InícioLeiturasViagens ao interior da literatura do crime e mistério (36 - 2):...
banner-carnaval-Santarem

Viagens ao interior da literatura do crime e mistério (36 – 2): A literatura de crime e mistério também se escreve em português, para que conste

Terminamos hoje a apresentação de alguns aspetos relevantes da literatura de crime e mistério em Portugal, e com este texto põe-se termo à série Viagens da literatura de crime e mistério, esperando não ter defraudado as exigências de todos aqueles que pretendem dispor de um quadro de referência do que há de mais significativo deste subgénero literário que sempre suscitou a atenção de grandes escritores de renome mundial.
Deixámos no texto anterior uma referência a Fernando Pessoa, e damos seguimento a mais protagonistas.


Outro nome a relembrar: Francisco Valério de Rajanto Almeida e Azevedo, que usou como pseudónimos: W. Strong-Ross e Paulo Saltelmo.
Nasceu em Chancelaria, concelho de Alter do Chão, em 18 de dezembro de 1888.
Faleceu a 1 de abril de 1980, em Lisboa. Jornalista, escreveu diversas peças teatrais (“O Dominador”, “José do Telhado”, Renascer”, etc.).
Criador incessante de tudo o que que fosse publicável, na linha dos Horler, Rohmer ou Léon Groc, sem pretensões intelectualizantes, estilísticas ou criativas, não hesitando em pintalgar de fantástico ou ficção científica, as novelas, quando nada melhor lhe ocorria), escreveu muito.
Destaco, sem ser exaustivo, “O Caso Vargas”, “Cúmplices ou Tribunal”, “O Caso do Quarto Fechado”, “O Desaparecimento do Dr. Reis Gomes”, “A Carta Mágica”, “O Pergaminho Roubado”, “O Caso da Janela Estreita” e muitos outros, vários inacabados.
Gentil Esteveira Marques, nasceu em Lisboa, em 1918 e faleceu em 1991, nesta mesma cidade.


