Com a aproximação da tradição de “pedir os bolinhos” (e do seu retomar), é tempo e oportunidade para algumas notas de registo local, em Constância.
Na vila de Constância, era assim:
Nos anos 30 do século passado as crianças iam “pedir os bolinhos” da parte da tarde. Por volta das 16h00 a criançada acorria à Casa da Dona Ana Godinho (viúva do republicano José Eugénio de Nunes Godinho) e recebiam marmelos e passas “nada de relevante”, conta-nos uma idosa nonagenária. Já na “Vivenda Carolina” eram aguardados pela Dona Maria do Céu Pirão “para receber alguns damascos”. Também havia na vila quem desse dinheiro. Havia crianças que pediam os bolinhos, separadas umas das outras. As crianças participavam na solenidade religiosa: ” Íamos à missa, sim senhor”.

Na casa paroquial, no final dos anos 70 e seguintes, o padre Vermelho dava dois tostões a cada criança, as quais iam comprar rebuçados à loja do primo Raimundo, na Rua dos Ferreiros.
Nessa época, havia jovens misturados com as crianças mais pequenas, cada um com o seu saco. Levavam passas de figos e brôas e, com sorte, alguma moeda. Recordo-me bem da minha mãe distribuir brôas e bolinhos secos, receitas locais. Vem ao caso recordar as tradicionais brôas da nossa vila, em particular da saudosa Dona Rosinda e também da Mari Dona. Lá em casa eram delícias obrigatórias nesta época, das quais guardamos as receitas, bem como dos bolos secos.
Não será de descartar a hipótese do peditório passar pela Casa do Tejo, da Dona Adelaide Sommer, porquanto era pessoa abastada que garantia a Casa da Sopa dos pobres.
A Câmara de Constância divulgou esta semana uma nota de imprensa sobre esta tradição onde a dado passo se pode ler, a crer nas notícias: “Recorda a autarquia constanciense que a tradição de pedir os bolinhos terá começado em Lisboa, em 1756, um ano depois do terramoto que destruiu a cidade e que provocou milhares de mortos(…)”.
Para assinalar esta tradição o Museu dos Rios e Artes Marítimas de Constância vai ter as portas abertas das 09h30 às 12h30, leia-se “para entregar as tradicionais guloseimas da época às crianças”. A explicação camarária adianta ainda que “esta tradição espalhou-se por todas as regiões de Portugal e foi-se convertendo numa festa para os mais pequenos”.

Mas será que está explicação está totalmente correcta? Salvo melhor opinião, não me parece, de todo… Passando ao lado da bondade política, façamos algum esforço de pesquisa.
No Elucidário de Viterbo, por exemplo, refere-se que o dia dos fiéis defuntos aparece registado no século XV como o dia em que também se pagava um determinado foro:”Pagardes o dito foro em cada um ano em dia de pão por Deus”. Teófilo Braga na sua obra sobre costumes, crenças e tradições do povo português, afirma que o dia primeiro ou da festa de Todos-os-Santos “era denominado nos documentos jurídicos do século XV “Dia de pão por Deus”.
O peditório do “pão-por-Deus” (a designação varia consoante as regiões) estará associado ao antigo costume de oferendas de pão, bolos e outros alimentos aos defuntos. Estas práticas do chamado “banquete funerário” mereceram a censura do cânone LXIX do II Concílio de Braga do ano 572, onde se proibia que se levassem alimentos à tumba, segundo consta no livro de Jaime Fune sobre a presença bizantina em “Hispânia” nos séculos VI-VII. No século VI, com o III Concílio de Toledo assistimos também à regulação dos ritos funerários.
Com a introdução progressiva do Halloween em Portugal nas últimas décadas, avança a ameaça ou risco à continuidade do “Pão-por-Deus” como manifestação do Património Imaterial português, por vários motivos: há uma eliminação dos elementos religiosos, do ritual e da oralidade subjacentes à nossa tradição. É mais do que pura poluição cultural.
Termino com as palavras do Padre Paulo Ricardo, sobre este tema, as quais repesquei num interessante artigo em “O Observador”: “podemos até admitir, como já explicado, que a origem do Halloween seja católica; festejá-lo da forma mundana como ele é festejado hoje, todavia, constitui muito mais um mal que propriamente um bem”.
Apela-se, pois, ao discernimento cristão na apreciação destas matérias. Antes que seja tarde demais…
José Luz
(Constância).
PS- não uso o dito AOLP.
















