InícioAmbienteCarmona Rodrigues: "O rio Tejo tem estado muito esquecido" (podcast)

Carmona Rodrigues: “O rio Tejo tem estado muito esquecido” (podcast)

Carmona Rodrigues defende a criação de uma empresa de gestão do Tejo como a que existe no Alqueva, para a concretização das obras necessárias ao aproveitamento dos recursos da bacia hidrográfica do rio Tejo.

O antigo ministro das Obras Públicas falava no jantar-palestra organizado pelo Rotary Clube de Santarém, no passado dia 12 de março, no Santarém Hotel, sobre o tema “O rio Tejo: Um rio vivo, com passado e futuro”.

António Carmona Rodrigues, antigo presidente da Câmara Municipal de Lisboa e docente na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, é engenheiro civil, mestre em Hidráulica Fluvial e doutor em Engenharia do Ambiente. Participou e foi responsável por vários projetos de investigação, nomeadamente na área de gestão de recursos hídricos, tendo publicado seis livros e mais de oitenta artigos em revistas nacionais e estrangeiras. Durante os seus mais de 40 anos de experiência em recursos hídricos, esteve envolvido em diversos projetos em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente nas áreas de recursos hídricos, hidráulica e ambiente.

Uma viagem pela história, geografia e cultura

Na sua palestra, proporcionou-nos uma ampla visão do maior rio da Península da Península Ibérica, numa viagem pela geografia, história e cultura, e abordando as dimensões económica, ambiental e social. E falou sobretudo as potencialidades do nosso rio para o desenvolvimento do território, a nível económico, social, de ordenamento e outras vertentes.

“Papel de charneira do Tejo tem sido negligenciado”

Carmona Rodrigues afirmou a necessidade de um maior aproveitamento do rio Tejo, considerando que “o papel de charneira da bacia hidrográfica do rio Tejo tem sido negligenciado em Portugal”.

Na realidade, Espanha criou uma capacidade de armazenagem da água do rio Tejo de 11.500 milhões de metros cúbicos, enquanto em Portugal essa capacidade é de apenas 3 mil milhões de m3, sendo que 1530 m3 são da barragem de Castelo de Bode.

“Há 30 anos que não se constrói uma barragem na bacia do Tejo em Portugal,” disse Carmona Rodrigues, recordando que o concurso para a construção de um açude no Almourol ficou deserto, e sublinhando a importância de construir a barragem do Alvito, que se encontra projetada há décadas.

Uma empresa para gerir os recursos do Tejo idêntica à do Alqueva

Carmona Rodrigues defende a criação de uma empresa mista para gerir os recursos do rio Tejo, idêntica à do Alqueva, uma solução que tem dado boas provas na integração e diálogo dos diferentes organismos do Estado, para a gestão dos recursos. Uma empresa que permitiria concretizar as obras necessárias ao aproveitamento dos recursos hídricos da bacia hidrográfica do rio Tejo e, em simultâneo, salvaguardar o património e o ambiente.

“Atualmente, existem 114 mil hectares de área de regadio, por iniciativa dos agricultores do Vale do Tejo, que praticam a agricultura mais rica do país”, disse Carmona Rodrigues. O antigo ministro sublinha a importância do Projeto Tejo, que surgiu por iniciativa de um conjunto de empresas para a gestão da água do rio Tejo.

O Projeto Tejo tem com o objetivo proporcionar um aumento de 300 mil hectares da área de regadio com águas superficiais desde o Médio Tejo, ao baixo Tejo, e ainda no Oeste e na Península de Setúbal. Destes 300 mil ha, 200 mil ha serão novos regadios e 100 ha de regadios existentes e atualmente abastecidos por águas subterrâneas e que passarão a usar águas superficiais com grande redução de custos energéticos.

Carmona Rodrigues refere que este projeto retoma anteriores propostas, dos anos 80, nomeadamente o Plano Geral de Aproveitamento do Rio Tejo, da Hidrotecnica, e o projeto de Mendes Godinho, que propôs a criação de uma empresa capitais públicos e privados idêntica à que hoje existe no Alqueva, e que previa a realização de obras de regularização do Tejo para fins múltiplos, permitindo tornar o rio de novo navegável até Espanha.

