Sexta-feira, Dezembro 1, 2023
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“Impostos impostos? (parte 1)”

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A recente sondagem do ICS/ISCTE sobre os impostos parece colocar a nu o impasse do cidadão comum.
Quer-se pagar menos impostos, mas não se querem as possíveis consequências de se pagar menos impostos.
Não sei se se pode dizer que a sondagem deu uma lição aos que nela participaram, ou se os que nela participaram deram uma lição ao resto dos portugueses.
Diga-se em abono da verdade que a questão não deve ser sobre a quantidade de impostos, mas se essa quantidade é bem aplicada e se essa aplicação é desejável para os cidadãos.

Ainda assim, e como as sondagens valem o que valem, parece-me não ser um exagero dizer que boa parte da população se sente exasperada com os impostos que paga.
Na sua óptica, “vem o Estado papão e leva um terço do que devia ser meu”.

Não é este o principal ponto do meu artigo, mas começo pelo que exponho de seguida.
Seria interessante verificar quanto da riqueza produzida é retida pelos donos das empresas (já agora, para se comparar com o “Estado papão”).
Independentemente de se concordar ou não, na prática actual de se pensar a economia, parece óbvio inferir que ao dono de uma empresa é devida a maior parte da riqueza (o que não quer dizer que tenha de ser assim).
Se é verdade que a riqueza é criada pelo trabalho, também é verdade que essa criação de riqueza só é possível pela existência de condições para tal, proporcionadas, normalmente, pelos donos das empresas (o que não quer dizer que tenha de ser assim).
E, do mesmo modo que um produtor de riqueza (o trabalhador) se insere dentro de um sistema maior que ele, do qual ele faz parte mas no qual não manda, também é verdade que a empresa se insere dentro de um sistema maior que ela, do qual ela faz parte mas no qual não manda. A saber, o Estado (não enquanto entidade política organizacional, mas enquanto país).

Há várias definições sobre o que “é” o Estado, mas o Estado não é algo palpável. Se os académicos têm definições algo discordantes entre si e não têm uma definição absoluta e unívoca, então eu, ainda menos.
Mas se o Estado é uma entidade política, ou a organização e estrutura administrativa de um país, ou o próprio país, então, na medida em que falamos de uma democracia, o Estado é, em última análise, a manifestação organizacional e política da vontade do povo, e, por conseguinte, existe pelo povo, é do povo, ou, se quisermos, é o próprio povo (enquanto representação da sua vontade).
Aquilo que é do Estado não é de ninguém em particular. É do povo, embora cada cidadão não possa usar o que é do Estado quando ou como quer, porque não lhe pertence individualmente.

Um dos pressupostos para a existência do que chamamos por impostos é a ideia de que é no âmbito existencial de um Estado (não quero dizer que seja no sector público) que se desenvolve a economia.
Logo, de certa maneira, o Estado tem direito sobre essa riqueza. Porquê?
Não foi o Estado que criou essa riqueza, mas foi no seio da sociedade administrada pelo Estado que essa riqueza teve lugar. Foi inclusive com alguns recursos do Estado ou por ele financiados que essa riqueza foi facilitada.
Com trabalhadores formados e com conhecimentos adquiridos num sistema educacional que existe na sociedade (seja público ou privado). Riqueza essa que foi vendida a troco de dinheiro no mercado que existe, porque existe esta sociedade, ou exportada porque esta sociedade assim o permite. E por aí diante.
Quero com isto dizer que a criação privada de riqueza nunca é totalmente privada, mas sim parcialmente privada.

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Imagem Depositphotos

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Tem-se a ideia errónea de que o Estado é “aquela coisa que está lá longe, a organização central”. Mas o Estado somos nós, os cidadãos, o povo.
Não está inteiramente certo e completo dizer que o Estado é a organização central que “impõe as suas decisões” sobre um povo que é governado por si. Isso são os órgãos de soberania do Estado, que, estando acima de cada cidadão em particular, estão abaixo dos cidadãos no geral, isto é, do povo.
Apesar de algumas infelizes características da “nossa” democracia representativa que teimam em persistir (tais como os círculos eleitorais, o método D’Hondt, o apelo ao voto útil) continua a ser a vontade geral do povo a determinar os seus representantes. A maneira como essa vontade geral é averiguada é que é debatível.
Nesta medida, em termos teóricos (sublinho, em termos teóricos), as decisões dos órgãos de soberania do Estado refletem (ou devem refletir) a vontade do povo. Em termos teóricos.
Em termos de atividade económica, o que quer que “aqui” aconteça, do ponto de vista legal, é pelo Estado permitido, seja por ser vendido, alugado, arrendado, licenciado, chamem-lhe o que quiserem.
Como nenhum de nós é o Estado (felizmente Luís XIV já cá não anda) e todos nós somos o Estado, todos nós, mediante atividade económica (trabalhar, comprar, vender, etc) colocamos de lado o que é devido ao Estado (que, em certa medida, somos todos nós).

Outro dos pressupostos, socialmente fácil de entender, é que, quando um grupo de pessoas se junta e forma uma sociedade, existe, nessa sociedade, algo que é do âmbito público, financiado por todos.
Se não houvesse, essa sociedade não se teria formado. Este algo que é público, é, paradoxalmente, privado.
Privado porque é dessa sociedade, como por exemplo, numa tribo, por oposição a outra tribo. Público porque é de todos os que constituem essa tribo.
Ora, se esse grupo de pessoas quer desenvolver o que é seu (e tudo indica que quer, embora os governos tenham, por vezes, um apetite especial para destruir o que é de todos, sobre o qual eles são apenas os responsáveis temporários), então cada membro da sociedade tem de investir (sim, esta é mesmo a palavra que eu quero usar) uma parte da sua riqueza pessoal para o desenvolvimento do que é de todos nessa sociedade.

O que deve estar em cima da mesa não é se se paga muito ou pouco, mas sim porque é que se considera muito ou pouco e se se deve ajustar o peso da carga fiscal em função disso.
Mais importante ainda, porque é que algo que deveria ser (porque é) um investimento público, aparenta não se reflectir em ganho público?

João Barreiro

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