Os domingos como este que passou e as segundas-feiras deixaram-me diante das descobertas apresentadas como maravilhas pelas televisões e das receitas dos profetas para a salvação de Portugal. A palavra mágica é: Recursos humanos!
Fiquei a conhecer uma descoberta dos dirigentes sindicais e de alguns políticos em campanha: Nós, os portugueses, somos poucos para servir Portugal e os portugueses.
Depois da sesta de sábado e até ao cataclismo da saída do treinador de futebol Jorge Jesus dos campos do Seixal ouvi um sem número de pensadores que incluem sindicalistas, candidatos a deputados, especialistas de tudo, do Nuno Rogeiro ao Mendes, de um tipo com ar de canastrão de telenovelas que surgiu identificado como chefe de um sindicato independente de médicos à doutora Ana Gomes, de diretores de hospitais e enfermarias a fabricantes de bolo-rei num uníssono: Faltam recursos humanos!
Faltam recursos humanos em quase todos os hospitais e postos de enfermagem, em quartéis e navios, nas escolas, nos bombeiros, nos assistentes operacionais, nas tripulações dos aviões, nas vindimas, na apanha do tomate, dos morangos, da azeitona, de pera rocha, para a construção civil, para cobrar impostos. Faltam juízes (exceto no local de trabalho do juiz Alexandre, que é um recurso humano singular e inesgotável), delegados e desembargadores e, claro, assistentes operacionais. Faltam professores, amanuenses, só não faltam denunciantes da falta de portugueses para funcionarem, exceto, talvez, banheiros, dada a época do ano. Mas é certo que em Abril ou Maio eles faltarão.
Com tantas faltas, os dirigentes sindicais, os comentadores e outros pastores devem tirar conclusões racionais: os portugueses não chegam para as encomendas dos dirigentes dos sindicatos, dos políticos e das eminências que se sentam nas cátedras dos estúdios de televisão!
Tenho tentado, sem êxito, seguir o raciocínio (vamos chamá-lo assim) de quem nos explica como em Portugal vivemos com doentes a mais para médicos e enfermeiros, com alunos a mais para professores e equiparados, com passageiros a mais para autocarros, comboios, navios e aviões, com falta de polícias para caçar malandros, de juízes para arguidos, de carcereiros para presos. Já ouvi justificar greves por falta de recursos humanos! Os grevistas não trabalham porque faltam recursos humanos ao patrão!
Olho para o presépio — como seria hoje possível ter nascido aquele a quem devemos o Natal? Além dos controlos dos israelitas aos palestinianos, onde está a equipa de obstetras, parteiros, anestesistas, psicólogos clínicos, assistentes operacionais, condutores de ambulâncias, maqueiros, que são recursos humanos indispensáveis a um Natal?
Olho para o presépio e em vez de uma gruta com anjos imagino uma cápsula com seres forrados de plástico da cabeça aos pés! Os tais recursos humanos já devidamente embalados cuja falta teria impedido o Natal, os brinquedos, os fritos, o bacalhau, o polvo e o peru, as Boas Festas, o jingle bell, as meias e as cuecas (Made in China, por falta de recursos humanos).
Como vamos sobreviver se há portugueses a mais para comer peixe e a menos para o pescar, se faltam polícias e sobram malandros, se faltam assistentes operacionais para o que os assistentes operacionais fazem e tanto quanto percebo fazem tudo. Se faltam recursos humanos para servir à mesa e há clientes a mais. Só não faltam, pelo que ouvi, dirigentes a dizer que faltam recursos.
Já agora, se forem criados (mesmo que por milagre da Senhora da Conceição, seis vezes padroeira de Portugal) os recursos humanos exigidos pelos dirigentes sindicais e políticos, quem sobra para pagar os recursos que faltam, se é que sobra alguém? Porque certamente faltam recursos humanos para justificar a falta de recursos humanos nos cobradores de impostos!