Os seus pseudónimos eram inumeráveis e mais imaginativos que os seus “pulps” de muito fraca qualidade: Charles Berry, James Strong, Marcel Damar, Herbert Gibbons, G. D. Richardson, William Forster, Ralph Mollison, Edgard Newilte, D. G. Richter, G. E. Marshald.
Com o seu próprio nome só assinou uma novela policial: “A Arma Secreta”, em 1942. Nele temos outro verdadeiro forçado do trabalho (infelizmente um amontoado de lugares comuns).
Um enorme mérito que ninguém lhe negará é que alimentou quase sozinho, inúmeras coleções populares, durante a segunda Guerra Mundial e pelos anos cinquenta dentro.
Dirigiu suplementos (policiais, cinematográficos, biografias de personalidades, célebres ou não) em vários jornais e revistas, programas de rádio (rádio-folhetim “O Novo Mistério da Estrada de Sintra”, no Rádio Clube Português, o “Momento do Repórter Mistério”, na Emissora Nacional, “Crime e Castigo”, na Rádio Renascença; as “Aventuras de Rangú”, rádio novela policial no Rádio Clube Português, “Rádio Mistério”, na Rádio “Voz de Lisboa”.
Escreveu argumentos para filmes (“Três Dias sem Deus” e “A Volta do Zé do Telhado”).
Acolitado por Leão Penedo, (re)escreveu os livros da uma coleção que vendia a versão popular (muito livre) dos argumentos da série hollywoodesca “Andy Hardy” (1937-1958), protagonizada por Mickey Rooney.
Criou a Revista Detective (Suplemento da Vida Mundial Ilustrada). E são de facto inúmeros os romances policiais que escreveu.
“Destroços”, “Aquela Casa Amarela”, “Os Segredos da Águia”, “Ironias”, “A Ordem Secreta”, “O Homem que Morreu Muitas Vezes”, “Pelos Caminhos da Vida”, de teor mais ou menos policial; “Cemitério sem Cruzes”, “A Ciência do Monstro”, “Os Crimes da Carne”, “O Subconsciente viu os Crimes”, “Um Processo Singular”, “O Caso de Leicester Square”, “A Morte Escolheu”, “A Rede Vazia”, “Tentações Perigosas”, “As Corujas Piam de Noite”, “Na Sombra e no Silêncio”, “Fantasmas do Espelho”, “A Escalada dos Espiões”, “Vão matar o meu marido!”, “O Mistério da aranha vermelha” entre (muitos) mais.
Obras assinando com pseudónimos, na esmagadora maioria dos casos, como, por exemplo:
“Os Cinco Suspeitos de Park House” (como James Strong), “Morte num Manicómio” (como Herbert Gibbons), “Fugiu uma Espia” (como Charles Berry), “Porta Secreta” (como Oliver Sheridan), “Mãos ao Ar!!!”, (como Edgar Walsh), “Assassino de Si Próprio”, “Um Crime no Manicómio” (como Edgar Gibbons),“Charlie Chan na Ilha do Tesouro” e “O Estranho Caso do Victory Dock” (como William Forster), “Um Crime no Estúdio nº 7” e “Um Crime no Desconhecido” (como G. D. Richardson), “O Clube dos Assassinos” (como Ralph Mollison), “O Enigma dos Gatos Brancos” (como Edgard Newilte), “Alarme no 16º Andar” (como D. G. Richter), “O Caso do Coração Roubado” (como G. E. Marshald).
Sua mulher, Maria Amália Marinho Morais Marques (Mariália) nasceu em Lisboa em 1929, jornalista e produtora de rádio, escreveu também, com o pseudónimo de John S. Falk, “O mistério da Bailarina Chinesa”, “Noites Tenebrosas de Xangai”, “Mataram Mr. Shang”; com o de Hugh McBennett, “O Segredo do Castelo de Klavelay” e “Na Pista da Carta Queimada”; como Ossman Matzyk, “A Mulher que sabia Demais”.
Outro produtor hiperfecundo, este já do policial dos anos 40-69: António Andrade de Albuquerque (1929-2018) que enobreceu o seu pseudónimo Dick Haskins.
Obras muito lidas em diversos países, com destaque para a Alemanha, onde foi um autor muito popular.
Organizou, ao todo, para diversas editoras, 21 Antologias de Contos Policiais.
Dois livros foram adaptados à TV, outro filmado, numa coprodução luso-hispano-alemã. Fez adaptações onde consegue criar um clima de terror notável (“Giallo em Português” – RTP)
Teve obras traduzidas em Espanha, México, Argentina, Bolívia, França, Itália, Suíça, Alemanha, Áustria, etc. Foi, merecidamente, o mais internacional dos autores do policial português.
Merece destaque o seu estilo em stacatto, vivo e original, com bom ritmo, sem “tempos mortos”, que conseguia imprimir aos seus livros.
Obras que merecem leitura, escritas entre 1958 e 2002:
“O Sono Da Morte”, “A Sétima Sombra”, “Porta Para O Inferno”, “O Isqueiro De Ouro” que considerava o melhor que tinha concebido, “A Minha Missão É Matar”, “O Espaço Vazio” (foi adaptado à Televisão – RTP), “O Fio Da Meada”, “Premeditação”, “A Hora Negra”, “Fim de Semana com a Morte” (foi adaptado à televisão – RTP e ainda ao cinema, em 1967, em produção luso alemã e espanhola, realização de Julio Coll, com Peter Van Eyck, António Vilar, Artur Semedo, Mikaela), “Obsessão”, “Quando A Manhã Chegar”, “A Noite Antes Do Fim”, “Suspense”, “Processo 327”, “O Jantar é às Oito”, “Clímax”, “Psíquico”, “Labirinto”, “Estado de Choque”, “A embaixadora”, “Lisboa 44”.

