Segunda-feira, Março 20, 2023
banner-mes-enguia-salvaterra-magos
banner-mes-enguia-salvaterra-magos
banner-mes-enguia-salvaterra-magos
banner-mes-enguia-salvaterra-magos
BANNER-EMPREENDE-XXI
BANNER-EMPREENDE-XXI
BANNER-EMPREENDE-XXI
BANNER-EMPREENDE-XXI
InícioOpiniãoÓ Vasco, um cartunista é o mesmo que um desenhador de humor?
banner-festival-sopas-ribatenas-chamusca
banner-festival-sopas-ribatenas-chamusca
banner-festival-sopas-ribatenas-chamusca
banner-festival-sopas-ribatenas-chamusca

Ó Vasco, um cartunista é o mesmo que um desenhador de humor?

Uma das minhas filhas estava a fazer um trabalho sobre humorismo e a sua importância na imprensa, levantou-me a questão de se tratar o desenho de humor nos tempos atuais pelo nome de cartoon, lá conversámos, sugeri que fôssemos a Fontanelas falar com o Vasco, um nome consagrado do desenho de humor que rejeitava veementemente ser tratado como cartunista.

Telefonou-se e combinou-se, havia o pretexto das saudações de Natal, encontro muito amistoso, aquela filha ansiosa pela dissertação do mestre, nada feito, o mestre era tagarela e perante a ansiedade da aluna, dececionada com tanta conversa fora do que ali a trazia, recebeu a benevolente resposta que iria enviar carta. Isto passou-se no Natal de 2007, a carta veio no início de janeiro do ano seguinte.

Desenho de Vasco com Mário Sá Carneiro, Almada Negreiros e Fernando Pessoa
Desenho de Vasco com Mário Sá Carneiro, Almada Negreiros e Fernando Pessoa

Quando preparei o acervo de desenhos e a documentação que do Vasco recebi ao longo de décadas, confiei, no ato da entrega do espólio no Museu Rafael Bordalo Pinheiro que nada mais restava a não ser uma saudade imensa e o desejo de ver publicadas as suas memórias, desde a infância até ao 25 de Abril, em que colaborei.

Eis que, a remexer em gavetas me surge esta carta, uma peça de grande interesse e que revela como Vasco era um estudioso aturado do seu ofício, tinha opiniões próprias quanto ao desenho satírico. Nada melhor que reproduzir a carta redigida em 4 de fevereiro de 2008, naturalmente em Fontanelas, para ele o umbigo do mundo:

