Existem filmes onde a história envolve a planificação de assassínios ou outros crimes, numa ótica de suspense puro: “The Third Voice”, com Edmond O’Brien; “Dial M, for Murder”, de Hitchcock, com Ray Milland e Grace Kelly; “Ten Days Wonder”, de Claude Chabrol, com soberbas interpretações de Orson Welles, Anthony Perkins e Michel Piccoli (no papel de Ellery Queen); “Les Fantômes du Chapelier”, também de Chabrol, baseado agora em Simenon, com Michel Serrault e Charles Aznavour; “Cape Fear”, de Jack Lee Thompson, 1991, com Robert de Niro e Nick Nolte; “Strangers on a Train” e “The Rope”, de A. Hitchcock, com Farley Granger, James Stewart, Robert Walker, baseado no livro de Patricia Highsmith; “The Naked Face”, de Sidney Sheldon, com Roger Moore, 1968 e tantos, tantos outros.
SUSPENSE
O público sabe quem é o criminoso (ou, por vezes, pensa que sabe), mas a polícia (ou um innocent bystander) não lhe conhece a identidade, ou não se sabe se vai conseguir, ou não, desmascará-lo.
Aqui, melhor que em qualquer outro tipo de história, realizador e atores têm que ser mesmo bons, para que o filme resulte.
Veja-se a refrescante novidade do encantador “The Thomas Crown Affair”, de Norman Jewison (1968) com Steve McQueen e Faye Dunaway, que teve versão posterior (1999), de qualidade muito, muito inferior (com um irreconhecível Pierce Brosnan).
Ou, também, “Blue Velvet”, de David Lynch, 1987, com Kyle MacLachlan e Dennis Hopper.
Recuando no tempo (que abriu caminho a estas obras-primas) temos: “Sunset Boulevard”, de Billy Wilder, em 1950, com Gloria Swanson e William Holden, retrato pungente da podridão no mundo do cinema; o gracioso “Charade”, de 1963, com Gary Grant e Audrey Hepburn, de Stanley Donen; “Conversation”, de Francis Coppola, 1974, com Gene Hackman; ou “The Blue Dahlia”, de George Marshall (1946), com Alan Ladd e Veronika Lake; ainda, “The Lady of Shangai”, de Orson Welles, ou “The Blue Gardenia”, de Fritz Lang, 1953, com Ann Baxter e Richard Conte; “Gilda” de Charles Vidor (1946) com Rita Hayworth e Glenn Ford; “Sorry, Wrong Number”, de Anatole Litvak, 1948, com Burt Lancaster e Barbara Stanwyck; “Laura”, de 1944, realizado por Otto Preminger, onde Gene Tierney, Clifton Webb e Dana Andrews têm soberbas interpretações, que lhe imprimem um odor de tragédia.
Abrirão caminho a “The Birds”, “Marnie”, “Witness for the Prosecution”, “Blade Runner” ou “Minority Report”, estes últimos já em conúbio com a ficção científica.
Out of the past, flashbacks, são técnicas que aguçam a angústia do espectador e, neste tipo de filmes, com os efeitos de luz e sombra e certos planos de distorção, ângulos não muito habituais, enquadramentos claustrofóbicos, plongées que esmagam as personagens e conseguem efeitos arrasadores.
Também a tipo de filmes foi (e é) possível dar dimensões sociológicas, políticas ou culturais, que os tornem um instrumento de contestação social por excelência. Que, como sabemos, o cinema pode ser, se o deixarem. Também há estilistas, essencialmente atentos ao terror ou angústia que inspiram pavor aos que os veem. E humanistas, ansiosos por denunciar as taras de uma religião, de um sistema, de uma sociedade.
ESPIONAGEM NO CINEMA
Em filmes tendo-a por tema, há excelentes adaptações baseadas em obras de Len Deighton: “My Funeral in Berlin”, de G. Hamilton, com Michael Caine, que também protagoniza “Ipcress File”, do mesmo autor, assim como “Fourth Protocol” este partilhado com Pierce Brosnan. Muito mais antigo, sobressai um grande clássico, baseado em obra de Ambler, “The Mask of Dimitrios”, realizado por Jean Negulesco (1944), com Peter Lorre, Sydney Greenstreet, adaptado ao cinema por Frank Gruber.
Mas no vitoriano e formoso reino de sua Majestade, terra de espionagem por excelência, reina em geral a monotonia. Os filmes de valor mais do que relativo de Carol Reed (“Third Man” e “Our Man in Havana”), ambos centrados em Graham Greene e na genial qualidade cénica de Orson Welles e Alec Guiness, “The Spy who came in from the Cold”, mais uma vez, valorizado apenas pelo extraordinário ator que foi Richard Burton (e pelo livro em que se baseia, de John Le Carré), mas, infelizmente, com péssima realização de Martin Ritt.
Aliás, a obra de John Le Carré está na base de diversos filmes anglo- saxónicos: “The Deadly Affair”, de Sidney Lumet, “The Looking Glass War”, de Frank Pearson, “The Russia House”, de Fred Schepisi, mas também “The Tailor of Panama”, de John Boorman, “The Little Drummer Girl”, de George Roy Hill, e aqueles que que reputo os mais próximos da sórdida realidade que foi a vida de Le Carré, “Tinker, Tailor, Soldier, Spy”, em duas versões, a primeira com Alec Guinness, no papel de George Smiley, a segunda, mais recente, com Gary Oldham.
Não esqueçamos “Sabotage“, baseado em obra de Joseph Conrad, numa excelente realização de A. Hitchcock.
Mas talvez nenhum dos citados tenha ultrapassado o escritor escocês Alistair McLean (1922-1987), que bate os records de adaptação cinematográfica de quase todos os seus best-sellers, à maneira de C. S. Forester (outro génio, para este tipo de livros de leitura fácil), mas com uma fertilidade de imaginação, um ritmo que nunca afrouxa, um carácter épico, ajudados pela experiência militar do autor, que serviu na Royal Navy, durante a Segunda Guerra Mundial.