Diniz Machado (Dennis McShade)

Diniz Machado

Destaque, relutante, para Diniz Machado (Dennis McShade) um escriba que chegou a dizer, numa entrevista, que tinha escrito o único livro genial por que hoje é recordado (“O Que Diz Molero”), “apenas para ganhar dinheiro”.
Nem comento.
Diniz Machado publicou ainda ”Requiem para D. Quixote” (1967), “Mão Direita do Diabo” (1967), “Mulher e Arma com Guitarra Espanhola” (1968). Nestes três livros, publicados na coleção “Íbis” e na coleção “Rififi”, em meados dos idos de 60, o detective, Dick Marlowe, dá-nos a conhecer a sua atividade em padrões black mask corriqueiros.
Clássico na violência da praxe, aí colabora, nessa espécie de segunda divisão da coleção Vampiro (Livros do Brasil) “uma segunda mão dos policiais”, como ele próprio a classifica, em entrevista ao Expresso.
Com ele, escrevem na Rififi, Miguel Barbosa (Rusty Brown, indubitavelmente o melhor de todos na coleção) e o torrencial Roussado Pinto, o Ross Pynn infatigável.
António Carlos Pereira da Silva, nascido no Porto, em 1940, usou os pseudónimos Simon Ganett e Barney Kilbane.
Como Simon Ganett: 1964, “Sangue Sobre O Mar”; 1966, “O Mais Forte e o Mais Fraco”; 1966, “Armadilha para um Homem Mau”, “Os Olhos Malvados do Tio Jonathan”; 1967, “Operação Utopia”, “Operação Vil Metal”, “Os Crimes do Noivo Fantasma”; 1973, “A Leste do Poder”; 1983, “Desejo-te Boa Morte”.
Com o pseudónimo Barney Kilbane, 1967, “Rubro, Quente e Pegajoso”.
Outro contemporâneo é António Lopes Ferreira, que adopta os pseudónimos de Henry Lime e Alf Land.


Deste último autor bem pode dizer-se, sem perversidade, que gastou toda a sua criatividade e génio em inventar-se pseudónimos anglo-saxónicos. Pouco mais ficará para a posteridade que justifique vénia e elogio rasgado.
Cito, entre outros ainda de menor valia: como Alf Land, 1955, “Seis Raptos de Crianças”, como Henry Lime, 1948, “Três Crimes”.
Mudemos agora para outra estirpe, de muito maior estatura.
Joel Beça da Rocha Lima, 1935, advogado lisboeta, de origem beirã, senhor de uma sólida cultura geral e “Holmesiano” de grande mérito. Foi pelo seu esforço, essencialmente, que nasceram nos inícios dos anos sessenta, os Clubes de amadores do policial (“Clube de Literatura Policiária”) e ficção científica (“Clube Português de Ficção Científica”), dos quais foi pioneiro e incansável animador.
Publicou, na “ultra-seletiva” Calabash Press, de Ashcroft, Colúmbia, Canadá, numa antologia de contos Holmesianos “The Strange Truth About Mary Watson”; na Mysterious Bookshop Editions de New York “Sherlock Holmes and the Mysterious Card”, tendo sido publicamente mencionado em obras de história do policial e science-fiction entre outros, pelo mundialmente célebre J. Forrest Ackermann (EUA).
Organizou um sem número de antologias de ficção científica e policial e também as “Vidas Paralelas de Sherlock Holmes” (1987), em dois volumes, uma das mais completas biografias-antologias de Sherlock originais e bem documentadas e numerosos prefácios em livros da Editora Livros do Brasil, que só graças ao seu esforço pessoal se manteve viva (por alguns anos). É um perito e conhecedor profundo da vida e obra de Reinaldo Ferreira, devendo-se-lhe também a (re)publicação de algumas das suas obras.

Luís de Campos, com o pseudónimo de Frank Gold, professor, nasceu em Lisboa, em 1943. A sua personagem, não muito significativa, é um tal Al Chasey.


Foi o criador de programas policiais para a Rádio Universidade (“Brigada 15”, “23ª Hora”), Rádio Renascença (“Apontamento Policial”), Programa Juvenil da R.T.P. e Diário Popular.
Entre 1961 e 1967 escreveu “Caso de Morte”, “Madrugada depois da Morte”, “A Mulher de Hong-Kong”, “Longa é a Noite” e “Trânsito em Saigão” (novelização do filme do mesmo nome).

