A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento tem sido alvo de intensos debates em Portugal, com críticas vindas, sobretudo, de sectores conservadores que a veem como uma tentativa de “doutrinação” ideológica. No entanto, é crucial entender que essa disciplina, ao contrário do que muitos sugerem, é uma resposta necessária aos desafios de um mundo cada vez mais globalizado, complexo e diverso. Longe de ser uma imposição, o ensino da cidadania visa promover a inclusão, o respeito pelos direitos humanos e a preparação dos jovens para a vida numa sociedade pluralista.
O argumento conservador de que a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento “invade” a educação moral e privada das famílias não se sustenta numa análise mais profunda. Esta disciplina não tem a intenção de substituir os valores familiares, mas de complementar a educação dos jovens, dotando-os de ferramentas essenciais para navegar nas complexidades do mundo atual. Vivemos numa sociedade onde o respeito pelo outro, independentemente da raça, género, orientação sexual ou religião, é uma exigência social e legal. A escola, sendo um espaço formativo por excelência, deve contribuir para que as futuras gerações compreendam e saibam lidar com essas realidades.
Ao resistirem à inclusão destes temas no currículo escolar, os sectores conservadores parecem ignorar que os desafios globais, como as mudanças climáticas, a desigualdade social e a discriminação, exigem uma preparação holística dos alunos. A educação para a cidadania ajuda a formar indivíduos mais críticos, conscientes e empáticos, que estarão mais bem preparados para desempenhar um papel ativo e responsável na sociedade. Por outro lado, a ausência de um ensino estruturado sobre estas questões apenas perpetuará a desinformação, o preconceito e a intolerância.
Um dos pontos mais controversos levantados pelos críticos da disciplina de cidadania é a suposta imposição de uma “ideologia de género”. No entanto, esta acusação é baseada numa distorção dos factos. O que se procura, na verdade, é garantir que os jovens compreendam a diversidade humana e respeitem as várias formas de identidade de género e orientação sexual. A educação para o respeito e a inclusão não é doutrinação, mas sim um compromisso com os direitos humanos, reconhecidos tanto a nível nacional como internacional.
É importante sublinhar que as escolas não estão a ensinar crianças a “mudar de género” ou a “questionar a sua identidade”, como muitas vezes os sectores conservadores insinuam. Estão, antes, a educá-las para aceitar e respeitar as diferenças, algo fundamental numa sociedade democrática e plural. O que os conservadores classificam como “doutrinação” é, na verdade, uma tentativa de preparar os jovens para uma convivência harmoniosa e respeitosa com pessoas que podem ser diferentes deles. Esta resistência ao ensino sobre identidade de género e igualdade reflete um medo infundado e uma visão limitada da realidade social.
Outro aspeto frequentemente ignorado pelos críticos da cidadania é o papel fundamental que esta disciplina desempenha na promoção da literacia democrática. Vivemos numa era de desinformação, onde o populismo e as fake news ganham cada vez mais terreno. Ensinar os alunos a identificar fontes de informação fiáveis, a desenvolver pensamento crítico e a participar ativamente na vida cívica é mais crucial do que nunca. Uma sociedade que negligencia a educação cívica corre o risco de gerar cidadãos apáticos, desinformados e vulneráveis à manipulação.
Os setores conservadores que se opõem à cidadania parecem preferir uma abordagem que desvaloriza a preparação dos jovens para participarem de forma ativa e consciente na democracia. Em vez de incentivar o diálogo e a compreensão mútua, alimentam uma visão retrógrada de um mundo que já não existe. No entanto, educar para a cidadania não significa ensinar uma única visão do mundo; significa, antes, fomentar o debate, o espírito crítico e a capacidade de conviver com a diversidade de opiniões e identidades.
A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento em Portugal é uma necessidade, e a sua implementação reflete o compromisso com uma sociedade mais justa, inclusiva e preparada para enfrentar os desafios do futuro. As críticas dos setores conservadores baseiam-se, muitas vezes, em desinformação ou num medo infundado da mudança. No entanto, uma sociedade que não educa os seus jovens para a cidadania está a privá-los das ferramentas necessárias para serem agentes de mudança positiva.
A cidadania não é uma ideologia; é a base de uma convivência social pacífica e respeitosa. Ignorar isso é não só retrógrado como também perigoso para o futuro da nossa democracia.
Carlos Nestal