Todos os dias, a sociedade oferece-nos um banquete de ideias sobre sucesso. Desde cedo, ouvimos que somos capazes de tudo: “Segue os teus sonhos!”, “És único e especial!”, “O céu é o limite!”. E, claro, não falta quem nos lembre, seja nas redes sociais ou numa reunião de família, que o sucesso é um destino inevitável, uma questão de tempo e esforço. É como se a vida fosse um jogo de “Quem Quer Ser Milionário?” mas com respostas garantidas para todos, desde que tentemos com vontade.
Ao mesmo tempo, dizem-nos que devemos ter cuidado. Cuidado com o stress. Cuidado com a alimentação. Cuidado com o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Cuidado com o burnout. Cuidado com o colesterol, os triglicerídeos, os glútenes, as calorias, o açúcar, o sedentarismo, a poluição, o 5G, o plástico, as radiações do micro-ondas e, claro, os laticínios (porquê? Ainda não descobri, mas aceito que sejam os vilões do novo século). Por fim, dizem-nos: “Não te esqueças de passar tempo de qualidade com a família!”
Ah, a sociedade… esse jugo invisível e inabalável. No mesmo fôlego com que nos vendem a ideia de um estilo de vida equilibrado e saudável, os nossos amigos e conhecidos olham para nós como quem contempla um atleta olímpico: “Mas ainda não foste promovido?”, “Aquela colega já comprou casa, e tu?”, “Sabes que o teu amigo já vai no segundo mestrado, não sabes?”. São comentários que dispensam explicações, porque o subtexto é tão transparente como água engarrafada: de alguma forma, estamos a ficar para trás. O sucesso não é apenas uma promessa, é uma expectativa — e, se não o atingirmos, há algo de errado connosco.
É aqui que começa o paradoxo. Ao mesmo tempo, que nos é prometido que somos seres extraordinários capazes de tudo — desde fundar startups milionárias até gerir múltiplos projetos ao mesmo tempo sem sacrificar uma única noite de descanso —, também nos é vendido o mito do equilíbrio perfeito. “Trabalha duro, mas não te canses muito!”, “Sê líder, mas lembra-te de meditar!” Estamos todos numa espécie de maratona em que, a cada quilómetro, nos pedem para fazer um sprint, mas com a promessa de que, na meta, haverá um smoothie detox à nossa espera.
O mais irónico é que este mito do sucesso vem sempre embrulhado com um laço de self-care. Afinal, estamos a cumprir as expectativas de uma vida plena e bem-sucedida, com direito a tudo: carreira, família, saúde, e até tempo para fazer voluntariado numa ONG de ursos panda albinos. Este é o verdadeiro paradoxo: ter sucesso no século XXI é como ser um malabarista num circo. Com uma mão, tens de gerir a carreira; com a outra, equilibrar a vida pessoal. O pé esquerdo segura a saúde física, enquanto o pé direito tenta manter a saúde mental intacta.
No entanto, ao tentarmos equilibrar todas estas esferas, acabamos muitas vezes presos numa dança incessante de expectativas e obrigações, onde o cansaço e a insatisfação se tornam os nossos companheiros silenciosos. Passamos a medir o nosso valor pelo cumprimento de um ideal inalcançável e, assim, perdemos de vista a essência do que realmente nos traz felicidade. A pressão para corresponder a todas as normas e expectativas, de ter uma vida perfeitamente equilibrada e recheada de conquistas, acaba por nos aprisionar numa rotina onde a autenticidade e a simplicidade são frequentemente sacrificadas em prol de uma imagem idealizada
No fim de contas, talvez o verdadeiro sucesso resida em não nos deixarmos aprisionar pelas expectativas irreais que nos impõem. A procura incessante pelo equilíbrio perfeito entre carreira, família, saúde e vida pessoal é, muitas vezes, uma ilusão que nos desgasta e nos afasta de uma vivência mais autêntica.
Em vez de nos deixarmos consumir pela pressão de alcançar tudo, talvez o maior triunfo seja termos a coragem de priorizar o que realmente importa, resistindo à ideia de que devemos corresponder a todas as demandas da sociedade. O sucesso, nesse sentido, não é um ato de conformismo, mas de libertação.
Catarina Sirgado Santos