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O jovem terrorista, os americanos e o espetáculo

Sabe-se muito pouco do noticiado ataque terrorista a ser efetuado por um jovem de 18 anos, apanhado nas teias dos algoritmos das agências de espionagem, neste caso o FBI dos Estados Unidos. É estudante de informática, veio de uma povoação perto da Batalha para a grande cidade, vive sozinho, ou em solidão, é viciado em redes sociais e internet, frequenta sites americanos de violência, foram-lhe apanhadas armas brancas, uma botija de gaz e um plano de ataque.
Com estes elementos se construiu um grande espetáculo de televisão, com aumento de audiências e especulações a cargo de tudólogos do costume e tendo como finalidade criar emoções e pânico.
Um dos fatores de análise de informações é a verosimilhança. Ninguém a fez. O produto em bruto era muito mais rentável. Um jovem de 18 anos, solitário, realiza um ataque físico com armas brancas? E leva uma botija de gaz?
Saber-se-á a seu tempo quem era o jovem e quais eram as motivações. Porventura ficaremos a saber mais da sociedade de isolamento, de selva em que vivemos e vivem os nossos jovens do que de terrorismo.
Mas este espetáculo mediático proporcionou sequelas — é como os jogos de futebol, há que aproveitar o público. Além de comentadores na pantalha e à volta da mesa, surgem os coristas a pé, os escribas de jornais e de redes sociais. Com teses para todos os gostos. A mais comum e aguardada, a do “eles são mesmo assim”, a dos Tavares e Raposos, foi a dos servos de obediência voluntária. Dizem eles, em resumo: Estão a ver como é bom sermos espiados pelos americanos? Eles é que nos alertaram para este terrorista que iria provocar uma mortandade como as que dia sim, dia não ocorrem nas nossas escolas e universidades. Só os «comunas» é que estão contra a espionagem dos americanos! (Dixit).
Esta tese é convincente. Se não fossem as agências de espionagem dos Estados Unidos terem acesso livre aos produtos de empresas privadas (aqui os neoliberais não se ofendem) Google, Microsoft, Facebook e por aí fora, não nos teríamos livrado de surgir nas primeiras páginas da imprensa internacional! Os jornalistas e outros patriotas teriam podido orgulhar-se: Portugal, à semelhança do que acontece «Lá fora», teria o seu atentado, como a Espanha, a França, a Inglaterra, a Noruega, a Alemanha, a Itália. «Entrámos no mundo civilizado!» Anunciariam, eufóricos, os pivôs dos telejornais! Assim, frustrada essa apoteose, os diretores de informação tiveram que encontrar sucedâneos pois havia e há que manter o espetáculo, mesmo que às custas de especulações e teorias de um fantasma do Ângelo Correia, segundo me pareceu!
Quando é necessário chamar o Ângelo Correia ou o seu espantalho para credibilizar uma informação de terrorismo sabemos que estamos em puro delírio!
Acontece que a tese da virtude da espionagem americana tem um pequeno senão: é que o dito terrorista tornou-se (ou tornar-se-ia) terrorista por influência dos americanos. Radicalizou-se através das doutrinas e ideologias americanas, para ser como os americanos.
A esta pequena falha na bondade da espionagem global americana, acresce que os serviços de busca e seguimento não existem para prevenir ataques terroristas nem em Portugal, nem em parte alguma, incluindo nos EUA, onde eles ocorrem sem aviso.
A espionagem das agências de informação, as dos EUA e a de todos os Estados com interesses globais existe para esses Estados saberem o que determinados grupos estão a fazer, a preparar, como estão organizados, que ligações têm, quem são os lideres e isto para os utilizarem de acordo com as suas conveniências, de umas vezes empregando-os como seus instrumentos, de outras eliminando-os porque eles já foram recrutados por adversários.
Por fim, quanto ao jovem: saibamos quem ele é e percebamos as causas que o levaram a este ato, se é que houve algum ato e não corramos atrás de foguetes…

Carlos Matos Gomes

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Carlos Matos Gomes
Carlos Matos Gomes
Carlos de Matos Gomes nasceu em Vila Nova da Barquinha, em 1946. Coronel do Exército em situação de reforma, cumpriu três comissões na guerra colonial (Moçambique, Angola e Guiné), nas tropas especiais «comandos». Fez parte da primeira comissão coordenadora do Movimento dos Capitães, na Guiné. Pertenceu à Assembleia do MFA durante o ano de 1975. É investigador de História Contemporânea de Portugal. Publicou, em co-autoria com Aniceto Afonso, os livros Guerra ColonialOs Anos da Guerra Colonial e Portugal e a Grande Guerra. Desde 1983, escreve obras de ficção (incluindo romances, contos, guiões de filmes e séries de TV), sob o pseudónimo Carlos Vale Ferraz.
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