À maneira de Cecil Scott Forester, (1899-1966) outro génio, para este tipo de livros de estilo e enredo mais acessíveis, como a saga de “Horatio Hornblower“.
Voltando a Alistair McLean, não nos escapa o carácter eminentemente “visual” que imprime a todas as suas histórias, com suspense que ressuma pelos poros de cada minuto do enredo.
“Guns of Navarone”, 1961, de L. J. Thompson, “The Satan Bug”, 1965, de John Sturges, “Ice Station Zebra”, 1968, de John Sturges, “Where Eagles Dare”, de 1969, de Brian Hutton, “Breakheart Pass”, de 1976, de Tom Gries, “Force Ten from Navarone”, de 1978, de Guy Hamilton, tantos mais…
Hoje em dia, a geoestratégia planetária, ultrapassada a guerra fria, obrigou a alterar enredo, vilões e conteúdo destes filmes. Daí a teoria da conspiração, tão querida aos Chris Carter de Seattle, o terrorismo e os assassínios por motivos de política (ganhar ou perder eleições, por exemplo), as maldades das máfias russas, colombianas, líbias, chinesas.
Um mínimo sentido de realismo, alguma profundidade são, a meu ver, atingidos em muito poucos filmes (sobretudo realizados entre 1940 e 1960), de que destaco “Five Fingers” (1952), realizado por Joseph l. Mankiewicz, com um insuperável James Mason, e “North by Northwest”, 1959, de Alfred Hitchcok, graças à soberba interpretação de Gary Grant, Eve Mary Saint, Martin Landau e da do vilão, o eterno James Mason.
MURDER COM CHÁ E SCONES
Expor um problema policial, salientar a inteligência de um criminoso num homicídio impiedoso ou a sagacidade de um detetive ao resolver um crime num quarto fechado ou com arma impossível, requer muita capacidade inventiva, bom casting e realização que, ou é genial ou mais vale não fazer o filme.
Para se não cair num incomensurável ridículo. Esta exigência colocou, quase de início, insuperáveis problemas de achar técnicas de imagem, efeitos especiais visuais inovadores, fotografia de qualidade, ação, ritmo e um toque de thriller, que evitassem o tédio de um enredo muito intelectualizado, interpretação convincente e adequada.
Foi um percurso longo e difícil.
De início, faziam-se filmes populares, sem sentido crítico, baseados em novelas de Edgar Wallace (“Zimmer 13”, de Harald Reinl, “Games”, de Curtis Harrington, “The Cat and the Canary” de Paul Leni, por exemplo), com cenários reduzidos e medíocres, atores apagados e orçamentos de série “B” ou “C”, talvez “Z”.
Claro que a ideia de evitar ver este tipo de filmes generalizou-se, por vezes com injustiça, mesmo nos primeiros tempos do género.
Ingleses, americanos e franceses conseguem (de quando em vez) superar este state of the Arts (literalmente), em filmes que vão, desde a consagração dos grandes detetives[1], a suspense (“Green for Danger”, de 1946, de Sidney Gilliat, baseado na obra de Christianna Brand), de polícia e ladrão (“The Spider and the Fly”, 1950, de Robert Hammer), dramas pessoais levando ao crime (“Absolution”, 1981, de Anthony Page, com uma soberba interpretação de Richard Burton) e tantos mais (“Manderson Affair”, 1952, com Orson Welles e Michael Wilding, realização de Herbert Wilcox).
Há também o humor negro, desde o fabuloso trabalho de George Pollock, subvertendo (com a ajuda genial de Margareth Rutherford), a figura de Miss Marple e realizando quatro filmes (apenas remotamente relacionados com a obra de Agatha Christie, entre 1962 e 1964), de um humor sem mácula: “Murder Ahoy!”, “Murder at the Gallop”, “Murder, she Said!”, “Murder Must Foul!”, mantendo deste modo uma excelente tradição (longa de décadas) de um quantidade de filmes que douram o brasão do humor negro britânico.
Ou, por exemplo, duas pequenas obras-primas: o filme de Robert Hamer, “Oito vidas por um Título” (“Kind Hearts and Coronets”), com Alec Guinness, em oito papéis, e Dennis Price, ou “Lady Killers”, de 1955, de Alexander Mackendrick, com interpretações fabulosas de Alec Guiness e Peter Sellers, entre outros.
FLIBUSTEIROS DE ASTON-MARTIN
Quando se fala de Ian Fleming (já o fiz) não se pode esquecer a saga interminável (e ainda em curso, talvez menos ridícula) do 007, com começo em David Niven (na verdade, em Sean Connery) e reedições que já vão na décima ou décima primeira “figura interpretante”.
Falar de flibusteiros é dar o tom deste tipo de filmes, espécie de Salgaris ou de bandas desenhadas de aventuras, sem grande nexo (que ninguém lhes pede), onde um sofisticado super-herói-espião de Sua Majestade ou da C.I.A. (de que Oppenheim não desdenharia a paternidade) liquidam, sucessivamente, bandidos de pistolas de oiro, Hearsts de incrível maquiavelismo, organizações secretas, sociopatas de muito dinheiro. Claro que todos eles dão ordens às superpotências, ou exercem terríveis formas de chantagem sobre elas.
Combatem-nos sofisticados espiões, capazes de escolher o vinho adequado para a lagosta à Richelieu, vestindo em Saville Row, conquistando tudo o que é mulher com menos de trinta anos e andando em Aston-Martin ou Rolls (consoante a hora do dia) que também disparam mísseis (os carros).
Quanto a espiões de segunda, parafraseando a Bíblia: “…o seu nome é legião“.
Prefiro pessoalmente a sátira televisiva (low budget) americana “Get Smart” ou o black humour de “Carry on…” do Reino Unido.
