Quinta-feira, Abril 18, 2024
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O Elogio do Otimismo – A opinião de Carlos Matos Gomes

Os telejornais e os grandes órgãos de comunicação portugueses e europeus em geral despejam sobre os seus clientes vagas sucessivas de manifestações de organizações de trabalhadores e patronais. São professores, enfermeiros, agricultores, ferroviários, aviadores, médicos, polícias, uns em greve, outros em manifestações. Os temas mais comuns são, além dos habituais aumentos salariais, as contagens de tempo para a reforma (Portugal) e outros a contestação do aumento da idade da reforma (França).

Esta agitação social é apresentada pelos «simplícios» da comunicação social como reveladora de mal-estar contra os governos. Na verdade, estas manifestações revelam um grande otimismo (um inconsciente otimismo) e um generoso apoio às políticas dos governos europeus. Estas manifestações querem dizer que os seus promotores e figurantes acreditam que vivemos tempos de normalidade (da normalidade do pós-segunda guerra), mas não, vivemos tempos de loucura e de suicídio! Esse mundo está a morrer às mãos dos que dirigem a UE e dos que em vez de se manifestarem contra a corrida para o abismo para saltar sem paraquedas andam a manifestarem-se pelo que não haverá.

Erasmo de Roterdão (1469–1536) um dos maiores intelectuais europeus do século dezasseis escreveu um livro a que deu o título «Elogio da Loucura», onde abordou a realidade europeia de forma irónica, usando a loucura como instrumento constante na vida humana. Descreveu-a num monólogo de Moria, a deusa da loucura. Ela dirige as cidades, os governos, a religião e a vida. Sem a loucura nenhuma sociedade, nenhum relacionamento feliz poderia durar. O povo cansar-se-ia do príncipe; o servo, do amo; a serva, da patroa; o professor, do aluno; o amigo, do amigo; a mulher, do marido; o hóspede, do anfitrião; Sei que estas vos parecem enormidades, mas ainda ouvireis piores. Agora devo acrescentar que nada de grande se pode empreender sem o meu impulso, pois é a mim que se deve a invenção de todas as nobres artes.

Sabedoria, diz Erasmo, é não querer ser mais sábio do que lhe cabe pela sorte, concordar com os costumes da multidão e participar de bom grado das fraquezas humanas. Mas, dizem, é justamente isso a Loucura!

Eu, por meu lado, valendo-me ora da ignorância, ora da irreflexão, às vezes fazendo esquecer os males, às vezes suscitando esperanças de coisas favoráveis, excitando os prazeres, sou tão consoladora que ninguém quer deixar a vida. Pelo contrário, quanto menos motivos têm para permanecerem vivos, mais amam a vida. Que a sua conduta costume ser considerada vergonhosa é algo que pouco importa aos meus loucos. Levar uma pedrada na cabeça, isso sim faz mal. A vergonha, a infâmia, a desonra, as ofensas são nocivas na medida que fazem sofrer. Para quem não se importa, não são sequer um mal. Que te importa se todos te vaiem, se tu te aplaudes? Que isso te seja possível, é algo que deves só à Loucura.

Se trocarmos Loucura por Otimismo percebemos porque são otimistas, ou loucos, os que andam por praças, ruas e calçadas a exigir contagens de tempo para a reforma, a contestar o aumento da idade da reforma, a pedir a extensão dos prazos para pagamento de empréstimos aos bancos de 30 para 40 anos, de subsídios a longo prazo se os governos já decidiram envolver os europeus numa guerra que, com elevada probabilidade, imporá aos europeus o modelo de sociedade do estado-imperial, lhes retirará o direito à reforma, substituindo-o por fundos privados. São otimistas, ou loucos. Tão loucos ou tão otimistas como a chefe da Europa que foi à Ucrânia com uma comitiva prometer a entrada na União Europeia quando a Ucrânia é um estado sem soberania, que não produz riqueza, que não tem um sistema produtivo nem na agricultura, nem na industria, nem nos serviços, a não serviços militares, em que desde os funcionários aos caixões tudo depende do estrangeiro. Cujas receitas são os “empréstimos” e ajudas. Um Estado que já perdeu mais de 20% do território, que está em vias de perder o acesso ao mar, um estado onde os cidadãos não se podem manifestar, onde à pressa e antes da chegada da comitiva de Bruxelas foram expulsos uns oligarcas, ou atempadamente aconselhados a afastarem-se por uns tempos, levando as malas com o dinheiro das ajudas, uns para Israel, outros para o Mónaco. Estamos, pois, perante mais uma manifestação de Loucura ou de Otimismo.

A Europa e os europeus vivem em estado de euforia, dos professores de Portugal à confraria de Bruxelas que foi vender otimismo em pó a Kiev. As manifestações de trabalhadores e patrões europeus exigindo medidas aos seus governos são uma manifestação de apoio aos governos e á loucura ou otimismo de Bruxelas. Representam a confiança que depositam na possibilidade dos governos tomarem decisões autonomamente, não sujeitas a quem os obrigou a envolver-se num conflito causador dos problemas que os manifestantes pretendem que eles resolvem! Confiam nos seus governos para garantir prestações sociais, reforma, saúde e ensino públicos, que serão substituídos pela iniciativa privada, os patrões reclamam subsídios que serão desviados para o apoio à Ucrânia e para pagar a energia mais cara aos Estados Unidos.

Ir a Kiev prometer que a Ucrânia vai entrar na EU é tão abjeto, ou hipócrita como um cangalheiro ir a casa de um doente terminal prometer-lhe umas férias de luxo. Ou, atendendo a que a senhora Von der Leyen é médica, é como ela ir prometer a um amputado dos membros inferiores a restituição das pernas perdidas e que ainda o vai admitir como primeiro bailarino da Ópera de Berlim! As Tvs transmitiram ao mundo o beijo que selou este acordo! os otimistas bateram palmas com a maior alegria pela boa nova!

O jornal eletrónico Crises 24 — especializado em análise de crises para informação de empresas e organizações — considera como causa de agitação social acontecimentos que provoquem emoções fortes, caso de leis impopulares, aumentos de preços de produtos essenciais e a deterioração de condições económico-sociais, caso dos juros dos empréstimos para a habitação. Esqueceu-se da loucura e do otimismo!

Independentemente do resultado do confronto na Ucrânia, a Europa será um estado vassalo dos EUA e será administrada com um modelo social neoliberal, onde cada um trata de si e apenas os exércitos e os oligopólios tratam de todos. Sendo esta a realidade, a atual agitação social na Europa ou é sintoma de loucura, de inconsciência ou de euforia e otimismo. Tem a mesma racionalidade dos cães ladrarem à Lua!

Os políticos e deputados mais ou menos esbracejantes e berrantes que clamam contra a administração da TAP, são uns otimistas que querem uns votos à custa de uma companhia que provavelmente deixará de existir curto prazo. E o otimismo irmão da loucura também infetou os que acreditam que um altar gigante nos livra de uma crise de sobrevivência.

Carlos Matos Gomes

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