“Sobre o que à sua filha intriga, aqui vai o que farei à mão…
1 – o ofício de quem publica “bonecadas” nos jornais tem sido designado desde o século XIX, seja, desde os começos, por caricaturista porque desenhava caricaturas. Estes termos abrangem tudo o que aparecia em moldes humorísticos/satíricos, seja, retrato caricatural, “charge” política, tema geral de costumes, etc., …
2 – pelos anos 60 introduziu-se o termo de “cartoon”, de importação britânica, também escrito entre nós aportuguesadamente carton e até cartum… Suponho que por snobismo, para distanciação de suposta vulgarização do termo de caricatura e caricaturista…
3 – pessoalmente suponho poder dizer-se desenho satírico e corretamente assim apanhar o todo desse tipo de produção de humor desenhado… os britânicos escrevem “cartoon” e “cartoonistas”, os espanhóis “dibujos”, e “dibujantes”, os franceses “dessins satiriques” e “dessinateurs de presse”… mas entre nós as designações variam, é um facto (aliás, o Arnaldo Saraiva publicou no Expresso um artigo sobre a questão, vou ainda procurar nos meus arquivos, suponho que em 1980/81)…
4 – efetivamente, e não esgotando provavelmente a terminologia, já vi escrito os termos de desenho satírico, desenho de humor ou humorístico, sátira, humor gráfico, caricatura, cartoon… A introdução do cartoon tem sido justificada para referir um tema desenvolvido de tipo editorial ou opinião (como personagens em situação) e assim fazer uma distinção desse desenho do retrato/caricatura de personagem única. Por mim é uma bizarria, mas é apenas uma opinião minha…
5 – efetivamente no desenho publicado em jornais surgem algumas variantes, como aliás no jornalismo escrito… desenhos/retrato; desenhos/editoriais/ de opinião (político/social…); desenhos/anedota (de tema humorístico, negro, cor-de-rosa, de costumes…); enfim, algumas direções, digamos, estilísticas…
6 – mas, confesso, tudo isso é humor, e sátira. Desenho de humor, desenho satírico. O meu gosto fica por aqui.
7 – de livros de referência… não conheço em português nada em livro de crítica ou teoria estética sobre desenho satírico. O melhor ainda é a obra de José-Augusto França, “Rafael Bordalo Pinheiro” – Bertrand Editora, e algumas referências nos dois volumes do mesmo autor “A Arte em Portugal no Século XIX”. Obras de índole histórica, de investigação. Também de Paulo Madeira Rodrigues – “Tesouros da Caricatura Portuguesa, 1856 – 1928” – Círculo de Leitores (com gralhas e erros, tipo almanaque de reproduções, mas introdução – prefácio com pistas). Há mais, mas de limitado interesse, como na coleção Biblioteca Breve – “Pintura e Escultura em Portugal – 1940 – 1980”, de Rui Mário Gonçalves (aqui, pela negativa, referências nulas…) ou na mesma coleção “O Modernismo na Arte Portuguesa”, de José-Augusto França. E depois artigos de jornal, mais estilo noticioso ou crónica, como encontrei no arquivo do Diário de Notícias… Seja à parte exceção Bordalo (e um Leal da Câmara de Aquilino Ribeiro), a regra é a marginalização…
8 – resumirei… com uma opinião pessoal num país tão frágil em pintura e em pintores, a arte do desenho satírico aparece como herdeira de uma das duas constantes culturais originais e longínquas (a veia satírica ao lado da outra, a lírica), e constitui, mas ignora-se, um dos aspetos mais vivos da nossa produção cultural dos últimos 100 anos, desde o século XIX… Ou não será Rafael Bordalo Pinheiro o artista mais interessante do século XIX?! E Celso Hermínio, caricaturista, um caso flagrante de desenhador sem paralelo já neste século?! E não foram caricaturistas e motores do primeiro modernismo em Portugal?!… etc.
Voilá! E desculpe o arrazoado, que espero seja compreensível até onde possível… No caso de melhor, não se abstenha de me telefonar. Um abraço amigo do seu fiel Vasco”.

Mário Beja Santos

Receba a newsletter com as notícias do Ribatejo

Não enviamos spam! Leia a nossa política de privacidade para mais informações.

logo mais ribatejo

Não perca as nossas notícias

Subscreva a nossa newsletter e fique a par da informação regional que interessa

Não enviamos spam! Leia a nossa política de privacidade para mais informações.

DEIXE AQUI O SEU COMENTÁRIO OU INFORMAÇÕES ADICIONAIS

Por favor, deixe o seu comentário!
Por favor, escreva seu nome aqui

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Mário Beja Santos
Mário Beja Santos
Toda a sua vida profissional, entre 1974 e 2012, esteve orientada para a política dos consumidores. Além da atividade funcional, foi representante associativo, tendo exercido funções no Comité Consultivo dos Consumidores, na Comissão Europeia, e na direção da Associação Europeia de Consumidores. Foi autor de programas televisivos e radiofónicos, bem como de dezenas de trabalhos no campo específico do consumo. Ao nível da sua participação cívica e associativa, mantém-se ligado à problemática dos direitos dos doentes e da literacia em saúde, domínio onde já escreveu algumas obras orientadas para o diálogo dos utentes de saúde com os respetivos profissionais, a saber Quem mexeu no meu comprimido?, 2009, e Tens bom remédio, 2013. Doente mas Previdente, dá continuidade a esta esfera de preocupações sobre a informação em saúde, capacitação do doente, o diálogo entre os profissionais de saúde, os utentes e os doentes.Colabora frequentemente com a imprensa regional e blogues, e exerce benevolato com associações de consumidores, como seu representante. Desde 2006 que se dedica igualmente a estudos sobre a colónia da Guiné portuguesa e a vida política na Guiné-Bissau, temas sobre os quais publicou uma dezena de livros.
Também pode ler

DEIXE AQUI O SEU COMENTÁRIO OU INFORMAÇÕES ADICIONAIS

Por favor, deixe o seu comentário!
Por favor, escreva seu nome aqui

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Artigos recentes

spot_img

Comentários recentes

pub