N.º 1, Um crime branco, James Marcus, 1950

James Marcus é um caso que honra o género em Portugal e lhe dá uma dignidade a que não estávamos habituados. O pseudónimo neste caso que oculta a identidade de dois primos co-irmãos, ambos magistrados, António e José Pedro Monteiro, que publicaram cinco livros, tendo como detective um erudito Oxfordiano, o Professor Harwood. Dois deles na prestigiada Coleção XIS, da Editorial Minerva (Lisboa), inaugurada aliás, com um dos livros desta série (“Um Crime Branco”).
Muito classicamente dedutivo, tem infelizmente uma caracterização bidimensional, arquetípica, das personagens que antecipa (mas com muito mais nível) o estilo de um Duchâteau ou um Christian Jacq, quando das incursões destes no crime e mistério.
A “dupla” Branco & Barreto (Francisco Afonso da Conceição Branco e Mascarenhas Barreto), situa-se incontestavelmente entre os melhores autores que Portugal deu ao policial.
Celebrizados pelo livro (talvez o melhor da década de cinquenta) “O Clube dos Sete Anões” (“Giroflé-Giroflá”) uma obra original, em clima genuinamente português, pelo conto premiado “Os Sete Anões” (duma ironia notável) e por diversos contos nas Antologias (seis) do magazine Gato Preto.
A própria ideia da solidariedade tribal dos protagonistas, os anões dum clube (um, médico, outro polícia, até um carteirista) é fabulosa.
Só muitíssimos tempos depois, o americano George Chesbro, em outubro de 1971, no Mike Shayney’s Mystery Magazine, com “The Drop”, inaugura a prestigiosa carreira de Robert Frederickson, aliás Mongo, o Magnífico, anão e doutor em criminologia.

Outro nome merece destaque especial: José Augusto Roussado Pinto (Pseudónimos Edgar Caygill / Ross Pynn).
Editor, antologista, tradutor, escritor, era um representante-tipo do operário-vai-a-todas.
Adepto do estilo Spillane, usando temas e linguagem de uma violência brutais, talvez o mais genuíno representante do género “Black Mask” em português (na sua pior forma, antecipa o sadismo doentio de J. Ellroy), publica os livros “O Caso da Mulher Nua”, “O Caso da Mulher Cega”, “O Caso da Mulher Sádica”, “A Mulher Estrangulada com Meias de Seda”, fortemente atacados pela crítica por “reles e pornográficos”, tendo, no entanto, constituído uma “pedrada no charco”, em pleno regime salazarista. Dois ou três merecem leitura.
Escreveu cerca de duzentos livros e organizou diversas antologias de policial, a uma
velocidade estonteante embora com critérios de seleção muito polémicos.
Tudo isto sem deixar de ser jornalista, e dos hiperativos.
Dinis Machado conta-nos que ele, a certa altura, pressionado pela necessidade, começou numa sexta-feira à noitinha um livro que entregou ao editor na segunda-feira.
Voltando atrás no tempo, citamos agora diversos old timers dos anos trinta-quarenta: Fernando de Almiro, há que dizê-lo, é um pseudónimo de autor desconhecido. Prémio 1941 do Século Ilustrado com o romance “O Morto que Mata”, escreveu também “Um Detective no Banco dos Réus”. Possivelmente, sob o pseudónimo Franck Hopkins, escreveu também, em 1943, “O Polvo Amarelo”.
Os seus heróis são o detective português Edmundo Saldanha e um “Scotland Yard”, um tal Dick Thompson.
José Adolfo Coelho (pseudónimo: J. Stew): homem notável, cineasta, escritor, autor teatral e publicista. Nasceu e morreu em Lisboa (1899-1953). Escreve obras de espionagem, em que é pioneiro. (“O Segredo de H-21”, envolvendo e ressuscitando a espia Mata-Hari, “A Estranha Aventura do Marquês de Montarol”, “Porto de Abrigo”, “O Solar Maldito” e obras “documentais” sobre o crime: “Ópio, Cocaína e Escravatura Branca”, “A Internacional do Crime”, “Espionagem”, “Dramas da Espionagem” e mesmo “political fiction” – “A Grande Ameaça”.
Dirigiu uma das mais célebres coleções policiais portuguesas, a par com as Vampiro, XIS e Escaravelho de Ouro: Os Melhores Romances Policiais, da Clássica Editora.
Norberto de Araújo (1889-1952), autor de “O crime da Carne Branca”, ilustrações e capa de Bernardo Marques (Ed. Novela Sucesso, Lisboa, 1923).

