“Uma nova ordem mundial? Análise geopolítica do mundo atual” foi o tema da palestra proferida pelo major-general João Vieira Borges, no encontro promovido na terça-feira, pelo Rotary Clube de Santarém.
Em menos de meia hora, o major-general João Vieira Borges traçou uma imagem do mundo atual em termos de competição geopolítica e geoestratégica. No mapa do mundo, três grandes potências lutam pelo domínio de vastos territórios, com a Rússia em destaque, no seu papel de perturbador cíclico, a tentar recuperar o seu império com a conquista da Ucrânia. Igualmente em destaque temos a China, que tem vindo a realizar grandes investimentos militares, principalmente marítimos, e económicos, para se assumir como potência global, com a correspondente capacidade de intervenção global.
“O mundo ainda é americano”
João Vieira Borges salienta, porém, que “o mundo ainda é americano”. Os últimos dados sobre gastos em defesa a nível mundial mostram que os EUA ainda têm uma superioridade significativa. Os EUA sozinhos têm um orçamento militar várias vezes superior ao conjunto dos 11 países que vêm a seguir na lista das maiores despesas militares, incluindo a Rússia, a China e a India.
Cinco grandes desafios para o mundo
Perante este quadro, Vieira Borges enuncia cinco grandes desafios. A começar pelo desafio da competição geopolítica entre os EUA, a Rússia e a China, passando pelas ameaças compartilhadas, em que se destacam os problemas da emergência climática e da imigração. Depois temos a passagem do centro do poder mundial para a Ásia Pacífico, com a riqueza a deixar de estar concentrada no Atlântico Norte e a passar para a Ásia Pacífico. Outra questão tem a ver com a democracia que “não se defende só com palavras, como vemos agora na Europa e nos últimos anos nos EUA. Também aprendemos com o Vietname, com o Afeganistão e com o Iraque que não se impõe se impõe a democracia”. Para João Vieira Borges, “os ocidentais têm de perceber que estes valores que defendemos não se impõem”.
Outro grande desafio identificado por João Vieira Borges é a necessidade urgente de uma reforma da ONU. “A ONU continua a ser um sonho para todos nós, de valores, de princípios, tendo como missão principal assegurar a paz e a segurança mundiais, tarefa que sempre foi dificultada”.
A demografia e a tecnologia como aceleradores da mudança
Vieira Borges identifica um conjunto de “aceleradores da mudança“. Destaca as questões da demografia e da tecnologia, com a investigação operacional, que serão determinantes para o futuro. Depois, temos “o crescente rearmamento que é inevitável, já atingiu os 9% no primeiro ano e vai continuar a aumentar quer no armamento convencional quer nuclear”. Outra linha vermelha é a questão da dissuasão nuclear versus ameaça nuclear. “As regras que vinham da crise dos mísseis de Cuba, segundo as quais não se faziam ameaças nucleares, mudaram. Perante as dificuldades militares e diplomáticas, na guerra da Ucrânia, os russos já avançaram diversas vezes com ameaças nucleares…”
Uma nova arquitetura mundial depois da guerra da Ucrânia
Finalmente, a questão da nova arquitetura depois da guerra. O que será a Ucrânia? “Inevitavelmente, a Ucrânia vai ter de ser um estado tampão (buffer)”, afirma. A uma pergunta de Germano Almeida, conhecido comentador da SIC e jornalista, sobre se a Ucrânia irá perder mais do que os atuais 20% do seu território, João Vieira Borges considera que existem uma série de condicionantes, entre as quais se contam os resultados das eleições nos EUA, com a possibilidade uma vitória de Trump vir a afetar a coesão da NATO, bem como a manutenção do apoio à Ucrânia. Isto sem que a Europa esteja preparada para reagir a esse desafio, uma vez que metade dos países da NATO, incluindo Portugal, continuam investir abaixo de 2% no orçamento da defesa. Por outro lado, considera que a Europa tem necessidade de líderes fortes e atualmente existem líderes carismáticos. Posto isto, o major-general considera realista que um acordo para a paz na Ucrânia implique voltar à situação de 23 de fevereiro de 2022 (o dia antes da invasão russa, que faz agora dois anos), com a perda do Donbass e da Crimeia para a Rússia.
