A Rússia está a seguir de perto a situação no Kosovo, onde a minoria sérvia bloqueia as estradas há mais de duas semanas, e mantém apoio à Sérvia, disse hoje o porta-voz da presidência russa (Kremlin).
“Temos laços estreitos [com origem em] alianças, laços históricos e espirituais com a Sérvia. A Rússia está muito atenta ao que está a acontecer e à forma como os direitos dos sérvios são cumpridos”, afirmou Dmitri Peskov em conferência de imprensa.
Peskov sublinhou que Moscovo “apoia Belgrado nas medidas que toma” e criticou as acusações de Pristina sobre a “influência destrutiva” da Rússia neste conflito.
“A Sérvia é um país soberano. É completamente errado ver aqui para qualquer tipo de influência destrutiva da Rússia. É natural que a Sérvia defenda os direitos dos sérvios que vivem em condições tão difíceis. E reagir fortemente quando esses direitos são violados”, alegou o porta-voz do Kremlin.
A situação no Kosovo tem-se degradado desde o início de dezembro, na sequência de um forte aumento da tensão entre a comunidade sérvia e a maioria albanesa, com Pristina e Belgrado a esgrimirem forças numa situação que faz recear um novo conflito.
Na passada segunda-feira, e numa decisão sem precedentes nos últimos anos, o exército sérvio foi colocado em estado de alerta reforçado após o recente aumento das tensões no Kosovo, com disparos para o ar, explosões de granadas atordoantes e barricadas.
A decisão foi tomada pelo Presidente sérvio, depois de uma ordem de “alto nível de preparação para o combate” e com o chefe de estado-maior, o general Milan Mojsilovic, a ser enviado para a fronteira com o Kosovo.
O Presidente sérvio acusou Pristina de restringir os direitos da população sérvia kosovar, de violar os acordos obtidos e de pretender que a população sérvia abandone o Kosovo em definitivo, uma alegação que também tem justificado a crescente militarização da região pelas duas forças em presença.
Em novembro passado, 600 membros sérvios kosovares integrados nas forças policiais e na administração demitiram-se em protesto pelos planos de Pristina para proibir a circulação de veículos com matrículas provenientes da Sérvia, provocando um vazio de poder na região.
Em Belgrado, reuniu-se o Conselho de Segurança Nacional e o Presidente Aleksandar Vucic exigiu a libertação de todos os sérvios detidos arbitrariamente pela polícia kosovar, outro motivo dos protestos. Em simultâneo, exortou a população a evitar confrontos com o contingente da NATO estacionado no Kosovo, o Kfor, que tem cerca de 4.000 efetivos, ou com as forças policiais inseridas na missão da União Europeia (a Eulex).
O conflito sobre matrículas acabou por escalar, e o primeiro-ministro kosovar, Albin Kurti, anunciou, entretanto, que vai pedir uma reunião com o comandante da missão Kfor, que defende uma solução negociada para a atual crise.
A comunidade internacional exige que os sérvios removam as barricadas, que Pristina considera terem sido levantadas por “quadrilhas criminosas instruídas por Belgrado”.
A antiga província sérvia de Kosovo, povoada por uma grande maioria albanesa, proclamou a sua independência em 2008, mas nunca foi reconhecida pela Sérvia.
A Sérvia continua a considerar o Kosovo como parte integrante do seu território e Belgrado beneficia do apoio da Rússia e da China, que à semelhança de dezenas de outros países (incluindo Índia, Brasil África do Sul ou Indonésia) também não reconheceram a independência do Kosovo.
UE e EUA pedem redução incondicional da tensão no Kosovo
Os Estados Unidos da América (EUA) e a União Europeia (UE) pediram esta quarta-feira uma “redução sem condições” da tensão no norte de Kosovo, onde o exército sérvio tem vindo a reforçar a sua presença na fronteira.
“Pedimos a todos máxima contenção e que tomem medidas imediatas para uma redução incondicional da situação”, afirmou um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA e uma porta-voz da UE, em comunicado de imprensa divulgado conjuntamente.