Maria Archer (1899-1982) escreveu “A Morte veio de Madrugada”, “Há-de Haver uma Lei”, “Três Mulheres”, “A Primeira Vítima do Diabo”. Na Coimbra Editora, com capas de Victor Palla.

Merece menção especial Miguel Barbosa (que usou o pseudónimo Rusty Brown). Licenciado em Finanças, paleontólogo amador de mérito, arqueólogo e pintor.
Publicado pelas Ulmeiro, Rififi” e outras (nomeadamente nas Bolso da Noite, Ulmeiro Policial). O seu detective, uma caricatura medíocre, meio San Antonio, meio Slim Callaghan, permite-lhe vingar-se do meio intelectual cá do burgo, ressumando um certo ódio, não correspondido, pois ninguém o conhece.
Com uma ironia tipo Artur Portela Filho, mas sem o seu talento, (lembremos, de A. Portela, a estranha e insólita descoberta de um cadáver, em “Thelonius Monk”), arrasa ferozmente os intelectuais e artistas do seu tempo que tem como mais disfrutáveis.
Destacamos de Rusty Brown: “Um Crime Plagiado”, “Rusty Brown e a Fractura da Mafia”, “Rusty Brown em Lisboa”, “Crime à Pressão”, “Crimes do Rouxinol”, “Crimes à Rédea Solta” e “Crimes no Espaço”, estes dois com muito mais originalidade.
Artur Francisco Varatojo, advogado, diretor de inúmeras revistas de temas policiais, assim como de programas de rádio e televisão (até 1974) e inúmeras obras “documentais” (“Visita à Scotland Yard”, “Jack, The Ripper”, “Varatojo conta-lhe…”) e de ficção: “Crime com elas”, “Contos de Natal do Inspector”. Foi (apesar de ser divulgado em 1974 que fora agente da PIDE, o que desmentiu energicamente) um criminologista de algum mérito, membro da Mistery Writers dos EUA.

Acresce, enriquecendo o espólio destes anos, a obra do velho guerreiro Modesto Navarro (nascido em 1942, que tem no seu ativo numerosos livros que merecem leitura). De “Fina Flor” a “Condenada à Morte”, publicados entre 1991 e 1997, da Caminho, foi igualmente publicado nas editoras Ulmeiro, Livros Horizonte, A Regra de Jogo (“Morte no Tejo, “Morte no Douro”, “Morte do Artista”, “Morte do Pai”) escrevendo por vezes com o pseudónimo Artur Cortez.
Caracterização realista do nosso país, enredo da flagrante atualidade. Tentou talvez abrir um precedente o que merece os maiores encómios.
O seu nome está na meia-dúzia que merecem figurar entre os primeiros da ficção portuguesa de crime e mistério.
E passam os anos e surgem novas gerações que alteram o panorama do policial em Portugal.
E, nos anos oitenta, a Editorial Caminho, numa iniciativa de realce, promove a divulgação de uma nova geração de autores portugueses.
De valor variável, notam-se por essa época, especialmente (na quase exclusiva “coutada” da Caminho Policial a quem cabe o mérito quase por inteiro), alguns autores que vivem e retratam, muitos com notável sentido de observação social, o mundo posterior ao 25 de Abril.

O que faz também Carlos de Matos Gomes, nascido em 1946, (pseudónimo Carlos Vale Ferraz) ao relatar num bom livro (“Os Lobos não Usam Coleira”) os órfãos da guerra colonial, que deu origem a um filme de António Pedro de Vasconcelos (“Os Imortais”) com ótima interpretação de Nicolau Breyner, Joaquim de Almeida e Rogério Samora.
Ou as duas excelentes interpretações de Mário Viegas em “Kilas, o mau da fita” (1980) com argumento de Sérgio Godinho e “Sem sombra de pecado” (1983), baseado numa obra de David Mourão Ferreira, ambos realizados por José Fonseca e Costa, ou de novo a sólida interpretação do ator que foi Nicolau Breyner, desta feita num filme de Fernando Lopes, em 1984, a “Crónica dos bons Malandros”, baseado no livro de Mário Zambujal.

