Na viragem de século XIX, merece a menção especial que lhe dedico o nome de Robert Barr (16 de setembro de 1849 – 22 de outubro de 1912), nascido em Barony (Glasgow, na Escócia) e falecido em Woldingham, Inglaterra, pouco antes da I Guerra Mundial.

Seus pais, de origem modesta, foram Robert Barr, carpinteiro e Jane Watson, doméstica. Emigraram para o Canadá em 1854 e tornaram-se agricultores em Muirkirk, onde o jovem Robert cresceu.
Foi para a escola de Dunwich e, em 1873, para Toronto.
Objectivo: licenciar-se, como professor, o que, dada a sua lúcida e arguta observação da sociedade em que vivia, inspirou uma crítica mordaz e inspirada ao sistema de ensino em vigor (“The Measure”, publicado em 1907).

Acabou como Headmaster da Central School of Windsor, no Ontário (Canadá) e começou a escrever, sob o pseudónimo Luke Sharp.
Fê-lo em profusão e de forma desordenada (entre outros, no Magazine satírico Grip) até, em 1876, se tornar jornalista do Detroit Free Press e se mudar para os E.U.A.
Educado no Canadá, jornalista nos Estados Unidos (onde vive, em Raleigh, se casa e tem uma filha) adquire, desde jovem, uma multivivência, um saudável cosmopolitismo e, sobretudo, um acerado e cáustico sentido dos podres e ridículos do mundo vitoriano, que lhe permitem espalhar (sempre com uma elegância, uma fleuma e um sentido de humor únicos), vitríolo puro sobre a burguesia britânica.
Em 1881 é altura de se mover para o Reino Unido, onde depressa organiza uma edição semanal da edição britânica do Free Press.
Funda, em 1892, com o humorista Jerome K. Jerome, o magazine “The Idler”, que atinge de imediato, um enorme sucesso e conta com a colaboração de grandes nomes da época (Israel Zangwill, Sir Arthur Conan Doyle, Robert Louis Stevenson, Gilbert K. Chesterton, …).

Aí publicará um dos primeiros livros de pastiches, parodiando Sherlock Holmes, em maio de 1892 (e um dos melhores, até à data…), sob o título de “The Adventures of Sherlaw Kombs”, nomeadamente nas pequenas obras primas “The Great Pegram Mystery”, (onde as cataratas de Niágara se substituem, com evidente vantagem, dimensão e notoriedade, às de Reichenbach) e “The Adventures of the Second Swag”.
A Barr devemos o mérito de apresentar, no policial vitoriano, três novidades absolutas.
A primeira, o fim do maniqueísmo Bem Absoluto-Mal Absoluto, introduzindo alegres compadres de Windsor, que praticam um (ou vários…) crimes, normalmente como uma partida de “bom gosto”, (antecipando-se a Hornung e a Chesterton, no spirit of the thing, que estes também praticaram, em “Raffles” e no “Department Of Queer Trades”, respetivamente).

E apresentando quase sempre o detective (ou seja, o “Bem”), num insuportável pedante, vaidoso como um pavão, sem um mínimo sentido de ridículo, agravado por uma visão do mundo meio arrogante, meio cínica e demasiado cretino para perceber que está a ser gozado….
A segunda, a introdução no policial do fim do século XIX, em Inglaterra, de um detective francês, antepassado dos Popeaus (criação de Marie Belloc Lowdnes), Poirots, Bencolins, Hanauds e outros detectives francófonos.
Orgulhosos, nada fleumáticos, com um notável sentido crítico (que Barr também usa sem reserva) das hipocrisias e rituais (mais ou menos imbecis ou perversos) da sociedade anglo-saxónica, Poirots ou Bencolins nunca perdem o sangue-frio e possuem sempre uma confiança quase ilimitada nas suas (para eles próprios, como para a sociedade em geral, geniais) capacidades.
Ele, pelo contrário, levará o seu francês (Valmont) aos píncaros de uma patológica autocomplacência, enquanto o usa como veículo de uma implacável denúncia da hipocrisia do “english way of life”.
A terceira, um sentido notável do valor da concisão, no conto curto policial, que assume, com Barr, uma forma de grande maturidade.
Assim a figura do detective privado Eugène Valmont, “anciennement haut fonctionnaire au service du Gouvernement Français”, adquire, na sua imperturbável vaidade e narcisismo, sem se dar margem a quaisquer dúvidas sobre a sua quase divina inteligência, um papel de precursor essencial na pré-história do detective-vedeta do romance policial vitoriano.

O seu narcísico investigador autocaracteriza-se, no entanto, sem que lhe falhe (hélas, somente aí…) uma razoável dose de bom senso: “Sempre que há um mistério para resolver, o inglês de classe média entrega-se inteiramente nas mãos da polícia oficial. Logo que essa boa gente chega, fica completamente desorientada; logo que as suas botifarras tacheadas destruíram todos os indícios que o local do crime poderia oferecer aos investigadores; logo que as suas manápulas desajeitadas obliteraram as provas disseminadas por tudo o que é lugar, então, finalmente fazem apelo ao meu concurso e, se porventura falho, dizem: que querem vocês? É um francês !!!!”.
E de nada serve ao nosso simpático Valmont dizer que não aceita “affaires sordides”, nem que, quando recorrem a ele, é porque “o nevoeiro londrino se concentrou muito para os lados da Scotland Yard” …
Valmont é tão perdedor sistemático como o pomposo Poirot é vencedor.
Apesar disso, não é difícil ver que Poirot (ou melhor, a sua artificiosa autora, A. Christie) deve muito da sua personalidade a este encantador loser, criado quinze anos antes…
Carlos Macedo
OBRAS PUBLICADAS
- THE TRIUMPHS OF EUGÈNE VALMONT, 1906, HURST& BLACKETT, LONDON
COMPREENDE OITO CONTOS LONGOS:
- THE MYSTERY OF FIVE HUNDRED DIAMONDS
- THE FATE OF THE PICRIC BOMB
- THE CLUE OF THE SILVER SPOONS

- LORD CHIZELRIGG’S MISSING FORTUNE
- THE ABSENT-MINDED COTERIE
- THE GHOST WITH THE CLUB FOOT
- LIBERATING THE WRONG MAN
- THE FASCINATING LADY ALICIA
- THE GREAT PEGRAM MYSTERY, 1894, HUTCHINSON, LONDON, OU THE ADVENTURES OF SHERLAW KOMBS (COM O PSEUDÓNIMO LUKE SHARP, APARECE TAMBÉM EM THE IDLER, MAIO DE 1892) E TAMBÉM THE FACE AND THE MASK, 1894, LONDON (SEU NOME ORIGINAL)
- THE ADVENTURES OF THE SECOND SWAG, OUTRO PASTICHE, ESTE DE 1904
- AN ALPINE DIVORCE, 1896, CHATTOR & WINDUS, LONDON
- STRANGE HAPPENINGS, 1883, LONDON
- REVENGE!, 1896, LONDON
- JENNIE BAXTER, JOURNALIST, 1899, LONDON

- THE GIRL IN THE CASE, 1910, LONDON
- FROM WHOSE BOURNE?, 1893, LONDON.
- THE O’RUDDY, 1903, LONDON
- THE MUTABLE MANY, 1896, LONDON
- THE STRONG ARM, 1899, LONDON
- THE VICTORS, 1901, LONDON.