A demissão da ministra da Saúde coincide com a morte de uma grávida de 34 anos ao ser transferida do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, para o Hospital de São Francisco Xavier. A coincidência marca – da pior maneira – aquilo que tem sido o retrocesso de um Serviço Nacional de Saúde (SNS) de que a democracia se poderia orgulhar.
A saúde tem estado permanentemente em cima da mesa do debate público. Crescente número de pessoas sem médico de família – concelhos com 75% da população sem médico –, perda permanente de médicos e enfermeiros no serviço público – em fuga para salários muito mais elevados no privado –, crises sucessivas nas urgências hospitalares – um setor absolutamente nevrálgico –, falta de operacionais no INEM – sucessivas acusações de enormes atrasos no socorro de emergência –, grande perda de especialistas como em obstetrícia – anúncios diários de encerramentos na especialidade –, vários milhares de médicos e enfermeiros a anunciarem escusa de responsabilidades [veja aqui o que significa]…
Uma das mais anacrónicas notícias dos últimos dias veio do presidente do Conselho Nacional do Médico Interno: um “tarefeiro pode ganhar mais em 24 horas do que médico interno num mês de trabalho”… Um sem número de problemas que solidificam a sensação de que o SNS está a estiolar. Portugal parece estar a regredir para um país do terceiro mundo!
Sem o aval financeiro do ministro das Finanças e do primeiro-ministro, atada por um orçamento de Estado redutor, Marta Temido foi tentando medidas que nem paliativas chegaram a ser. Até que se demitiu!
A crise está instalada na maioria absoluta!
A estabilidade governativa transformou-se em instabilidade na vida das pessoas!
É esclarecedor que no jornal Expresso de 19 de agosto as notícias de descarte da ministra surjam e que em contraponto a António Costa um ex-governante do PS tenha afirmado, quanto ao SNS, “o Bloco tinha razão em tudo“. De facto!
O desiderato privatizador segue, tentando ser camuflado, pelo governo: 40% do orçamento da saúde vai para o setor privado. A incapacidade do SNS é tal que as sucessivas aberturas de vagas, anunciadas aos quatro ventos, ficam maioritariamente vazias. Os incentivos para a ida de médicos para as zonas mais carenciadas ou interior ficam sem correspondência dos profissionais, veja-se Salvaterra de Magos e Benavente.
O argumentário do primeiro-ministro para “tapar o sol com a peneira” tende a parecer escatológico! Perdoe-se a “feiura ou o excesso” ante a indignação, mas que dizer quando a insegurança sobre as vidas humanas atinge este ponto?
Pois é, amigos e amigas, os últimos orçamentos não eram o necessário e invertiam o caminho da chamada geringonça.
E agora?
No primeiro semestre de 2022 Portugal teve um “excedente orçamental de 1113 milhões de euros (…) com maior receita fiscal, que disparou 28,1%, sobretudo devido ao contributo do IVA…” mas esse valor não foi reforçar o SNS nem tão pouco o aumento de salários dos trabalhadores da função pública. O governo está a beneficiar da inflação e a castigar a população através da degradação dos serviços públicos, que são o nosso salário indireto.
E agora? Como não se pode voltar atrás no tempo, refazer as eleições que geraram a maioria absoluta ao PS e quase neutralizaram a esquerda, cabe à população começar a pensar em defender uma das principais conquistas do 25 de abril!
Digo eu…
Vítor Franco