Há anos pintei uma tela em que escrevi por mais que seja santa/ A guerra é a guerra (1) Pois é, passam-se séculos, anos, dias e esta canção do Fausto em todos eles pode ser cantada por actual. A ganância, a crueldade, tenham elas as motivações que tiverem, estarão sempre por trás de qualquer guerra. Aí está, a inveja, com que o nosso Camões, contemporâneo de Fernando Mendes Pinto, epicamente nos caracterizou, grassa em desmedida. E os povos sempre em barcos à deriva, subvivendo, perecendo. E mais pobres.
Talvez não seja exagero, nunca o mundo esteve em paz. Vivemos entre a guerra e o sarar as feridas. Cidades são reconstruídas sobre valas comuns. Por exemplo, Siem Reap (Camboja). A cidade foi reconstruída sobre valas comuns do domínio dos Khmer Vermelhos (1975-1979). Como sabemos, toda esta região do planeta, Vietname, Laos e Camboja, muito foi fustigada pela guerra. A Guerra do Vietname – 1955 a 1975. Ainda hoje, estes povos choram os seus familiares. E conformados sobre o agora dizem, temos ainda muita pobreza, corrupção, mas vivemos em paz. Podemos estar com a família, com os amigos. Podemos falar que nada nos acontece. E é, muitas vezes, pelos horrores da guerra, pela pobreza, pelo cansaço da instabilidade das sociedades, por ignorância – é tão importante informarmo-nos e termos as nossas opiniões – que as pessoas escolhem ditadores. Porque acreditam na paz que lhes prometem.
Afinal, o que é a paz. Claro que os direitos de expressão, de reunião, são inquestionáveis. Mas pode a paz ser fome. E soa-me Negro bairro negro/ Bairro negro/ Onde não há pão/ Não há sossego (2). Ser desemprego. Ordenados em atraso. Não cumprimento do horário de trabalho.
Há muito que a paz e a liberdade casaram. Será que sou livre quando não tenho tempo para cuidar e brincar com os filhos. Quando não tenho tempo para mim.
A paz também está nas nossas mãos.
Ana T. Freitas
(1) Assim escreveu, musicou e cantou Fausto Bordalo Dias no seu álbum Por Este Rio Acima, editado em 1982, alicerçado nos relatos de Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, de 1614 – uma narrativa de todo o interesse sobre a presença portuguesa no oriente quinhentista.
(2) Menino do Bairro Negro, letra, música e canto de José Afonso, do seu álbum Vampiros, de 1963.