Barry Strauss é um professor universitário e conceituado especialista em história militar do mundo antigo. Este é o segundo de dois volumes sobre os imperadores romanos, como nos adverte o autor no prólogo: “A grandeza destes homens, a vaidade, a capacidade de liderança e os seus muitos fracassos, a reverência pela tradição e a implacável prontidão para mudarem com o intuito de sobreviverem, são os temas centrais. O presente volume retoma a história dos Césares de 118 a 337. O capítulo final, contudo, expande-se até à queda do Império Romano no Ocidente, em 476, durante o reinado de Rómulo Augusto. Serão destacados nestas páginas cinco grandes imperadores que moldaram as respetivas épocas, Adriano a Constantino, e também Marco Aurélio, Sétimo Severo e Diocleciano.” Livro de leitura obrigatória para entender as vicissitudes de um dos maiores impérios da História, fundado por Augusto: Dez Césares, por Barry Strauss, Volume II: De Adriano a Constantino, Bertrand Editora, 2021.
O que torna esta narrativa de curso eletrizante é a proximidade que o autor estabelece entre a obra e o homem, a sanha do poder imperial, os seus deuses, o seu próprio endeusamento, as suas conquistas, a banalidade das execuções, o uso das riquezas, incidentalmente os sinais daquele génio que se propagaram pela língua, pelo sistema de Direito, pelas estradas e pelos aquedutos, pelos preceitos de higiene, não esquecendo os sonhos de perpetuação em panteões, arcos triunfais, um sem número de esculturas.
Começamos por acompanhar Adriano: “Os bustos retratam-no como uma pessoa inteligente e autoritária, com um rosto oval e faces arredondadas, um nariz aquilino, orelhas grandes e olhos repletos de luz e brilho. A barba de Adriano não era apenas uma afirmação de estilo, mas também um símbolo cultural e político. Adriano parecia estar sempre em trânsito, a cavalo ou a bordo de um navio, sempre de um extremo do império para o outro, da Britânia à Síria. Fazia questão de se encontrar com as pessoas comuns, cumprimentando-as como fazem hoje os políticos democráticos e misturava-se com as tropas de todos os lugares visitados, partilhando as suas comidas simples e comendo, como elas, ao ar livre.” Personalidade complexa, como anota o autor: “Nunca ninguém fez um esforço maior para preservar a paz nem marcou uma posição mais vincada contra a expansão imperial. Nenhum outro imperador estudou os clássicos com maior empenho ou foi melhor poeta ou arquiteto – tendo ainda sido escultor e pintor.” Amava a Grécia e a sua cultura. Contou com a ajuda da mulher de Trajano e de sua mulher Víbia Sabina, ela é uma das raras mulheres que deixou um registo escrito. Terá sido um casamento de conveniência, Adriano preferia jovens rapazes. Adriano assumia-se como o segundo Augusto, aliás será tratado como Imperador César Trajano Adriano Augusto. Enfrentou revoltas na Dácia, no Danúbio, na Mauritânia e na Britânia, respondeu com firmeza. Observa o autor que para Trajano, Roma era uma superpotência, para Adriano Roma era uma comunidade, ele ambicionava um novo império no qual as elites provinciais participassem no governo como iguais. Deixou o seu nome ligado à muralha em Inglaterra, à Vila Adriana, ao Panteão em Roma. O seu mausoléu é hoje o Castelo Santo Ângelo, que foi usado pelos Papas. Adriano marca o apogeu do Império Romano, sonhou e concretizou um império próspero, Roma e o Oriente grego registaram uma explosão de produção cultural e um florescimento artístico.
Sucedeu-lhe Marco Aurélio, publicou um livro que ainda hoje é muitíssimo lido, Pensamentos. Diz Barry Strauss que Marco Aurélio é o mais próximo de um filósofo-rei de que há registo, isto num período em que Roma sofreu calamidades sem precedentes, o que veio a pôr à prova a sua força de caráter. Tal como Adriano, Marco Aurélio admirava a filosofia de Epicteto, o estoico grego. Marco Aurélio casou com Ana Galéria Faustina, mais tarde ser-lhe-á dado o título de Augusta, com a designação de imperatriz. Marco Aurélio pretendia ser um reformador iluminado, acabou por ser enredado numa luta crepuscular na fronteira, daí o conjunto de viagens que teve de fazer para lidar com os bárbaros, foi bem-sucedido, dispersou-os pelas terras do império, desde a Germânia à Dácia e à Itália. Enfrentou revoltas, jugulou-as. Ao contrário dos seus antecessores, respeitou o Senado e jurou não ser responsável pela morte de qualquer senador. O autor considera que os Pensamentos são a última grande obra da filosofia estoica da Antiguidade e a mais amada nos nossos dias, terá toda a razão. Sucedeu-lhe Cómodo, iniciar-se-á um período sangrento, Cómodo será assassinado, seguem-se vários imperadores e a guerra civil até chegar um novo líder, Sétimo Severo, será um tempo de guerra, política e de assassínio, a dinastia por ele fundada durará 42 anos. Severo combinou um exército forte com um Estado forte, ideário prosseguido por Diocleciano e Constantino, os dois últimos Césares aqui magnificamente narrados por Barry Strauss.
Diocleciano restaurou a estabilidade no império que vivia na mais completa violência, isto enquanto os inimigos de Roma não pararam de empurrar as fronteiras tanto no Oriente como no Ocidente. No fim do século III, depois de catorze anos de luta contínua, Diocleciano e os seus corregentes conseguiram finalmente fixar as fronteiras. Deve-se a este imperador a mais assanhada perseguição religiosa aos cristãos. O cristianismo vai fermentar num espaço de grande variedade de religiões estrangeiras, havia mistérios gregos, deuses egípcios, o movimento Hare Krishna, o culto de Mitra, o judaísmo, é neste ambiente que o cristianismo ganhou seguidores, o imperador detestava o poder da Igreja, serão tempos terríveis para os cristãos. E, caprichosamente, o homem que acabaria por triunfar como sucessor de Diocleciano, Constantino, marcou uma rotura menor do que se poderia pensar. Será o primeiro imperador cristão, não deixará de ter um comportamento muito semelhante ao de Diocleciano no que diz respeito ao governo, ao exército e à economia, o autor dá-nos aqui uma narrativa de grande vivacidade onde não falta a cristianização da cidade de Roma, a criação de Constantinopla, mas já estava aberta a porta ao eclipse de Roma, estavam criadas as condições para o Império Romano sem Roma, sem Itália e mesmo sem maior parte da Europa.
Para surpresa de muitos dos leitores, fica-se a saber que o Ocidente romano sempre fora mais pobre de que o Oriente romano. Roma irá ser saqueada, ao contrário de Constantinopla. Em 476, o Ocidente romano será tomado pelos invasores, Constantinopla só desaparecerá com o império romano do Oriente em meados do século XV. No entanto, ainda iremos ouvir falar de Ravena e de um conjunto de mosaicos de altíssimo valor artístico. E o autor conclui: “Quando Augusto criou o Império Romano, jamais podia imaginar que seria na pequena Ravena, uma cidade portuária longe de Roma, que o resplendor final do império no Ocidente se demoraria.” Escreveu um crítico que este livro se lê como um guião da Guerra dos Tronos e que o autor é o melhor académico do Mundo Antigo a escrever nos dias de hoje para o leitor comum. É bem verdade, e deve ficar aqui escrito, porque se trata de leitura imperdível, abra ao leitor uma curiosidade inesgotável.
Mário Beja Santos