Tanto Bruxelas como Washington pediram às partes – Sérvia e Kosovo – para se “absterem de qualquer provocação, ameaça ou intimidação” e referiram estar “a trabalhar com o Presidente [sérvio, Aleksander] Vucic, e com o primeiro-ministro [kosovar, Albin] Kurti, para encontrar uma solução política que permita aliviar as tensões e conseguir manter a estabilidade, segurança e bem-estar de todas as populações locais”.
Os dois porta-vozes lembraram também que podem supervisionar o respeito pelos direitos humanos no território através da missão europeia na região, a Eulex. O Kosovo fechou esta quarta o principal posto fronteiriço com a Sérvia depois de os sérvios terem erguido barricadas no local, numa das piores crises dos últimos anos na região.
Kosovo está “à beira de um conflito armado”, diz Sérvia
Em novembro passado, 600 membros da minoria sérvia do Kosovo, que faziam parte das forças policiais e da administração pública, demitiram-se na sequência do anúncio de Pristina de que ia proibir a circulação de veículos com matrículas provenientes da Sérvia.
A tensão agravou-se nos dias seguintes e, em 10 de dezembro, várias centenas de sérvios do Kosovo montaram bloqueios nas estradas do norte de Kosovo, paralisando o tráfego em dois pontos importantes da fronteira com a Sérvia. A tomada de posição de Bruxelas e dos EUA foi divulgada depois de o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Kosovo ter enviado uma carta aos Estados-membros da UE na qual pediu para serem adotadas medidas que obriguem a Sérvia a colaborar na resolução pacífica das tensões.
No documento, o Governo kosovar pede à comunidade internacional que encoraje a Sérvia a voltar ao diálogo e forneça um registo cronológico dos últimos incidentes no norte da região. “No melhor dos casos, a Sérvia está a tentar deliberadamente desestabilizar o Kosovo para impedir o avanço do diálogo, especialmente no contexto do novo plano proposto pela UE (apoiado pela França e Alemanha) para normalizar as relações”, refere a carta, citada pelo portal de notícias Kosovo Online.
O Governo kosovar refere ainda que a escalada do conflito lembra o modus operandi que as autoridades sérvias costumavam usar na década de 1990. A carta menciona não só os distúrbios registados desde a construção de barricadas pela minoria sérvia em Mitrovica, cidade do norte do Kosovo, até aos ataques a jornalistas da imprensa kosovar.
“Condenamos veementemente os ataques a jornalistas por extremistas do norte do Kosovo. Nas últimas três semanas, vários jornalistas foram repetidamente atacados por grupos criminosos que tentam desestabilizar o Kosovo”, secundou a vice-primeira-ministra e ministra dos Negócios Estrangeiros kosovar, Donika Gërvalla-Schwarz, numa mensagem publicada na rede social Twitter.
“A comunidade internacional deve intervir urgentemente em Belgrado e proteger a imprensa livre. Isto tem de acabar. Agora”, acrescentou a ministra. Também o Governo alemão expressou hoje “grande preocupação” com a situação e pediu “ações construtivas” que levem ao desbloqueio dos postos fronteiriços fechados.
Por seu lado, a Rússia referiu-se à crise como “um cenário muito perigoso”, tendo o embaixador russo em Belgrado, Alexander Botsan-Kharchenko, admitido na terça-feira que, a qualquer momento, pode haver uma provocação que faça deflagrar um novo conflito armado.
Em conferência de imprensa, o porta-voz da Presidência russa, Dmitri Peskov, acrescentou, esta quarta de manhã, que o Kremlin está a seguir de perto a situação e que mantém apoio à Sérvia.
O Kosovo, habitado sobretudo por albaneses étnicos, tornou-se unilateralmente independente da Sérvia em 2008, na sequência de uma guerra entre independentistas e guerrilheiros de Belgrado, mas a Sérvia nunca reconheceu a independência do território