O bastonário da Ordem dos Médicos (OM) apelou hoje ao bom senso do Governo para resolver a crise de falta de médicos em hospitais como o de Santarém, onde estima que a situação vá agravar-se em novembro.
“Não há alternativa a que o Governo tome consciência deste problema, tenha sensibilidade para perceber exatamente o que está a acontecer, as dificuldades do Serviço Nacional de Saúde (SNS)”, afirmou Carlos Cortes no final de uma reunião com médicos do hospital de Santarém, na qual tomou conhecimento de “um conjunto de dificuldades” que irá transmitir na quarta-feira ao ministro da Saúde, Manuel Pizarro.
Bastonário quer bom senso do Governo para resolver falta de médicos nos hospitais
À margem da reunião Carlos Cortes afirmou que irá apresentar a Manuel Pizarro “propostas”, que não quis revelar, defendendo que terá que haver por parte do Governo “bom senso para aplicar as decisões que se esperam para o SNS” e que “fundamentalmente tem a ver com recursos humanos”.
No Hospital Distrital de Santarém (HDS) desde segunda-feira que estão suspensas as cirurgias adicionais por parte de vários médicos da especialidade que recusam fazer mais do que as 150 horas extraordinárias previstas por lei.
Depois de ouvir dos clínicos as “dificuldades [existentes] na esmagadora maioria das especialidades”, e sobretudo “nas escalas de Medicina Interna e de Cirurgia”, Carlos Cortes, manifestou preocupação de que a situação venha a agravar-se no próximo mês de novembro.
“Vão existir dificuldades na escala de pediatria e de ginecologia e obstetrícia, porque obviamente os médicos não aguentam esta pressão, não aguentam horários de trabalho absolutamente incomportáveis, em que muitos colegas já fizeram 600, 800 horas extraordinárias”.
Vincando que “a situação no Hospital de Santarém é muito difícil”, o bastonário da OM adiantou que na quarta-feira irá transmitir ao ministro da Saúde a preocupação com a lista de espera cirúrgica desta unidade, “que tem uma média de mais de 400 dias, em que os doentes mais antigos estão à espera de cirurgias há mais de dois anos, e, inexplicavelmente está a ser diminuído o trabalho adicional dessas cirurgias”.
Lamentando o “impacto negativo sobre as pessoas” e o “desrespeito completo pelos doentes” o bastonário criticou a postura do Conselho de Administração do HDS que considerou “inadmissível”.
Além da situação do HDS Carlos Cortes, pretende fazer na quarta-feira, Manuel Pizarro, “um ponto de situação sobre as dificuldades de outros hospitais do país e alertar o ministério para a necessidade de atrair mais médicos para o SNS, dar-lhe melhores condições de trabalho e valorizar a carreira dos médicos”.
Alegando haver neste hospital “muitos exemplos de equipas de urgência que trabalham abaixo dos limites de segurança” Carlos Cortes sublinhou que quer neste quer em outros hospitais do país “é preciso uma intervenção de fundo” no SNS e que a “verdadeira prioridade” será o Governo “perceber que o maior valor do SNS são os seus profissionais”.
Recusa dos médicos a horas extras causa constrangimentos em 27 hospitais
A porta-voz do movimento Médicos em Luta disse hoje à Lusa que o Sistema Nacional de Saúde (SNS) “está a ruir” e que os médicos já não conseguem travar essa “demolição”, registando-se constrangimentos em 27 hospitais do país.
“Já existem constrangimentos que cheguem, constrangimentos esses que já deveriam ser suficientes para sensibilizar o governo a tomar alguma medida”, afirmou Susana Costa.
Traçando um panorama geral do país, a médica revelou que entre hospitais, centros hospitalares e unidades locais de saúde, 27 estão com problemas devido ao facto de os médicos se recusarem a fazer mais horas extraordinárias do que as 150 que a lei lhes impõe, nomeadamente os de Almada, Amadora, Aveiro, Barcelos, Barreiro, Braga, Bragança, Caldas da Rainha e Torres Vedras, Coimbra, Covilhã, Famalicão, Gaia, Guarda, Leiria, Lisboa, Loures, Matosinhos, Penafiel, Portalegre, Porto, Póvoa de Varzim, Santa Maria da Feira, Santarém, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu.
Na região Norte, há unidades hospitalares sem cirurgia geral no serviço de urgência desde domingo e até final do mês, uns onde a recusa destes profissionais em fazer horas extras ultrapassa os 90%, nomeadamente em obstetrícia, anestesiologia, cirurgia ou pediatria e outros com constrangimentos nas urgências ao receber doentes fora da área de residência, especificou Susana Costa.
No centro e sul do país, o cenário é semelhante com hospitais a cancelar a atividade cirúrgica adicional para aliviar as listas de espera, sem urgência de obstetrícia nos próximos fins de semana ou com escalas sem chefes de equipa, adiantou.
Susana Costa assumiu que o SNS já está “para além da boa vontade” destes profissionais de saúde sendo, por isso, o momento de “dar um grito”.
“É o momento de nós darmos um grito e gritarmos aos portugueses e ao governo que o SNS está a ruir, ainda que haja muito boa vontade nossa já não conseguimos frenar esta demolição e, portanto, são precisas medidas”, ressalvou.
Na opinião da porta-vos do movimento, o Governo de António Costa tem de olhar para o SNS com a “gravidade e a urgência com que ele se apresenta”.
Os médicos, ao recusarem fazer horas extraordinárias, expuseram a realidade “nua e crua” do SNS, sublinhou.
Susana Costa assumiu que os médicos não estão mais disponíveis para continuar a ser tratados como têm sido tratados, falando em “falta de respeito” por parte do Governo.
A luta destes profissionais de saúde vai-se manter até que as reivindicações sejam atendidas, garantiu ainda a médica.