Rio Tejo tem andado fora da discussão política nacionalcarmona rodrigues rotary clube de santarem 2024 9

“O rio Tejo não foi sequer objeto de discussão nestas últimas campanhas eleitorais”, lamentou Carmona Rodrigues, sublinhando que Mendes Godinho foi um “homem muito à frente do seu tempo”. Na verdade, nas últimas décadas, as prioridades políticas nacionais foram para o projeto do Alqueva e depois para a navegabilidade do rio Douro. E o rio Tejo ficou esquecido…

“Atualmente, mais de 90% da água do rio Tejo vai diretamente para o mar, sem qualquer aproveitamento, e esta água podia melhorar a situação em alturas de escassez”, afirma.

Quanto ao abastecimento de água para consumo doméstico, Carmona Rodrigues referiu a construção no século XIX do projeto do Alviela, uma obra de engenharia fantástica que permitiu trazer a água do rio Alviela desde a nascente nos Olhos de Água até Lisboa, sempre por gravidade, com um rigor topográfico (sem lasers!) de 0,2 por 1000, ou seja, em cada km o aqueduto baixa 20 centímetros. Já no século XX, foi criada a captação de água direta no rio Tejo em Valada e no Castelo de Bode. De referir que só 10% da água da barragem de Castelo de Bode é usada para abastecimento humano. O facto do rio Zêzere não vir de Espanha e do seu curso não estar muito urbanizado permite termos água em quantidade de de boa qualidade.

Tejo navegável de Espanha até Abrantes

A importância do rio Tejo na história está associada também à sua navegabilidade, quando era a principal via de comunicação de Lisboa até Abrantes, ponto nevrálgico onde confluíam as regiões do Alentejo, Beira Baixa e Extremadura. Carmona Rodrigues recordou o estudo da navegabilidade do rio Tejo entre Lisboa e Toledo, elaborado no século XVI por Giovanni Batistta Antonelli, engenheiro militar ao serviço do rei Filipe II de Espanha e I de Portugal. O projeto não chegou a ser totalmente construído, mas foram realizados importantes trabalhos que permitiram a navegabilidade de Abrantes até Alcântara e de que restam os caminhos de sirga, que permitiam recorrer à tração animal para puxar os barcos na subida contra a corrente.

Do tempo do água-vai ao regresso dos golfinhos ao Tejocarmona rodrigues rotary clube de santarem 2024 9

No aspeto ambiental, Carmona Rodrigues salientou que o Tejo apresenta a maior diversidade e riqueza, desde a paisagem à fauna e flora. De conta do enorme progresso verificado desde os tempos do “água-vai” (despejo dos vasos sanitários nas ruas) até ao regresso recente dos golfinhos ao estuário do rio Tejo. Um progresso só permitido pelo saneamento básico e tratamento das águas residuais, realizados após a adesão à União Europeia em 1986.  “Evoluímos muito na qualidade de vida nestes últimos 50 anos”, sublinha.

Sobre os caudais ecológicos, ou ambientais, e a salvaguarda dos habitats fluviais, referiu que “as barragens de Belver e do Fratel não tiveram preocupações ambientais”, nomeadamente não contemplaram passagens de peixes. “Nos EUA gastaram-se milhões para adaptação das barragens, mas em Portugal continuamos na estaca zero nesta matéria”, afirma.

No final, o presidente do Rotary Clube de Santarém, José Alberto Pereira, agradeceu ao orador por ter partilhado os seus conhecimentos e experiência nesta excelente palestra.

Sendo março é o mês rotário dedicado à água, Maria João Cardoso, responsável pela área do ambiente no Rotary Clube de Santarém, organizou um conjunto de iniciativas em torno desta temática.

1 comentário

  1. O PCP chegou, nos anos 80, a estar na liderança das iniciativas de estudo e debate desta importante questão.
    Incentivou a realização de um Seminário sobre o Vale do Tejo na Escola Agrícola de Santarém, promovido pelas revistas Poder Local e Economia.
    Chegou mesmo a ter um livro pronto, já com revisão feita, para ser publicado.
    Por razões que me dispenso de abordar, tudo foi abortado.
    Com grande prejuízo para o alargamento da sua influência (através de um trabalho aberto, não sectário), para o desenvolvimento da Região e da sua economia ao serviço das populações.
    Uma vasta equipa de quadros políticos e técnicos, incluindo engenheiros, arquitectos, biólogos e muitos autarcas, construíram uma excelente iniciativa.
    Tudo se perdeu.
    Foi pena !

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