De repente, o relógio salta-me do pulso. São 10h, às 10,15h vai iniciar a tua viagem.
Irritado, sempre isto! Por que me atraso sempre? Mãos à viagem. Lá mais uma correria.
10,15h em ponto. Apanho o comboio na estação a abarrotar. Claro que me acalmou. Tantas pessoas para trepar. Algumas desorientadas, não há a quem perguntar. São os passageiros simpáticos – hoje, agulha no palheiro – que as informam. Não é que a CP lhes pague alguma coisa ou faça algum desconto no bilhete. Gostam de ajudar. Está tudo em linha, dirão os senhores da CP à boca aberta. Nem cuidam, nem todos andam em linha com essa linha. Os telemóveis inteligentes escasseiam como o dinheiro.
Sim, reina o silêncio, a ausência dos funcionários nos edifícios ainda de pé, porque morrem como as árvores. Alguns daqueles morreram curvados com o peso da tristeza, rememorando-os. Tinham-se construído como eles, apinhados de desenvolvimento e futuro, na chegada do comboio a todo o Portugal, na primeira metade do Séc. XX.
Todo o mundo entrou, se ajeitou nas carruagens quase cheias. Cabe sempre mais um, seis ou doze, ou …
Uma linda melodia fadista silencia a multidão. Ninguém já ouve o caminhar do comboio. É uma escada em caracol e que não tem corrimão. (…) Os degraus, quanto mais altos, mais estragados estão. Quem tem medo não a sobe Quem tem sonhos também não. Adivinhaste: é a vida a escada sem corrimão.1
Ana T. Freitas
1 Letra: David Mourão-Ferreira / Música: Reinaldo Varela