Dezembro ilumina-se. Brilhos dependurados um pouco por todo o lado. No centro das cidades, ofuscam. Apressadas, pessoas entram e saem das lojas de sacos na mão ou não. Mas todas irradiam raios de luz. Se não comprou ali, comprará acolá. Quem não gosta de festas. E de compras. Muitas há que nem nesta época, tão santa, bafejadas são. Sempre com o dinheiro à conta. E os sem-abrigo, vale-lhes a ceia distribuída pelos voluntários. Que os brilhos, como o frio, só atrapalham o sono.
Este ano, o Natal é a um domingo. Menos um feriado para descansar. Há países em que é gozado à segunda. Outras leis. Isto vão conversando os três amigos. Nem para ir à minha família, quase um dia de viagem, posso. Mesmo que o meu mealheiro dê. Desabafa Salvador. Já a Aleks e Habib, nem lhes passa pela cabeça. É o tempo, o dinheiro. Nem para voos low cost daria. Salvador pensou, pensou. E via os sorrisos molhados da família no abraço da chegada. E se eu pedisse a segunda ao patrão. Desde que para ele trabalho, já lhe dei tantos dias fora do meu horário. Eu sei que a obra não espera, como ele metralha a cada minuto. Mas, c’um raio, é a minha família. O Natal é a festa da família. Será que seria um acto de muita ousadia. E se o patrão me despede, depois. Não posso arriscar.
Salvador resigna-se, tal como os amigos. Somos uma família, também. Concordam. À entrada da casinha, as estrelas, folhas secas, cintilam ouros. Lá dentro, um presépio de pau ao jeito dos três. Cada um criou um elemento à imagem da sua família lá longe. E está enfeitado por Habib com grãos-de-bico, favas e lentilhas germinados, à moda do seu país.
No dia da consoada despegaram tarde como sempre. Na vila onde a camioneta os larga, por sorte, uma loja ainda aberta. Salvador e Aleks cozinham a ceia. Para Habib, libanês, o 7 de Janeiro é que o dia Natal. Aleks confeccionou feijão branco com legumes no forno, o prato tradicional do Natal búlgaro. Cozinhou-o num tacho, um forno ainda é um luxo. Com esta refeição terminou os quarenta dias de não comer carne antes do Natal. Já Salvador cozeu batatas com couve e paloco, o bacalhau barato.
E partilharam culturas e afectos.
Ana T. Freitas