Outros nomes da “ménagerie” da Caminho: o escritor João Aniceto (médico nefrologista), com “Sacrifício de Dama” e “A Teia”, na Caminho Policial.
Manuel Grilo, engenheiro-agrónomo, especializou-se em espionagem: por exemplo, a “Rosa Vermelha de Sófia”, com Sheraton e tudo, telefonemas para Malta, muito gelo e coca-cola, muito “James Bondico” no enredo e cenário, num arraial abstruso, o inverosímil Manuel Montejunto, é um amontoado de lugares comuns de péssimo gosto. Há ainda uma Patrícia Collins, muito liberada. Reaparece em “Nóvò”, “Amanhã?”, com muito Maputo, América Latina e Bulgária (que evidentemente é obsessão).
Lugares comuns (com molho marxista) e clonagens de Peter Cheyney, são mais do que muitos.
Maria do Céu Carvalho, figueirense, deu-nos três obras que merecem leitura: “Intermediários, Lª.”, “Feijões Contados”, “Macau… bye, bye!”, onde o tema de sempre é a guerra colonial, as suas sequelas, os stresses pós-traumáticos que gerou. Tudo numa toada surda e banal, perpassando em cada página onde só se leem tristezas existenciais e caçadas.
Miguel Miranda, nascido no Porto em 1956, médico, tem um estilo curioso, até muito vivo, no “Estranho Caso do Cadáver Sorridente” (Prémio Caminho Policial, 1997) e em “Dois Urubus Pregados no Céu”. O investigador, Mário França, que faz o relato em primeira pessoa, tem três dimensões e está menos mal caracterizado.
Justino Pamplona e Luís Rodrigues, deram-nos um “Perfeito como nos filmes” (Prémio Caminho 1987) que merece até releitura. Excelente. Ao Sherlock de serviço, crismaram-no como Henrique Vaz.
Ana Teresa Pereira, madeirense, nascida em 1958 no Funchal e aí vivendo ainda, tem livros publicados nas Editoras Caminho e Relógio de Água. Recebeu merecidamente um Prémio da Caminho Policial (com a obra “Matar a Imagem”, 1989). Escreveu ainda “A Casa do Nevoeiro”, “A Dança dos Fantasmas”, “A Cidade Fantasma”, “A Linguagem dos Pássaros”, alguns mais. O estilo é um pouco repetitivo, recheado com personagens estereotipadas, situações acolchoadas de lugares comuns, livro após livro; não é, apesar de tudo isso, destituído de um certo ritmo.
Algumas obsessões pessoais acompanham toda a sua obra, com muito erotismo “fast food” e uma toada W. Irish, pouco convincente.
Todos revelam possibilidades claras de evolução.
António Silveira, infelizmente em coma, resultado de um acidente de viação, não chega sequer a ver publicado o seu livro “Morto em Combate”, nº 108 da Caminho Policial (nomeado para atribuição eventual do Prémio). Mais uma obra ligada às guerras coloniais, mais uma catarse para a geração dos anos sessenta.

Henrique Nicolau (“O Trabalho é Sagrado”, “Alcança quem não Cansa”, “A Arca do Crime”, “O Assombrado”, “Uma Vida em Beleza”, “Autópsia de um Desatino”, “Todos e Nenhum”), Daniel Tércio (“A Vocação do Círculo”) coincidem numa nacionalização de Black Mask, de coloração progressista, irremediavelmente datados.
Este núcleo de autores apresenta uma visão do policial, que tem, em geral, matriz política progressista, refletindo a visão do mundo de gerações, filhas do 25 de Abril, da guerra colonial, marcadas por traumas e preocupações e estes ligados, olhares ideológicos maduros mas fixados em estereótipos do romance negro americano (em que obviamente se inspiram), procurando dar densidade psicológica e coloração ideológica radical de esquerda a um mundo da noite, que o nosso pacato meio torna irreal e falso.
O uso e abuso do palavrão, da bebedeira a despropósito, do sexo visto pela ótica de
um adolescente, a imitação bem-intencionada de um Chandler (no seu pior) não melhoram a pintura.
Melhoramos muito, mais recentemente, com romances como o de José Xavier Ezequiel, “Fados & Desgarrados” (Campo das Letras, 2007), onde, apesar de tudo, alguns dos lugares comuns “do que se faz lá fora” (diriam Gouvarinho e Acácio) merece nota positiva.
O ódio à P. J. e a fixação no detective privado português (conhecem acaso algum a quem se possa apertar a mão?), por seu lado, sempre presentes, quase um dogma, não ajudam nada.
E, a cada novo ano que passa, outros surgirão, literariamente significativos ou dignos de leitura de supermercado.