POLAR (FRANCÊS)
Nos começos, o cinema francês recorreu aos clássicos e, do ponto de vista estritamente cinematográfico, também não inovou grande coisa. Sobretudo se comparado com as inumeráveis espécies de descobertas estilísticas e de interpretação, enriquecendo o cinema policial americano (além da prata da casa de atores da craveira de um Henry Fonda ou um Orson Welles) com inúmeros germânicos, checos, austríacos e outros, fugidos da Europa à barbárie fascista.
Christian Jacques adapta, em 1938 e 1941, dois livros de Pierre Véry (“Les Disparus de Saint-Agil” e “L’Assassinat du Père Noel”), muito bons, sobretudo com as limitações de que os produtores dispunham numa França ocupada pelos nazis.
Henri Decoin, por seu turno, adapta ao cinema “Les Inconnus dans la Maison”, em 1941, “L’Homme de Londres”, em 1943, ambos baseados em Georges Simenon e “Dortoir des Grandes”, de Stanislas-André Steeman. Nota-se nele, uma louvável procura de estrita fidelidade aos cânones do romance policial.
Em 1948, porém, dá-nos ainda um inconcebível inspetor, digno de um cenário de B. D., (interpretado por Louis Jouvet), em “Entre Onze Heures et Minuit”.
Segue-se, em 1954, “Razzia sur la Chnouf”, dum livro de Auguste Le Breton, do qual também Jules Dassin, um americano em França, retirará um outro bom filme (“Du Rififi chez les Hommes”).
Em “Maléfices”, baseado no livro de Boileau-Narcejac, vai ao cume da sua atividade de realizador no policial.
Julien Duvivier, por seu turno, cria o primeiro looser do cinema negro francês, graças à classe de Jean Gabin, em “Pepe le Moko”, de 1936. E repete a receita, graças ainda a Gabin, em 1956, com “Voici le Temps des Assassins”.
Marcel Carné, com a ajuda de Jacques Prévert e Pierre MacOrlan, passa ao cinema (1939) “Quai des Brumes” e “Le Jour se Lève”. Mais uma vez Jean Gabin dá, pela sua extraordinária interpretação, uma muito maior valia ao trabalho do realizador.
Com Carné começa aquilo a que se chamou um romantismo idealista do bas- fond, dando ao crime profundas, e por vezes dramáticas, ressonâncias sociais.
A ocupação nazi da França e da sua indústria cinematográfica marca um aumento de qualidade e quantidade de filmes deste género, já que análises do mundo real eram impossíveis, ou quase totalmente desvirtuadas pelas garras de Abetz, constrangimentos a que por vezes conseguia escapar o cinema policial.
Henri-Georges Clouzot (1907-1977), por exemplo, com “Le Corbeau”, em 1943 (com interpretação impecável de Pierre Fresnay), utiliza da mais ortodoxa das maneiras, o whodunit para nos pintar, com a negrura mais absoluta, um mundo habitado pela maldade e pela hipocrisia.
Em 1947, recidiva, com análise psicossociológica à mistura, na adaptação de “Quai des Orfèvres / Légitime Défense”, saído da obra de Stanislas-André Steeman, com excelente interpretação de Pierre Jourdan, em M. Wens, e Jean Servais, num pequeno papel.
Em “Les Diaboliques” (1955), fora-de-série de Boileau-Narcejac, a muitos títulos, graças à interpretação soberba de Simone Signoret e Paul Meurisse, consegue criar um claro-escuro de limbo infernal, verdadeiramente notável. À maldade dos criminosos, corresponde a perfídia das imagens.
Como a brutalidade do ritmo e das peripécias que consegue criar, no thriller “Le Salaire de la Peur”, baseado este em obra de George Arnaud, com atuação notável dos dois tropical tramps (Georges Arnaud dixit), Yves Montand e Charles Vanel.
André Hunebelle assina, por seu lado, três filmes scriptados-dialogados por Michel Audiard: “Méfiez-vous des Blondes” e outros dois, de menos valor.
Jacques Becker (1906-1960), com “Dernier Atout” (1942), “Goupi Mains Rouges” (1943), “Casque D’Or” (1952), onde nos conduz a um drama de marginais, na Belle Époque, o maravilhoso filme (Albert Simonin, no livro e o sempre genial Gabin, no protagonista, Max) “Touchez-pas au Grisbi!”, de 1953, “Les Aventures d’Arsène Lupin”, de 1957 e, no ano da sua morte, “Le Trou”.
“Les Femmes s’en Balancent” e “La Môme Vert-de-Gris”, de 1951 e 1953, devem-se a Bernard Borderie.
Não esqueço a adaptação de Cheyney, por Jean Prosper Sacha: “Cet Homme est Dangereux”, de 1952, com Eddie Constantine, seguindo-se a dois filmes, a rever: “Carrefour du Crime“, de 1948, “Fantômas“, de 1947, com Simone Signoret e André le Gall.
“Reproduction Interdite”, 1956, “Échec au Porteur”, 1957, “125, Rue Montmartre”, 1959, “Le Rouge est Mis”, 1957, “Le Désordre et la Nuit”, 1957, “Le Cave se Rebiffe”, 1961, todos com Gabin, todos de Gilles Grangier. “Classe Tous Risques”, 1960, de Claude Sautet, baseado no romance do inigualável José Giovanni, com um comovedor Lino Ventura, Jean-Paul Belmondo e Sandra Milo.
O complexo “Max et les Ferrailleurs”, 1971, com base na obra de Claude Néron, e com Michel Piccoli, numa boa interpretação de Max, le fou, também do versátil Claude Sautet.
“L’Affaire Dominici”, de 1973, sempre com Gabin, já patriarca, de Claude Bernard-Aubert, como, no mesmo ano, o notável “Deux Hommes dans la Ville“, de José Giovanni, com Alain Delon e Gérard Depardieu.
Chave de ouro final (desta época, cujos descendentes a distribuição americana assassinou) para Costa-Gavras, com “Compartiment Tueurs”, de 1965, baseado no perverso romance de Sébastien Japrisot (testemunhas de um crime, eliminadas uma a uma).
