As praias abarrotam. As cidades vagam. Parecem quintas. Em todos os dias da semana. Não só ao sábado e ao domingo. Só com o bom das quintas. Muito terreno, pouca gente, excepto nos trabalhos sazonais, poucos carros. E raros. Que são de arregalar os olhos. Novinhos em folha, grandes, lustrosos. Do suor baço do motorista. Bem me lembro. Claro que nesta época, poucos destes carros se vêem nas cidades, tal como aos fins-de-semana. Cum raio, férias são férias. E fins-de-semana, fundamentais para quem tanto a cabeça mata com dinheiros.
Os autocarros, esses sim, cheios de passe social e turistas. Todos têm direito ao lísingue. De um lugar nos transportes públicos. Naturalmente com direito a utilizá-lo quando lhes aprouver, ainda que raro, mesmo fora do trabalho. Cum raio, todos somos humanos. E as dificuldades espairecer alivia a carga.
É de facto em Agosto que é bom viver nas cidades. Espalham-se os espaços. Flainam os silêncios. Nós flutuamos. E agarramos o tempo como se todo nosso ele fosse. Para nosso bem, estas cidades ao contrário das de Italo Calvino[1] são visíveis. Porque podemos tê-las nos nossos próprios olhos. E vivê-las.
As cidades vivem de pessoas. Apesar de serem pensadas por pessoas quase nunca são para as pessoas. Claro que falo da maioria. Para os restantes, sabemos, tantas vezes impera o servilismo enfeitado de ganância. Contrariar esta desumanização tem sido a vida de Jan Gelh[2]. E já muitos frutos deu.
Será que Agosto é essa nesga que vislumbra a largueza no olhar a que todos temos direito? Ainda hoje degusto esse deleite de jovem em Lisboa. Ainda hoje uma ave me dá a mão. E vou.
Ana Freitas
[1] Le città invisibili (As Cidades Invisíveis), 1972. Italo Calvino foi um dos mais maiores escritores italianos do século XX.
[2] Cities for People (Cidades para Pessoas), 2010. Jan Gelh é arquitecto e urbanista dinamarquês, professor, pioneiro do urbanismo humanizado.