Há razões de sobra para que os doentes e os utentes queiram, cada vez mais, ter acesso a uma informação atualizada e independente para monitorizar os seus tratamentos e aprender a autocuidar-se (pela prática de uma automedicação responsável até mesmo de um autodiagnóstico), num quadro de partilha de responsabilidades com os profissionais de saúde.
O médico de poder majestático e o farmacêutico mero dispensador de medicamentos são relíquias do passado. O mundo mudou não só com o paradigma digital, mas também o Estado-Providência já não assegura tudo em tratamentos, em meios auxiliares de diagnóstico, em medicamentos, o doente e o utente têm que desenvolver capacidades pessoais, como é o caso de usarmos a literacia em saúde, saber comunicar as manifestações do nosso organismo ao médico ou ao farmacêutico, o primeiro prescreve de acordo com o diagnóstico a que chegou, o segundo tem a faculdade de proceder à indicação farmacêutica e não se deve sair da farmácia sem aconselhamento.
Situando a reflexão meramente no que se passa no espaço da farmácia, recorda-se ao leitor que uma escolha à toa de um medicamento para a constipação ou a gripe pode agravar a doença; e que há males ligeiros (é o caso do olho seco, da gengivite, de alguns problemas gástricos, da prisão de ventre, de manifestações de hemorroidal, entre outros), da aquisição de suplementos alimentares, de desinfetantes ou de protetores solares, em que esse mesmo aconselhamento pode evitar doenças mais sérias.
Se o leitor tem reticências quanto aos fundamentos desta abordagem, falemos da tão comezinha tosse. Para tratar dela temos um vasto de conjunto de marcas em comprimidos ou xarope. A escolha de uma delas para alívio da tosse coloca alguns problemas, e por vezes bem delicados. A tosse pode ser seca, sem expetoração e irritativa, que leva a escolher medicamentos que impeçam a tosse, ou pode ter-se expetoração, o que obriga à escolha de um outro tipo de medicamentos completamente diferente, destinado a libertar a expetoração, tornando-a mais fluida e mais fácil de eliminar, descongestionando o peito.
A escolha errada pode acarretar complicações. Se uma tosse com expetoração for parada, o doente não elimina as secreções, que se acumulam e podem infetar, ocasionando problemas que podem ser muito graves, particularmente em idosos, asmáticos, bronquíticos e acamados.
Uma tosse seca e irritativa, se for tratada com expetorantes, não alivia e torna-se mais frequente, o que acaba por incomodar o doente, pode aumentar a irritação da garganta com agravamento da tosse, e torna-se extenuante para o doente. Por outras palavras, é indispensável escolher o medicamento em função do tipo de tosse, assim se vê como o aconselhamento farmacêutico é primordial, é a segurança do doente que está em jogo. Embora estes medicamentos não sejam muito tóxicos, a escolha correta evita efeitos secundários e acelera a cura. E há outra dimensão que não deve ser descurada: alguns dos medicamentos que atenuam a tosse provocam sonolência, pelo que não devem ser tomados por pessoas que conduzam ou que utilizem maquinaria de precisão, para além de contraindicarem a ingestão de bebidas alcoólicas ou de outros medicamentos que dão sonolência.
Este exemplo da tosse parece deixar claro que precisamos de boa informação, de estarmos sensíveis à comunicação com os profissionais de saúde e bem mais aguda é a situação dos doentes crónicos, em número crescente em Portugal. Vale a pena mais tarde aqui se refletir quanto ao modo de melhorarmos essa capacitação, seja com o apoio dos profissionais de saúde (aqui o médico de família tem um papel modelar), com o SNS, com as organizações de doentes e consumidores, e não devemos esquecer os enfermeiros de família e os outros, por vezes bem mais conhecedores do que se passa no nosso corpo que nós próprios.
Mário Beja Santos