André Cayatte (1909-1989) começa em 1945, com “Roger la Honte” e continua, no campo do “courtroom drama” com “Justice est Faite!”, “Nous Sommes tous des Assassins”, de 1952, com Marcel Moulodji e Raymond Péllegrin, “Avant le Déluge”, “Dossier Noir”, de 1955, com Bernard Blier, “Les Risques du Métier”, de 1967, com Jacques Brel, “La Glaive et la Balance”, de 1963, com Anthony Perkins, Jean-Claude Brialy, Renato Salvatori e “Piège pour Cendrillon”, todos no período dourado de 1945 a 1968.
Com Yves Boisset (“Un Condé”, de 1970, “L’Attentat”, sobre o caso Ben Barka, “Le Juge Fayard dit le Shérif”, de 1976) o cinema policial francês quer-se engagé, denunciador das taras e desigualdades sociais, na linha dos filmes italianos dos irmãos Damiani e Francesco Rosi.
Alain Corneau mantém a chama com uma obra muito irregular: “Police Python 357”, de 1976, “Série Noire”, de 1979, com uma interpretação fabulosa de Patrick Dewaere, “Choix des Armes”, de 1981.
Num tom Dirty Harry, anos trinta, vale a pena ver os dois “Borsalino” (série quase de negro-BD, com Alain Delon, Jean-Paul Belmondo e o versátil Michel Bouquet), que tentam criar Chicago em Marselha (tipo “bon enfant”) nos anos vinte-trinta, na minoria corsa do milieu.
A realização, de Jacques Deray, embora com diálogos e argumento de Claude Sautet, baseado no livro “Bandits de Marseille”, de Eugénio Saccomano, deixa muito a desejar, como também a de “Flic Story”, de 1975, com Delon e Trintignant, baseado na obra, dita autobiográfica, de Roger Borniche.
Aliás Delon e Jean-Paul Belmondo mereciam aqui um lugar à parte, sempre excelentes, algumas vezes mal dirigidos, com argumentos vibrantes e sem tempos mortos, mas muitas vezes indigentes e indignos deles.
O que é pena.
Belmondo, em “L’Alpagueur” de Philippe Labro (1976), com Bruno Crémer, “Le Doulos” (1962) de Jean-Pierre Melville ou “Le Cerveau”, de Gérard Oury, com Bourvil, mostra-se um excelente intérprete, perfeitamente à altura e para além das espirituais momices à Van Damme que o obrigaram (também) a fazer.
Delon, por seu turno, protagoniza excelentes policiais em “Les Félins” (1964), com Jane Fonda, dirigido por René Clément, “Mort d’un Pourri” (1977), de Georges Lautner, com Stéphane Audran e Maurice Ronet, “Un Flic” (1971), de Jean-Pierre Melville, com Jeanne Moreau e, sobretudo, “Le Clan des Siciliens“, de Henri Verneuil (1975), “Les Aventuriers“, de Robert Enrico (1975) e, sobretudo, a comovente história passada no Paris ocupado pelos nazis (realização de Joseph Losey, 1976) “Monsieur Klein”, sem falar de “Samurai”, filme antológico.
Georges Simenon é adaptado a torto e a direito, fora da saga Maigret (por Serge Gainsborough, em 1982, “Équateur”; por Claude Chabrol, em 1991, “Betty”, por Pierre Granier-Deferre, “L’Étoile du Nord” e “Le Train”, com actores como Romy Schneider, Jean-Louis Trintignant, Simone Signoret, Philippe Noiret, …).
Claude Miller marca presença com “Garde à Vue”, protagonizado por Lino Ventura, Michel Serrault, Romy Schneider, de 1981, filme notável e “Mortelle Randonnée”, (1983), com Isabelle Adjani, Michel Serrault, Stéphane Audran. Também “Dernier Domicile Connu” ou “Une Robe Noire pour un Tueur”, de Jose Giovanni (1969 e 1981), embora denotem empenho do realizador, estão longe da qualidade do núcleo de ouro acima referido, como “Adieu Poulet!”, beneficiando este, no entanto (o que o salva), de excelentes interpretações de Patrick Dewaere e Lino Ventura.
Exceção que merece que seja visto e revisto “Le Cercle Rouge”, de Jean- Pierre Melville, com Alain Delon, Bourvil (simplesmente genial, no papel de Commissaire Matteï), Yves Montand e Gian–Maria Volonté (1970), onde se atinge o ápex da década de ouro do policial francês.
Claude Chabrol lança, no curioso “Landru” (1962), as reais potencialidades do subaproveitado Charles Denner, François Truffaut, em “La Mariée était en Noir” (1968), baseado em William Irish, com a ajuda de Jeanne Moreau, Michel Bouquet, Michel Lonsdale, Jean-Claude Brialy e Charles Denner, excedem a mediania em que se foi caindo e são também marcos obrigatórios do policial francês.
A França pode gabar-se de ter tido no cinema uma das melhores interpretações de serial killers que tenho visto: “Le Boucher”, 1970, realizado por Claude Chabrol. Refiro-me a Jean Yanne.
Com concorrentes da craveira de Michel Serrault, noutro filme magistral do mesmo realizador, este de 1982: “Les Fantômes du Chapelier”, onde Charles Aznavour tem igualmente uma excecional interpretação.
Os grandes detetives não são esquecidos e desde o pachorrento e simpático Jules Maigret interpretado, ao longo do tempo e em inúmeros filmes, por Abel Tarride em 1932, Pierre Renoir, Jean Gabin (a meu ver, o melhor de sempre), Michel Simon, Jean Richard, Bruno Crémer.
Quanto ao multifacetado e cativante belga M. Wens (de Stanislas-André Steeman) temo-lo na pele de Pierre Fresnay (nos melhores filmes baseados em obras de de Steeman: “Le Dernier des Six” e “L’Assassin habite au 21”, de Georges Lacombe).
“Rouletabille”, na de Roland Toutain e Serge Reggiani.
