Depois dos debates e da primeira semana de campanha, ficou evidente que António Costa nunca quis aprovar o orçamento do Estado, optando, sim, por criar uma crise política, avançar para eleições e, vitimizando-se, alcançar uma maioria absoluta. A forma como iniciou o longo trilho de debates, apelando à estabilidade, mas recusando-se a, à esquerda e à direita, num cenário de vitória insuficiente para o Partido Socialista governar sozinho, demonstrar abertura para entendimentos com os demais partidos, claramente, traduz um desejo por um nível de poder em que não se tem de prestar atenção a nada, nem ninguém.
Para tanto, António Costa apresentou-se com um semblante duro e uma postura acusatória, tentando transmitir a ideia de que é um homem capaz de enfrentar o medo da morte – politicamente falando, claro está –, porque luta por um objectivo perigoso, numa conjuntura pouco propícia a maiorias absolutas; e não se importou de, para isso, atropelar o Bloco de Esquerda e o PCP com a mensagem do voto útil. Ou seja, o actual primeiro-ministro quis passar a imagem de ser um novo übermensch, construtor da sua própria moralidade, superior aos seus adversários, esmagador dos fracos de espírito e livre dos fantasmas dos tempos autoritários de Sócrates.
É verdade que, no dealbar deste forcejo suasório, António Costa ainda fugiu das palavras amaldiçoadas, recorrendo a eufemismos. Contudo, aquilo que todos estávamos a ouvir – mesmo que não fosse proferido – lá irrompeu da boca do secretário-geral do PS…
Agora, assustado pela ascensão laranja nas sondagens, em contraste com a tendência descendente da agremiação do punho fechado, inverte a marcha e afirma estar disponível para conversar, desde que esses diálogos não envolvam o Chega!. Isto é, o rebenta pontes, como lhe chama Ricardo Araújo Pereira, sangrando, dá uma desajeitada cambalhota – até pelo seu porte – e intenta recuperar a pose do supremo negociador e do hábil político que cimenta as mais improváveis alianças.
Ora, desconheço qual vai ser o resultado do sufrágio legislativo, sem negar que a esperança abunda nas hostes sociais-democratas, todavia, se o filho de Orlando da Costa triunfar com maioria relativa, vendo-se na necessidade de reestabelecer uma gerigonça – daquelas coladas a pastilha elástica bem mascada –, há duas perguntas que se tornarão incontornáveis:
1) Por que motivo fomos para eleições?
2) Como é que os outros geringonços vão aceitar o moribundo orçamento do Estado que o PS quer impor?
Desembocamos, assim, numa problemática labiríntica cujas frágeis soluções serão inequivocamente vexantes para quem com elas pactuar, uma vez que, sem conseguirem justificar a ruptura parlamentar, exigirão dos visados que abdiquem do que juraram não abdicar.
Nesse caso – mais Tavares, menos Tavares, mais PAN, menos PUM –, ou António Costa cede a uma núpera geringonça e perde qualquer pingo de dignidade que lhe sobeje ou, engolindo o fel que largou durante quase 6 anos, se arrodilha aos pés de Rui Rio e confirma que este sempre esteve do lado da razão, suplicando-lhe que cumpra a promessa de viabilizar um governo do Partido Socialista.
Dito de modo diverso: António Costa não sai favorecido em qualquer uma das circunstâncias, logo, preocupado com o seu bem-estar, eu torço para que não vença…
João Salvador Fernandes