O dia 25 de novembro marca o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres. É uma data que nos convoca, inevitavelmente, para refletir sobre o que é um dos principais motivos de crime em Portugal.
Pode ouvir aqui o áudio da crónica no podcast do Mais Ribatejo:
A Lei n.º 7/2000, de 27 de maio, introduziu uma profunda mudança nos conceitos ideológicos com que se olha as relações de género ao tornar o crime de violência doméstica em natureza pública. A lei afirmou que a habitação deixou de ser o reduto da ordem masculina, da desigualdade e da prepotência ou até da violência. A lei rompeu com o conceito ideológico de que a casa é o lugar da mulher e com aquele “dito popular” de que “a mulher manda na casa e eu mando na mulher” tão herdado da ditadura e da sociedade patriarcal.
O medo e a submissão da mulher ao homem foram enfrentados pela igualdade e pela obrigação do Estado em apoiar as vítimas. O Estado e as associações de mulheres, ou de apoio à vítima, começaram a criar casas abrigo que se tornaram uma retaguarda segura e de paz para as mulheres. A lei evoluiu e o agressor começou a ter limitações de contato com a vítima e obrigatório afastamento.
Apesar dos avanços, nos últimos 20 anos foram assassinadas 630 mulheres. O Diário de Notícias noticiou há dias que 25 mulheres já foram mortas este ano e que 6 das assassinadas “ocorreram em contextos em que já existiam queixas efetuadas às autoridades policiais” assinalam as investigadoras do Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA) da Associação de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR). A notícia acrescenta ainda que “em três situações havia ameaças de morte anteriores, três dos agressores tinham história criminal, incluindo violência doméstica, e num dos casos havia mesmo historial já de femicídio de uma ex-namorada.” As investigadoras acrescentam que “metade dos femicídios podia ter sido prevenido com atuações atempadas”!
A luta contra a violência de género tem marcado presença em Santarém, nomeadamente com o núcleo local da APAV. Em 30 de dezembro de 2013, apresentei na Assembleia Municipal uma recomendação onde se propunha, entre outras, a possibilidade da criação de uma Casa de Acolhimento para vítimas de violência doméstica. A proposta foi aprovada com apenas uma abstenção e zero votos contra. Nestes 11 anos fez-se caminho em cooperação entre vários organismos, de algum modo articulando poderes locais, centrais e organizações comunitárias. Mas, hoje, compreendemos que os passos dados são insuficientes face à persistência do conservadorismo na sociedade.
As investigadoras apontam “falhas ao Estado na proteção das mulheres e apelam a um reforço da formação dos seus vários atores, das autoridades policiais à Justiça” (…) acrescentando que “se olharmos para o número de condenações e para o número de denúncias e processos abertos percebemos que há uma diferença abismal”. Quiçá outros prolemas ainda subsistem, no afastamento do agressor da casa e da vítima, na proteção financeira e sobrevivência da mulher e até das crianças… “Quase metade das pessoas institucionalizadas são crianças, os filhos das mulheres violentadas”!
Eis uma excelente matéria para um bom diálogo comunitário nestes dias próximos ao 25 de novembro…
Vítor Franco
Sim, claramente. Por causa de expressões populares deste tipo, muitas situações redundam em tragédia. Como, por exemplo, “não separe o homem o que deus uniu”, cujo alcance é ainda mais grave e impositivo, que muito mais implica, pela “presença” interventiva de um “deus”.
Oportuno, e esclarecedor, o artigo, Vítor Franco.
O golpe de Estado que derrubou a ditadura fascista, em 25 de Abril de 1974, não pôs fim à ideologia burguesa, machista, patriarcal, etc. . E, como esse combate é parte integrante da luta pela transformação social, económica, produtiva e cultural, sempre que as compartimentamos, pior ainda, em compartimentos estanques, estamos a criar as condições propiciadoras a que, em vez de desmontarmos a ideologia burguesa, reaccionária e hegemónica, esta saia reforçada…
Porque a dispersão só enfraquece as, ainda débeis, forças que se batem pela transformação social, económica, produtiva e cultural…
A ideologia hegemónica, supracitada, não se combate pela via jurídica e constitucional, mas pela luta sistemática, constante e permanente, com vista a transformar uma sociedade assente na retórica hipócrita, mentirosa, corrupta, falsa e profundamente injusta, discricionária, discriminatória, exploradora e opressora, numa comunidade humana livre, solidária, fraterna e igualitária, onde a justiça seja lei.
Um dos nossos problemas é, por exemplo, assumirmos como nossos os conceitos que nos são impostos pela burguesia, em vez de os combater e apresentarmos conceitos próprios, ancorados no conhecimento cientifico…