Obras de referência do romance policial francês, que o cinema ajuda a fazer perdurar no tempo.
Hoje, temos de nos contentar mais do que com medíocres realizações de Mathieu Kassowitz ou Chris Nahon, adaptações de Jean-Christophe Grangé, com Jean Reno, (no papel de comissário Niemans). “Les Rivières Pourpres”, “Les Anges de l’Apocalypse”, “L’Empire des Loups”. Filmes sem garra ou personalidade (apesar do mérito das interpretações de Jean Reno e Vincent Cassel, que fazem o que podem para “salvar” a personagem que interpretam). Melhor que a média, “Ne le dis à Personne” (2007) de Guillaume Canet, com base na obra do americano Harlan Coben, interpretação excelente de François Cluzet, Marie-José Croze e André Dussollier, que mal se avista no circuito comercial.
Ninguém os vê (nem em França), ninguém os comenta, todos os esquecem. A colonização pelas distribuidoras norte-americanas é impiedosa.
TENDÊNCIAS EMERGENTES
No início, o filme de suspense, medo ou ação, pouco tinha que intimamente o ligasse ao horror puro, ao cemitério de Dráculas, lobisomens, Ghouls ou demónios, saídos diretamente dos caldeirões de Lúcifer. Não tarda que o menu se alargue e se torne cada vez mais esotérico.
Há, no entanto, exceções (e de enorme mérito): “Old Dark House”, 1932, de James Whale, com Boris Karloff, Charles Laughton e Raymond Massey, baseado em obra homónima de J. B. Priestley; “Angel Heart”, de Alan Parker, baseado no livro de William Hjosberg, com Mickey Rourke, Robert de Niro, Charlotte Rampling; ou a deliciosa comédia negra de Frank Capra (1944), “Arsenic and Old Laces”, com Gary Grant, Peter Lorre e Raymond Massey, em excelentes interpretações.
“Psycho”, com interpretação de Anthony Perkins (muito adequado ao papel) e Janet Leigh, realizado obviamente por Hitchcock, é premonitório da mudança. Estamos em 1960. O sadismo, os serial-killers, as perversões dos Tarantino, vêm para ficar.
Quentin Tarantino, com o seu delirante estilo inimitável dá-nos, em “Pulp Fiction”, 1994, “Reservoir Dogs”, 1992 ou “Jackie Brown” de 1997, (baseado no romance de Elmore Leonard), uma sequência de eventos, um recurso ao cocktail temporal, uma originalidade que dificilmente se poderão ultrapassar. Sam Peckinpah (“Straw Dogs“, “The Getaway“) Brian de Palma (“Blow-out”, “Vestida para Matar”, “Dália Negra“, entre muitos) recidivam, com alguma qualidade, tentando inovar sempre que realizam um novo filme.
Com William Friedkin, o perfeccionista, obcecado no que toca às polícias, cria- se uma nova escola que, baseada na gíria freudiana para leigos, procura apresentar criminosos, polícias e até vítimas, dominados por tendências autopunitivas, regressões patológicas, neuroses e traumatismos infantis, que se substituem às verdadeiras causas sociais da esmagadora maioria dos crimes. Agressividade, sadismo e horror são apenas o resultado de uma “fixação da libido” e, em escalada inconcebível (porque dinheiro ou desigualdades sociais são meros acessórios), entra-se no horror sem limite[2].
Há exceções, claro. “Fargo”, “Miller’s Crossing” são filmes cativantes dos irmãos Cohen, de 1996, ou “Heat”, de Michael Mann, do ano anterior, demonstram que o velho duelo do bem e do mal ainda funciona (e até dá bons filmes).
No novo cinema, “The Silence of the Lambs”, de Jonathan Demme, como “Red Dragon”, “Hannibal”, “Hannibal Rising” (Michael Mann, Ridley Scott, Peter Webber), baseados todos na tetralogia de Richard Harris (com o super serial-killer, Dr. Hannibal Lecter) e ainda “Black Sunday”, “L.-A. Confidential”, baseados nos homónimos de James Ellroy, realizados por Curtis Hanson, dão uma ainda mais crua selvajaria aos filmes deste género.
O horror destes filmes abre caminho a séries da TV (“X-Files”, “Profiler” e “Millenium”, “Criminal Minds“, “Messiah“), sofistica-se ainda mais em adaptações de Jeffrey Deaver “The Bone Collector”, (1999, com Denzel Washington, no papel de um criminologista tetraplégico) “Copycat“, de John Amiel, com Sygourney Weaver, “Sleepers“, de Barry Levinson, “Zodiac“, de David Fincher, “Smokin Aces“, de Joe Carnahan, o terrorífico “Birdman”, de Mo Haider, a encaminhar-nos para um sadismo e crueldade sem fronteiras retrato fiel do fanatismo ultraliberal dos que desconhecem a piedade.
GRANDES REALIZADORES
Entre os grandes realizadores na nossa área, Alfred Hitchcock é um dos maiores (senão o maior).
Nasceu em 1889, (coerentemente) no local de trabalho de Jack, The Ripper e Sherlock Holmes. Foi aluno dos jesuítas, publicitário e engenheiro. Em 1928 (“The Lodger”, “The Ring”, ”Blackmail”, “The Manxman”), começa a realizar filmes que combinam intriga, crimes e humor negro.
François Truffaut disse dele que “infetou todo o planeta com a sua neurose”. Peter Conrad vai mais além. Para ele, “Hitchcock explorou, como ninguém, os quartos fechados e os esconderijos que a fracionada mente humana contém”. Houve sempre quem contestasse a sua obra. Conscienciosos pedagogos, que valorizam os policiais que fez em filme, apenas como pretexto para, em seguida, em porfiadas páginas de grande erudição, terem pretexto para o desancar, por “machismo misógino”, por ser “autor de uma complexa série de tramas que o complexo de Édipo explica”, “controlador visual compulsivo”, “apologista do imperialismo mais opressivo”.
