencialidades de crescer não só porque há mais museus mas há mais gente curiosa, Lisboa é multiétnica, a arqueologia volta a ter pergaminhos e o papel da arte é cada vez mais cativado mesmo por aqueles que confiam predominantemente no progresso técnico. É a tal curiosidade que alavanca as ilimitadas viagens nos tais lugares estáticos que se espalham de forma anárquica por toda a Lisboa.

Uma boa leitura para antes de iniciar os imensos percursos que os museus de Lisboa oferecem.

Mário Beja Santos

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