A importância da diplomacia
João Vieira Borges afirma a importância da diplomacia, que “tem de estar sempre presente” e acredita que a solução vai passar por uma cordo Rússia-EUA, não com a Ucrânia. “Agora ainda não é possível haver um acordo, pois ambas as partes acreditam que ainda têm a ganhar com a guerra, e se Trump ganhar as eleições será favorável a Putin e às pretensões russas”, afirma.
“Vivemos um momento de transição para uma nova ordem mundial”
Considera que estamos a viver um momento de transição para uma nova ordem mundial. Para Putin, esta nova era mundial passa por um império euroasiático em que a China surge como o grande problema para as pretensões russas. Na verdade, a China tem as suas próprias ambições, com o se viu no mapa oficial que apresentou no ano passado antes da reunião do G20, em que reclama territórios à Índia, à Rússia e 80% do Mar do Sul da China, afetando as Filipinas, Vietnam, Indonésia e outros países da região. Mas este será o tema do novo livro que João Vieira Borges revelou estar a escrever.
Qual a solução para este desafio que estamos a viver na transição para uma nova ordem? “Obviamente, temos de investir nas ferramentas de poder e de influência; estabelecer coligações para reforçar a influência coletiva; é combater pela democracia e pela liberdade, mas em resposta a ataques diretos, sem nunca impor, e assegurar a autonomia estratégica”, disse.
Para esta visão sobre a nova ordem mundial, João Vieira Borges socorreu-se de vários livros de referência que tem na sua secretária em permanência. Destaca a obra “21 lições para o século XXI” de Noah Harari, que fala dos grandes desafios da humanidade, num sentido positivo e humanista, considerando que a guerra será inevitável, mas podemos contribuir para que seja atenuada, e a educação tem um papel fundamental”. Apresentou um mapa com os cenários de futuro onde surgem três possíveis guerras: Russia-EUA (questão da Ucrânia), China-EUA (questão de Taiwan) e China-Rússia.
“O mundo mudou, está mais inseguro, com maior probabilidade de guerras convencionais, por procuração, mas não só, e as ameaças compartilhadas (emergência climática) continua a determinar o futuro da humanidade, mas ninguém liga nenhuma porque estamos demasiado empenhados na guerra”, afirma.
A concluir, referiu o livro “O Iluminismo Agora”, de Steven Pinker, que considera o melhor livro favorito de sempre (opinião que partilha com Bill Gates), para concluir com um
sentido positivo a defesa do “papel determinante da educação para cultivar uma cultura em que a paz é melhor do que a guerra, o multilateralismo é melhor que o unilateralismo, a vida é melhor do que a morte, a saúde é melhor do que a doença, a prosperidade é melhor do que a necessidade, a liberdade é melhor do que a coação, a felicidade é melhor do que o sofrimento, e o conhecimento é melhor do que a superstição e a ignorância. E não pensam que toda a gente pensa desta mesma maneira. Se todos pensássemos assim teríamos certamente um mundo em paz”, concluiu.
“Todos saímos desta palestra satisfeitos e com mais esperança no futuro”, disse José Alberto Pereira, presidente do Rotary Clube de Santarém. “No final, ficou-nos uma mensagem de lucidez, realismo, consciência quanto aos desafios do futuro e, sobretudo, a urgência de todos nós assumirmos e promovermos uma cultura de Paz”, afirmou José Alberto Pereira, considerando que esta “brilhante palestra reforça os nossos propósitos no Mês Rotário da Consolidação da Paz e da Prevenção de Conflitos“.
