De Hitchcock retenho, sobretudo, a sua soberba secundarização dos guionistas (porque para ele, o cinema devia contar uma história visualmente e, tanto quanto possível, em silêncio), a sua capacidade de transformar estereotipadas estrelas consagradas em verdadeiras personagens das suas histórias (com ele, James Stewart, Kim Novak, Tippi Hedren, Farley Granger, transfiguram-se), de saber tirar o melhor (inovando, sem qualquer servilismo) de ideias de pessoas como Joseph Conrad, John Buchan, Patricia Highsmith, Robert Bloch, Anthony Berkeley, Daphne du Maurier, William Irish, Boileau- Narcejac, entre tantos outros.
Permitiu-se violar toda a espécie de tabus do cinema, como em “The Rope”, com Farley Granger e James Stewart, todo rodado no espaço fechado duma única sala e com três planos-sequência.
“Stage Fright”, de 1950 e “Torn Curtain”, de 1966, demonstram como ele pode alargar um cenário reduzido (ele, para quem os problemas de espaço não tinham segredos). Toda a sua obra genial é um desafio, um jogo de circo, no qual ele se nega a subjugar-se a soluções rotineiras e habituais. E um tema domina quase toda a sua filmografia: o falso culpado, o inocente perseguido, tanto pelo verdadeiro culpado como pela polícia [3] . Como em “North by Northwest” e “The Tirthy Nine Steps”.
Confessa, por esta altura: “O crime impera em todo o lado. Agora mesmo, nas ruas de Londres, passeiam assassinos. Alguns deles, nunca os conheceremos. São os que praticaram o crime perfeito, que nunca se descobre. Por isso, é impossível fazer um filme sobre o crime perfeito. Não nos apercebemos que existe”.
Na década de quarenta, aparece um outro emigrante em Hollywood, Robert Siodmak, já com provas dadas nos cinemas alemão e francês (“Tumultes”, de 1931, “La Crise est finie”, de 1934”, “Pièges”, de 1939)[4]. Tem um estilo mórbido, violento, destrutivo sem excessos, fazendo da angústia, por vezes, um poema trágico em imagens.
Nos seus filmes vive-se sempre, até ao limite, um clima de intenso dramatismo, em que a loucura, o medo e o crime estão estreitamente unidos. Claude Chabrol nasceu em 1930. Em Paris. Se viveu a realidade da segunda Guerra Mundial, com os heroísmos e misérias dos resistentes e colaboracionistas, participou já adulto, a partir de “Le Beau Serge”, de 1958, em que é autor do argumento, diálogos, produtor e realizador, na dita nouvelle vague do cinema francês, que marcará indelevelmente a sua obra.
Em 1959, com “À Double Tour”, baseado em obra de Stanley Ellin, a história policial de um crime, que põe a nu a sordidez de um casal burguês, face à irrupção no seu pequeno mundo, de um jovem refugiado húngaro do levantamento de 1956 (Jean-Paul Belmondo), mais ou menos Beatnik.
Segue-se, no policial, “L’Oeil du Malin”, nada feliz, e “Landru”, com Charles Denner (1962), a cinematização do “Tigre”, com Lino Ventura e depois, Roger Hanin (“Le Tigre aime la Chair Fraîche”, “Le Tigre se parfume à Dinamite”, “Marie Chantal contre le Docteur Kah”).
Começa a sério no policial fazendo um filme soberbo, “La Femme Infidèle”, de 1968, com Michel Bouquet (uma extraordinária figura do policial francês) e Stéphane Audran e “Juste avant la nuit”, de 1971, com os mesmos atores.
São dois implacáveis libelos e um retrato objetivo da nova classe média, emergente com o gaullismo, uma denúncia da hipocrisia que num caso, guardiã da ordem e convenções burguesas, exige a (auto)-punição do assassino, noutro a impunidade. Por exemplo: perante o assassínio involuntário da amante, o autor do crime pretende denunciar-se à polícia, mas é a mulher que o mata, premeditadamente, para o impedir de se confessar.
A perfeição clássica da sua linguagem cinematográfica, melhor ainda que a de Lang, suportada geralmente em argumentos e diálogos da sua lavra, tornam-no um dos grandes nomes do cinema policial.
Continuou, neste campo, entre 1969 e 1995, com “Que la Bête Meure”, baseado no homónimo de Nicholas Blake, “Le Boucher”, um serial-killing film, com Jean Yanne, injustamente esquecido, “La Décade Prodigieuse”, baseado no homónimo de Ellery Queen, com excelentes interpretações de Orson Welles e Anthony Perkins, sendo Michel Piccoli, Ellery Queen, “La Rupture”, baseado em obra de Charlotte Armstrong, “Docteur Popaul”, com Jean-Paul Belmondo e Mia Farrow, de um humor negro delicioso, “Les Noces Rouges”, “Nada”, baseado este em obra de Jean-Patrick Manchette, “Les Innocents aux Mains Sales”, baseado em Richard Neely, “Les Magiciens”, de Fréderic Dard, “Les Liens de Sang”, de Ed MacBain, “Les Fântomes du Chapelier” de que já falei e “Betty”, de Georges Simenon, “Le Cri du Hibou”, de Patricia Higsmith, “La Cérimonie”, desta vez inspirado em obra de Ruth Rendell.
A sua extraordinária perfeição formal, aliada a uma sincera preocupação de adaptar corretamente ao cinema o romance policial escrito (e a sua modéstia) levam-no a dizer, numa entrevista a François Guérif: “Je pense que toutes les catégories sont adaptables, mais il est évident que le polar, avec une atmosphère “Série Noire” est le plus fortement cinématographique. Celui qui est basé sur le suspense est moins facile à adopter. Et encore moins le roman à énigme, de mécanique pure”.
Jean-Luc Godard nasceu igualmente em 1930 e o que eu disse de Chabrol é- lhe aplicável. Etnólogo, liga-se a F. Truffaut, André Bazin e Eric Rohmer, escreve na “La Gazette du Cinéma” e nos “Cahiers”.
