Trata-se seguramente de um livro muito incómodo para os ideólogos radicais do ambiente, para todos aqueles que dão por certo e seguro que já estamos num não retorno da mudança climática ou que professam, por uso e costume, do exagero, do alarmismo e do extremismo. O embaraço é tanto maior em responder aos argumentos do autor na justa medida em que Michael Shellenberger é um conceituado investigador, não concede pausas a sectarismos e cultores da catástrofe. Aliás, este radicalismo é um excelente caldo de cultura para quem gosta das notícias tremendas e de pensar que o mundo vai acabar, que vêm aí as temperaturas tórridas, subidas do nível do mar que engolirão continentes, ou quase. É um livro que percorre sem dogmas factos e forças por detrás da desflorestação, as alterações climáticas, a extinção das espécies e de ecossistemas, do fracking, da agricultura industrial, e da produção alimentar. Seja o leitor ambientalista ou não, a leitura desta obra é indispensável, mais não seja para poder perguntar a outros por onde anda a verdade: Apocalipse Nunca, Como o alarmismo ambiental nos prejudica a todos, por Michael Shellenberger, Publicações D. Quixote, 2021.
Qualquer prazo anunciado para o fim do mundo é uma pura treta. Há quem procure gritar que estamos à beira do cataclismo a propósito de qualquer desastre natural. Mas objetivamente num século diminuiu em 92% a taxa de mortalidade por desastres naturais, e nesse século (entre 1920 e 2020) a população mundial quase quadruplicou. É a FAO quem diz que a produtividade agrícola aumentou substancialmente num leque muito amplo de cenários de alterações climáticas, a produção alimentar é mais do que suficiente, sabemos é que está mal distribuída além de submetida a desperdícios evitáveis. Instituições credíveis prognosticam que em 2100 a economia mundial será 3 a 6 vezes maior que atualmente. São números que nada têm a ver com o fim do mundo. Essas mesmas instituições nunca mencionam cenários apocalíticos.
É certo que organizações radicais sabem utilizar habilmente o circo mediático e adoram aterrorizar gente de todas as idades. É o caso da organização britânica Extinction Rebellion, cujos ativistas dão palestras assustadoras a turmas de crianças em todo o país, e por vezes essas crianças têm menos de 10 anos. Às vezes nem a BBC escapa ao alarmismo. E as boas notícias são silenciadas. Quem é que faz gala em dizer que as emissões de carbono estão a diminuir nos países civilizados? “Na Europa, as emissões em 2018 eram 23% mais baixas do que em 1990. Nos EUA, as emissões caíram 15% de 2005 a 2016”. Não devemos esta redução de emissões ao alarmismo climático. “As emissões totais resultantes da produção de energia nos maiores países da Europa – Alemanha, Grã-Bretanha e França – atingiram o pico na década de 1970, em grande parte devido à mudança do carvão para o gás natural e o nuclear”.
Veja-se a forma catastrófica como se fala da Amazónia. O autor questionou um reputado cientista, Dan Nepstad, se era verdade que a Amazónia era a maior fonte de oxigénio na terra, ao que este respondeu que era mais uma treta. “Não existem dados científicos que o sustentem. A Amazónia produz uma grande quantidade de oxigénio, mas utiliza a mesma quantidade de oxigénio na respiração; portanto, fica-se na mesma”. Não se pode falar da deflorestação sem ter em conta a marcha da civilização. “Entre 500 e 1350, as florestas deixaram de cobrir 80% da Europa Ocidental e Central, para passarem a cobrir metade da área. Os historiadores estimam que as florestas da França foram reduzidas de 30 milhões de hectares para 13 milhões entre 800 e 1300. As florestas cobriam 70% da Alemanha no ano 900, mas só 25% em 1900. E, no entanto, as nações desenvolvidas, sobretudo as europeias, que ficaram ricas graças à deflorestação e aos combustíveis fósseis, procuram impedir o Brasil e outros países tropicais, incluindo o Congo, de se desenvolverem da mesma forma. A maior parte desses países, nomeadamente a Alemanha, produz mais emissões de carbono per capita, incluindo com a queima de biomassa, do que os brasileiros, mesmo contando com a desflorestação da Amazónia”.
Os alarmistas manipulam dados com a maior da desfaçatez. “É errada a ideia de que a Amazónia é povoada sobretudo por povos indígenas vitimados por não-indígenas. Apenas 1 milhão dos 30 milhões de brasileiros que vivem na Amazónia são indígenas e algumas tribos controlam reservas muito grandes. Existem 690 reservas indígenas cobrindo uns espantosos 13% do solo brasileiro, quase todas elas na Amazónia. Os índios Ianomami, que são apenas 19 mil, têm a propriedade efetiva de uma área ligeiramente maior que a Hungria. Quem quer que procure compreender por que razão o Brasil abate floresta tropical para cultivar soja e produzir carne para exportação terá de começar por reconhecer que é uma tentativa de retirar um quarto da população de um nível extremo de pobreza, facto que os ambientalistas da Europa e da América do Norte desconhecem ou, pior, ignoram”.
Michael Shellenberger expõe-se aos dossiês mais polémicos como o uso do plástico e quais as soluções mais apropriadas, o terror da extinção, e neste caso apresenta números que nos obrigam a pensar: “O enorme aumento da biodiversidade durante os últimos cem milhões de anos ultrapassa esmagadoramente as perdas de espécies em extinções massivas passadas. O número de géneros, uma medida da biodiversidade mais importante do que a mera contagem de espécies, quase triplicou ao longo deste mesmo período”. É contundente, mas apresenta sempre números, fala desassombradamente da riqueza dos países mais avançados e como os mais pobres têm legitimidade para sonhar com o desenvolvimento. Conta-nos como o Congo salvou as baleias, como o fracking não é o terror que os extremistas apregoam. Quando ambientalistas proclamam que o gás natural é pior para o clima do que o carvão, temos a evidência dos números: “O gás natural é mais limpo do que o carvão. O gás natural emite entre 17 e 40% menos dióxido de enxofre, uma fração do óxido nitroso que o carvão emite, e quase nenhum mercúrio. O gás natural tem um oitavo da letalidade do carvão, contando tanto os acidentes como a poluição atmosférica. E queimar gás para produção de eletricidade, em vez de carvão, exige entre 25 e 50% menos consumo de água”.
Inevitavelmente, a questão alimentar vem à baila, como a energia nuclear, de que ele é sério apoiante, alegando que esta é uma forma de combater as alterações climáticas. Descreve o itinerário da ansiedade apocalítica e os seus mantras, caso da sobrepopulação. E mantém-se firme, diz que o ambientalismo humanista acabará por triunfar sobre o ambientalismo apocalítico. Um mundo orgânico, de baixo consumo de energia e alimentado a renováveis seria um mundo não melhor mas pior para a maioria das pessoas e para o ambiente natural.
De leitura obrigatória.
Mário Beja Santos