Comprei ontem, dia 7 de Janeiro, o Expresso. Sou um leitor pouco frequente do Expresso, que se tornou um jornal de facção partidária em termos políticos nacionais, alinhado e acrítico em termos internacionais e culturalmente baloiçando entre o conservadorismo popular e o experimentalismo radical. Reconheço, no entanto, o papel importante do Expresso na formação de uma opinião pública e na liberdade de imprensa ao longo da nossa história recente.
Como considero essencial a existência de liberdade de imprensa e de informação entendi que devia ter esse pequeno gesto individual de solidariedade com o Expresso e o grupo Impresa no momento em que sofreram um ataque informático que colocou e coloca em causa a liberdade de informação. Compraria o Correio da Manhã se o ataque tivesse sido ao grupo Cofina.
É aqui que entram os princípios. Muitos órgãos de comunicação social, para não dizer todos, embarcaram numa euforia lucrativa com o acesso ao resultado da pirataria informática – um ataque cibernético – cometida pelo hacker Rui Pinto – ataque que foi dirigido contra clubes de futebol, órgãos da administração pública, incluindo a justiça.
Nessa ocasião os órgãos de Comunicação social, na generalidade, seguiram o princípio de que a doutora Ana Gomes foi a mais visível defensora de que tudo devia ser permitido a bem do saber, do ir ao fundo da corrupção. Não devia haver limites ao crime informático, nem à chantagem dos criminosos, nem à sua exigência de pagamentos, para apanhar outros criminosos.
O resultado parece estar à vista com processos como os do BES e os ligados ao futebol. Tudo parecia estar a dar razão à teoria do vale tudo, se vinham na rede Salgados e Rendeiros, Vieiras e Pintos da Costa. Curiosamente e em aparte, o actual cabeça de cartaz do movimento Chega, que foi porta-voz de LFV nas peixeiradas dos programas de futebol, está calado como um rato sobre o assunto. A corrupção de princípios é um buraco negro na sua personalidade.
A defesa do vale tudo no crime informático teve, reveladoramente, um silêncio vergonhoso (para mim): o caso Assange. Assange denunciou crimes de Estado que causaram milhares de mortos, de destruição de bens incalculáveis e Assange apenas os expôs, um dever que caberia também e por exemplo à ONU, e ao Tribunal de Haia que julga crimes contra a humanidade. A comunicação social nunca o defendeu. Mas defendeu Rui Pinto que exigia um pagamento para entregar os ficheiros e assim permitir os criminosos livrarem-se das acusações.
Claramente, a Comunicação Social e alguns manipuladores da opinião pública, abdicaram de princípios do Estado de Direito a favor da justiça popular, do populismo do mata e esfola.
Agora o Expresso e a Impresa, alguns dos órgãos mais influentes da comunicação social portuguesa, podem tirar lições da ausência de princípios. Também os juízes e magistrados populistas devem tirar lições. É que um dia podem estar no lugar do Expresso e da Impresa, sem defesa judicial nem moral. À mercê da turba que grita, como gritou: queremos saber tudo!
Nessa altura eu estarei do lado dos princípios, porque são eles que podem combater a corrupção. Sou contra a delação premiada que é uma abdicação de princípios de idêntica qualidade. Sou contra a justiça de pelourinho.
É também a defesa de princípios do Estado de Direito que está em jogo nas próximas eleições.
Carlos Matos Gomes