Não esqueço ainda o tipo de obras “de enigma e mistério”, com nomes como Clara Pinto Correia (“Adeus, Princesa” e “Se Tivesse a Bondade de me Dizer Porquê?” este escrito com Mário de Carvalho) que devem figurar, com lugar de destaque, nesta geração posterior ao 25 de Abril.
Surgem Antologias: “A Sombra sobre Lisboa”, dedicados a temas lovecraftianos, alguns de índole policial (em 2006). Com a colaboração de João Seixas, António de Macedo, Vasco Curado, João Barreiros e vários outros.
E, sob a coordenação de Luís Filipe Silva (2011), “Os Anos de Ouro da Pulp Fiction Portuguesa”, obra de grande valia, repositório precioso de obras (“populares”) de fantástico, ficção científica, aventuras, espionagem e policial, do início da república à atualidade.

Um brasileiro merece figurar nesta adenda sobre Portugal? E porque não?
Apenas me cabe incluí-lo, porque o aprecio imenso, ao seu humor inteligente, evidenciando boa erudição histórica, nos dois policiais que escreveu: “O Xangô de Baker Street” (pondo Sherlock Holmes a averiguar, sem êxito, os crimes do futuro Jack the Ripper, na corte do Imperador Pedro II do Brasil) e “Assassinatos na Academia Brasileira de Letras” (onde paira a sombra de Machado de Assis). Falo, claro, de Jô Soares (José Eugénio Soares, carioca, n. 1938), espécie de Noel Coward da televisão e do espetáculo, mas a quem ultrapassa em humor, cultura, espontaneidade.
Como epílogo, reservei-me uma adenda dedicada aos nomes de maior prestígio na minha memória literária, não conotados em geral com o policial: Fernando Pessoa, José Rodrigues Miguéis, José Cardoso Pires (e, a falar verdade, até poderia incluir nesta lista, se gostasse de os ler, Jorge Reis e Agustina Bessa Luís).

Fernando António Nogueira Pessoa, (1888-1935), é um dos grandes escritores portugueses. Sem lugar a dúvidas. Consideraram-no, com Pablo Neruda um dos mais representativos poetas do século XX.
Dele disse Octavio Paz, com inteira razão, que era “…um humorista que nunca sorri e nos faz gelar o sangue. Inventor doutros poetas, foi destruidor de si mesmo”. O que corresponde inteiramente à verdade, tanto no sentido próprio, como no figurado.
Educado, na adolescência, na África do Sul (Durban), dominando perfeitamente a língua inglesa, Rosa Cruz, liberal conservador, resolutamente anti-reacionário, as suas duas primeiras obras são escritas em inglês.
Como poderia eu, mesmo neste sombrio pântano lusitano, esquecer Alexander Search (Fernando Pessoa, ele mesmo), autor de diversos policiais-fantásticos, prenhes de inovação, perversos, todos empolgantes. “The Door”, inacabado, e “A Very Original Dinner”, de uma originalidade “ghoulesca”, são duas obras de antologia, que merecem ser lidas, demais sabendo nós que foram escritas por um adolescente de dezoito anos.
Em 1922, publica-se o seu “O Banqueiro Anarquista”, de tema provocador e humor relativo. De “Quaresma, Decifrador”, também falei.
José Rodrigues Miguéis, lisboeta (1901-1980), falecido em Nova York, ideologicamente situado na esquerda do grupo dos fundadores da Seara Nova, personalidade fascinante de estrangeirado, ainda muito mal conhecida entre nós, apesar de terem sido publicados numerosos contos seus, em antologias, em Portugal (sem ser exaustivo: “O Viajante Clandestino”, “O Anel de Contrabando”, “O Crime Perfeito”, “Perdão, Frau Schwartz!”, em “Gente de Terceira Classe”; “Dezasseis Horas em Missão Secreta”, “Regresso à Cúpula da Pena”, em “Léah”). Realço, pela qualidade, a história “Uma Aventura Inquietante” de 1959, e, porventura a sua primeira obra, (“Páscoa Feliz”, 1932, Prémio Casa da Imprensa) num relato em primeiro pessoa de um esquizofrénico, em processo de desagregação mental, que causa desassossego.