A sua obra (como a de Welles, por exemplo), é das mais discutidas da história do cinema. Insolente, sarcástica e provocadora, consiste num edifício altamente sofisticado, aliando audácia, arrogância elitista e agressão deliberada a todas as regras do cinema habitual como se deve fazer.
Despreza a beleza formal, mistura os géneros, agride a burguesia sem contemplações. Com décors naturais, atores quase desconhecidos (em muitos casos), uma mescla de fragmentos, numa montagem aparentemente incoerente. Ressuscita, em science-fiction, o Lemmy Caution de Peter Cheyney, com a figura, costurada de cicatrizes ou bexigas, de Eddie Constantine; em “Bande à part”, parodia o género negro.
Em 1965 faz “Pierrot, le Fou”, com Jean-Paul Belmondo, um extraordinário exercício de virtuosismo cinematográfico, como o serão, em menor grau, “Le Grand Escroc”, “Week-End” e outros.
Fritz Lang, por seu turno, nasceu em Viena, em 1890, começando a sua carreira com argumentista e autor de diálogos, em policiais na Alemanha. Em 1931, revela-se no primeiro policial que dirigiu, “M”, que revela também o génio de Peter Lorre e, no ano seguinte (pouco depois, emigrará para Hollywood) em “Das Testament von Doktor Mabuse”. Os temas policiais, povoarão todo o seu percurso, até à morte.
O aristocrático austríaco de monóculo (morreu em 1976) era um menestrel da fatalidade, com muito pouca confiança na centelha angélica dos seus semelhantes.
Em todos[5] os seus filmes nos apercebemos, com prazer, do uma ausência quase total de sublinhado estilístico, de um severo classicismo, aliado a um rigor de imagens inflexível e de uma extrema simplicidade. É visível um prazer evidente em filmar aquilo que de mais sombrio e rocambolesco tivesse o guião.
Depurador da construção fílmica, austero crítico dos vícios de uma sociedade americana longe da que imaginava, cria uma obra singular (vejam-se os excecionais policiais, procedural e hard-boiled, “Beyond a Reasonable Doubt”, de 1956, ou “The Big Heat”, de 1953) e foi, sem dúvida, um dos nomes mais marcantes do cinema de temática policial.
E passamos a um americano (1909, Lacrosse, Wisconsin) que, para ter liberdade criativa, emigrou para a Europa (Inglaterra): Joseph Losey.
Trabalha, ainda nos EUA, com Bertold Brecht, o que influenciará a sua obra.
De educação rigorista puritana e culto, assume singularmente a estética brechtiana, aplicando-a ao cinema. Alia-lhe uma experiência teatral profunda (Harvard Graduate School of Arts and Science, 47 Workshops) e o seu trabalho cinematográfico condu-lo a um aperfeiçoamento formal e um maneirismo, decisivos na marca do seu estilo. Claro que foi incluído na Lista Negra da Comissão de Atividades Antiamericanas, do desprezível MacCarthy e teve de assinar muitos dos seus filmes com pseudónimos[6].
E volto a França, para referir, com prazer, Jean-Pierre Melville.
Que, nascido em Paris em 1917, é desde sempre, um apaixonado pelas técnicas cinematográficas e romances policiais anglófonos (apesar de acusado de pró-nazi, após a libertação).
Em 1955, com o seu quarto filme, “Bob le Flambeur”, começa, qual demiurgo aburguesado, a criar o seu próprio mundo: os marginais que vivem na e da noite, seres desenraizados onde já não existe possibilidade de amor, mas quando muito de camaradagem, seres sem esperança buscando a morte pelo absurdo em que, para eles, a vida se tornou.
Uma mistura explosiva de tragédia e de pessimismo existencial, sem mitos redentores, onde só a violência nos faz sentir vivos.
Há quem diga que a sua maneira de filmar não ultrapassa um epidérmico e estereotipado mimetismo do thriller americano. Que a sua introspeção, na base das razões de agir de polícias e assassinos, é de um esquematismo inicial sempre previsível, filme após filme. Que é, assumidamente, um comercialão.
Não concordo totalmente.
Vejo-o como um bom realizador, que deu anos de ouro ao policial francês, realizando, com orçamentos baixos, filmes de excelente trama e perfeição formal, evidentemente muito pessoais, sob uma visão do mundo (a sua) glacial.[7]
Pierre Garnier-Deferre e Georges Lautner, com dois excelentes filmes “Adieu, Poulet!” (1975) e “Mort d’un Pourri” (1977) devem muito a Melville embora, ao contrário dele, se pretendam sentir obrigados a intervir socialmente, denunciando a corrupção política e policial, e as pequenas bandalheiras do quotidiano, na luta contra o crime.
E continuamos em França, com um grande senhor do cinema (à ce qu’on dit): François Truffaut.
Nasceu em 1932, também em Paris. Cabeça de fila do movimento politique d’auteurs, saído, em 1954, dos Cahiers du Cinéma (no seu número 31, publicam o desapiedado manifesto de Truffaut), que, em menos de cinco anos, se tornará a nouvelle vague.
Cineasta lírico, dividido entre a angústia e o desespero (só ele poderia adaptar com pleno êxito, em França, William Irish), faz a sua câmara transmitir-nos as mais diversas realidades como se fosse o olhar de uma criança, que fixa pela primeira vez e com candura, algo que nunca viu até aí. Não se lhe peça que narre, mas que mostre, faça subentender, apreender como que em material primevo.
E que belos filmes ele nos deu! Ajudado é certo, por atores com a craveira de Jeanne Moreau, Jean Ianne, Mireille Darc, Michel Lonsdale, Michel Bouquet, Jean-Paul Belmondo, Julie Christie, Charles Denner, Charles Aznavour e tantos, tantos outros.
“Tirez sur le Pianiste!”, “La Mariée était en Noir”, “La Sirène du Mississipi” justificam, por si só, a sua presença aqui.
