Hoje, é dia de Nossa Senhora de Lourdes.
Tenho saudades de ouvir e também de tocar no nosso “carrilhão de Constância” a versão local do “Avé de Lourdes” que era uma espécie de “signo sonoro”, de autoria de José Remelhe, antigo seminarista que parou por estas bandas no primeiro quartel do século passado. Durante o mês de Maria era um ritual que não faltava e convidava à oração. A vila, marcadamente católica – os locais eram católicos- acorria à matriz e preservava na oração. Diziam os antigos que durante o mês das flores o templo se enchia de fiéis e se vivia uma atmosfera verdadeiramente litúrgica, onde não faltavam os acordes do órgão mecânico, magistralmente tocado pela Dona Maria José Falcão, tia da actual viúva do antigo Provedor Afonso Themudo de Castro.
Ouvi a história a várias idosas (Maria José Cardoso Fonseca, Elvira Burguete, entre outras). Munido de um simples arame, Remelhe, logo descobriu que era possível tocar-se o “Avé de Lourdes” (sem o dito plagal e a justeza semitonal) na torre da matriz de Constância, numa versão, portanto, adaptada. Eram cinco os sinos até aos anos 80.

A decisão de colocarem recentemente mais um relógio na vila, precisamente, na torre da matriz, com uma panóplia de toques que se sobrepõem ao relógio municipal, ignorou a nossa tradição local e merece alguns comentários.
Ao adoptarem toques horários que se aproximam dos toques fúnebres os decisores quebraram em cerca medida a legítima expectativa da tradição local e vieram instalar a confusão. O “Avé de Lourdes” e os toques próprios litúrgicos até então existentes, conferiam um certo dom do fascínio pelas coisas da fé.
A questão fará sentido?
Contrata-se uma empresa que impõe digitalmente um repertório tipo “franshing”.
Dirão que é preciso adaptar a Igreja às novas mentalidades e às novas gerações.
Eu, por mim, na minha errância pela terra, prefiro ser conservador nestas coisas dos toques, da tradição, do mês de Maria, da fidelidade aos costumes, sem adopção de modas de ocasião.
O novo relógio da vila mereceu o apoio financeiro da câmara republicana socialista. Perderam uma boa oportunidade para exigir a preservação da tradição no que respeita ao registo dos valores intangíveis da tradição sineira local.
Na minha singela opinião não deveriam descurar o carácter ritual e apotropaico que os toques dos sinos adquiriram na mentalidade e costumes da população.
É o património imaterial, pois.
José Luz
(Constância)
PS- Não uso do dito AOLP