José Cardoso Pires (1925-1998), escritor de reputação merecida e talvez mal avaliado (porque ler os seus livros, enriquece-nos), brinda-nos com duas obras estupendas. Em 1968, “O Delfim”, que já deu origem a uma adaptação fílmica, com Alexandra Lencastre e Rogério Samora, que nos conta a estranha história da morte da mulher e do criado do Eng.º Tomás da Palma Bravo.

Em 1982, escreve o premiado (pela Associação Portuguesa de Escritores) livro ”A Balada da Praia dos Cães” (que dá origem igualmente a um filme de José Fonseca e Costa de 1987, com uma soberba interpretação de Raul Solnado, como o chefe de brigada da P. J., Elias Santana), baseada numa história no período da ditadura e do combate de Humberto Delgado. A descoberta de um cadáver enterrado na areia de uma praia, vai-nos explicar o mistério, por relatos paralelos e “flash-backs”.

Francisco José Viegas talvez não devesse figurar nesta lista. Nascido em Vila Nova de Foz Côa, em 1962, jornalista, publicou diversos romances policiais: “Crime em Ponta Delgada”, 1989, “Morte no Estádio”, 1991, “Crime na Exposição”, 1998, “Um Crime Capital”, 2001, “Um Céu Demasiado Azul”, 1995, “Longe de Manaus”, Grande Prémio de Romance e Novela da APE, 2006. Revela um sentido mercenário de marketing (escolhe acontecimentos de impacto como a Expo 1998), mas o estilo é seguro, elegante, a merecer leitura.
Rui de Pina e Brito, (1934-2010), autor de uma obra extensa, vem-nos da publicidade e do jornalismo. Fez dois livros (de uma trilogia que estava prestes a completar), que sendo ficções históricas do Portugal contemporâneo, têm um pé na aventura, outro na espionagem. “Sud Express” (1999), “Nos Olhos do Camaleão” (2001), revelam-nos também algumas crapulices nos primeiros anos da República e nos últimos anos da ditadura de Salazar. Da espionagem à espionagem industrial, o mesmo mundo, os mesmos arranjos. Merece realce pelo estilo límpido, pelo original do enredo e o ritmo rápido que imprime à história que nos conta.


Mário Zambujal (n. 1936), jornalista, tem livros onde, sempre com humor singular, relata histórias saborosas de pequenas patifarias e costumes, neste Portugal lamacento e empastelado em que vivemos. Com muita graça e elegância.
A “Crónica dos Bons Malandros”, de 1980, com as impagáveis sequelas de 2006 (“Primeiro as Senhoras – Relato do Último Bom Malandro…”, na Oficina do Livro, 2001, 2006), “À Noite Logo Se Vê”, “Histórias do Fim da Rua”, devem figurar, em primeiro plano, neste capítulo.
Como muitos outros, que, por imperdoável esquecimento, me não ocorrem agora (e sou demasiado preguiçoso para consultar “fontes”).

Carlos Macedo

Receba a newsletter com as notícias do Ribatejo

 Mantemos seus dados privados. Leia a nossa política de privacidade para mais informações.

Deixe o seu comentário

por favor, escreva o seu comentário
Por favor, escreva aqui o seu nome

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Também pode ler
pub
pub

Artigos recentes

pub
pub
pub
banner-aguas-ribatejo
pub
banner-união-freguesias-cidade-santarem
pub
Viver-Santarem