Outro, austríaco surge agora no horizonte.
Nascido em Viena, em 1906. Mais um genial realizador, que a perversidade nazi empurra para o exílio e vai enriquecer as ménageries de luxo de Hollywood. Falo de Otto Preminger.
Teve sempre, nos seus filmes, uma sensibilidade e uma inteligência que espantam, tornando, por vezes, guiões banais ou mesquinhos, em verdadeiras obras-primas.
“Laura”, de 1944, ficará como um dos maiores filmes negros de sempre. O seu tratamento da história de uma mulher que se pensava estar morta e regressa, é de mestre. Usando uma história da autoria de Vera Caspary (1899-1987), como se diz no início do filme (Gene Tierney, Clifton Webb, Dana Andrews, Vincent Price, Judith Anderson): “Jamais esquecerei o fim-de- semana que se seguiu à morte de Laura”[8].
E chegou a vez de vos falar do génio americano que teve por nome George Orson Welles.
Nasceu em 1915, em Kenosha, no Estado de Wisconsin. É um pretensioso e insuportável narciso, bom em rádio (mistificação em 1939 da War of the Worlds, tornada “real”, genialmente, num programa de rádio de Wells), literatura, teatro, pintura, ilusionismo. É biógrafo e imitador.
E um excecional ator.
Autor prodigioso de “Citizen Kane”, em 1941. Que lhe traz o ódio do óbvio retratado, William Randolph Hearst, e o seu exílio voluntário na Europa[9].
Carlos Macedo
[1] Sherlock Holmes (encarnado sucessivamente, em dezenas de filmes, por Arthur Wontner, Raymond Massey, Clive Brook, Douglas Wilmer, Basil Rathbone, Peter Cushing, John Neville, Robert Stephens, Roger Moore, Christopher Lee, Nicol Williamson, Christopher Plummer, Michael Caine, Charlton Heston, Jeremy Brett), Philo Vance, (com Jim Backus e William Powell, a dar-lhe vida no écran), Maigret, (com Albert Préjean, Michel Simon, Jean Gabin, Jean Delanoy, Jean Richard, Bruno Crémer, Harry Baur, Charles Laughton, Rupert Davies, Michael Gambon, Rowan Atkinson), Bulldog Drummond (com John Howard, em sete filmes), várias versões menores de Wimsey, Campion, Wexford, Dalgliesh, Morse e outros, (de que falarei na parte dedicada à TV).
[2] “The Exorcist”, 1973, “Sorcerer”, 1977, “Cruising”, 1980.
[3] Da sua extensa filmografia extraio, pelo gosto pessoal: “Number Seventeen”, de 1932; “The Man who Knew too Much”, de 1934; “The Thirty Nine Steps”, de 1935; “The Secret Agent”, de 1936; “The Lady Vanishes!”, de 1938; “Rebecca” de 1940; “Suspicion!”, de 1941; “Saboteur!”, de 1942; “Shadow of a Doubt”, de 1943; “Spellbound”, de 1945, para a jovem TV; “Notorious”, de 1946; “The Paradine Case”, de 1948; “The Rope”, mesmo ano; “Strangers in a Train”, de 1951, uma das doentias histórias de Patricia Highsmith; “Dial M for Murder”, de 1951; “Rear Window”, do mesmo ano; “To Catch a Thief” e “The Trouble with Harry”, de 1955; “The Man who Knew too Much”, de 1956; “Vertigo”, de 1958, “Psycho”, de 1960, baseado no livro de Robert Bloch; “Marnie”, de 1964; “Torn Curtain”, de 1966; “Frenzy”, de 1971.
[4] Que revela nos States, em “Phantom Lady” (baseado em William Irish), “The Suspect”, “The Strange Affair of Uncle Harry”, “The Spiral Staircase” (Ethel Lina White), “The Killers” (Hemingway), “The Dark Mirror”, “Cry of the City”, “Criss Cross”, “Thelma Jordan”, “I Killed!”, com atores como Burt Lancaster, Dan Duryea, Charles Laughton, Dorothy McGuire, Ivonne de Carlo…
[5] Os seus filmes, “You Only Live Once”, 1937, “Man Hunt”, 1941, “The Ministry of Fear”, 1943, “The Woman in the Window”, 1944, “Secret Beyond the Door”, 1946, “House by the River”, 1949, “The Blue Gardenia”, 1952, “Human Desire”, 1954, “While the City Sleeps”, 1955, “Die Tausend Augen des Dr. Mabuse”, Alemanha, 1960, são clássicos.
[6] Destaco, sem pretender ser exaustivo, “The Lawless”, “The Prowler”, “The Sleeping Tiger”, “Blind Date”, “Concrete Jungle”, “Eve”, “The Servant”, “Modesty Blaise”, “Accident”, “The Big Night”, baseado em Stanley Ellin, “The Gipsy and the Gentleman”.
[7] Alain Delon, Serge Reggiani, Jean-Paul Belmondo e Lino Ventura deram corpo a este cinema. Em “Le Doulos”, L’Aîné des Ferchaux”, “Le Deuxième Souffle”, “Le Samourai”, “L’Armée des Ombres”, “Le Cercle Rouge”, “Un Flic”.
[8] Vejam-se “Fallen Angel”, 1945, “The Thirteen Letter”, 1951, “Angel Face”, 1952, “Anatomy of a Murder”, 1959, baseado em Eastwood, com um excecional James Stewart, “Advise and Consent”, 1962.
[9] No policial, fez algumas obras-primas de marca: “Journey into Fear”, de 1942, terminado por Norman Foster, “The Stranger”, 1946, “The Lady from Xangai”, 1948, “Confidential Report”, 1955, “Touch of Evil”, 1958, “The Trial”, 1962. E desempenhos portentosos em “The Third Man “, de Carol Reed, baseado em G. Greene e “Ten Days of Wonder”, de Chabrol, baseado numa obra do ciclo de Wrightsville, de Ellery Queen.