O assédio moral e sexual no contexto laboral permanece, infelizmente, como um fenómeno muito menos discutido do que deveria, especialmente tendo em conta as suas consequências devastadoras tanto a nível pessoal como profissional. Num ambiente ideal, o local de trabalho seria um espaço de respeito e valorização, onde cada indivíduo pudesse prosperar com dignidade e segurança. No entanto, para muitos, o trabalho torna-se uma fonte de sofrimento, onde comportamentos abusivos e atitudes de assédio minam diariamente o bem-estar e a saúde mental. A dificuldade de provar o assédio nas suas várias formas apenas agrava o problema, levando muitas vítimas ao silêncio e perpetuando este ciclo tóxico.
Uma das grandes questões que rodeia o assédio no local de trabalho é precisamente a dificuldade em fornecer provas concretas que sustentem as denúncias. Isto deve-se, em parte, à natureza subtil e insidiosa com que muitas vezes ocorre, através de insinuações, comentários depreciativos ou gestos que, isoladamente, podem parecer inofensivos mas que, repetidos ao longo do tempo, configuram um padrão de abuso. Em Portugal, as decisões judiciais têm clarificado alguns pontos fundamentais sobre o que constitui assédio moral e sexual, mas a própria natureza destes fenómenos continua a fazer com que a prova seja um dos maiores obstáculos. Muitas vezes, as vítimas têm de se socorrer de testemunhas que, não raras vezes, hesitam em colaborar, receando retaliações ou prejudicar as suas próprias posições. Esta relutância contribui para o isolamento da vítima, que se vê numa luta desigual contra uma estrutura que, muitas vezes, protege mais o agressor do que o agredido.
Internacionalmente, estudos indicam que o assédio no trabalho provoca um impacto psicológico profundo, com vítimas frequentemente a desenvolverem perturbações como ansiedade, depressão, distúrbios do sono, e em casos mais graves, o stress pós-traumático. Há também uma incidência significativa de burnout, especialmente em contextos onde o assédio é prolongado e ocorre em ambientes altamente hierarquizados, onde o poder é frequentemente mal utilizado. É particularmente preocupante quando o assédio ocorre em locais onde a denúncia é desencorajada ou até mesmo desvalorizada pelas chefias. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) têm alertado para a gravidade deste problema, destacando que o impacto na saúde mental das vítimas é profundo e duradouro. Além disso, diversos estudos, como os realizados pela European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions, demonstram uma ligação direta entre o assédio laboral e o desenvolvimento de doenças psíquicas e psicossomáticas, incluindo hipertensão e úlceras.
Para as vítimas, a experiência de assédio pode corroer não apenas a autoestima, mas também o sentido de identidade. Muitas relatam uma perda de propósito, sentindo-se desvalorizadas e inadequadas, mesmo quando antes eram profissionais confiantes e competentes. O impacto psicológico é de tal forma destrutivo que, em muitos casos, a única forma de a vítima proteger a sua saúde mental passa pela decisão de abandonar o emprego, uma escolha que tem óbvias repercussões financeiras e profissionais.
Pessoalmente, considero verdadeiramente lamentável que não haja uma discussão mais abrangente e sistemática sobre o assédio moral e sexual no local de trabalho. A sociedade em geral, e as empresas em particular, precisam urgentemente de criar uma cultura de intolerância ao assédio, adotando políticas claras e rigorosas para lidar com estas situações. A existência de canais de denúncia seguros e eficazes é essencial, assim como uma cultura empresarial que promova a proteção da vítima e não a proteção do status quo.
É impressionante pensar que, em pleno século XXI, o assédio ainda é encarado como um tema marginal em muitos locais, abordado apenas quando situações extremas vêm à tona. Parece haver um consenso silencioso de que “essas coisas acontecem” e que o melhor é ignorar. Este tipo de atitude é, a meu ver, não só injusto, como perigoso. Na ausência de mecanismos de proteção e sensibilização, perpetua-se uma cultura de impunidade que destrói o bem-estar dos trabalhadores e, por consequência, a própria produtividade e imagem das empresas.
Quando olhamos para o assédio laboral, é inevitável refletirmos sobre o tipo de valores que queremos promover enquanto sociedade. O trabalho é uma parte fundamental da vida humana, não apenas pela compensação financeira que proporciona, mas também pelo sentido de propósito e realização pessoal que pode oferecer. O assédio, seja moral ou sexual, destrói esta possibilidade, transformando o trabalho em sofrimento e levando as vítimas a um estado de vulnerabilidade extrema.
No final, o assédio no local de trabalho não é apenas um problema legal ou laboral; é um reflexo de uma falha profunda nos valores que sustentam a nossa sociedade. Quando permitimos que o assédio prospere, que tipo de humanidade estamos a preservar? Não será o silêncio que mantemos um pacto tácito com a opressão? O verdadeiro valor de uma sociedade não se mede pelo sucesso económico das suas empresas, mas pela dignidade e segurança que é capaz de garantir aos seus trabalhadores. Se o trabalho é uma extensão da nossa identidade, o assédio é uma ferida aberta na alma de uma sociedade que ainda não encontrou a coragem de proteger os seus membros mais vulneráveis. E, enquanto não erguer esta proteção, estaremos todos cúmplices na destruição silenciosa de vidas que, um dia, poderiam ter sido plenas de propósito e realização.
Catarina Sirgado dos Santos