A identidade ribatejana sob ameaça
Ao leitor ribatejano que, tal como quem escreve, encara a sua vivência, experiência e identidade, alicerçada ao Ribatejo, às suas lezírias, História e Tradição, como uma parte fundamental da alma portuguesa, é necessária a devida contextualização dos desafios de uma realidade que nos atravessa por campo e casa adentro.
O confronto entre modernidade e tradição
Filha de Foucault e neta de Rousseau, a tempestade do Tempo Moderno encontra no Ribatejo a sua derradeira afronta civilizacional: um invejável campo de batalha entre o vil campesinato que prolonga uma enfermidade de urgente erradicação e a iluminada metrópole a quem foi dada a providência da razão e do intelecto; entre as bestas e os bestiais da Humanidade.
A estratégia globalizante e seus impactos no regionalismo
A partir da capital – como em tantas outras polis ocidentais –, é promovida, à força, uma cultura de homogeneidade universal, castradora da identidade local e do Espírito da Tradição nacional.
Seguindo a Regra dos Três D’s – Despersonalizar, Desagregar e, por fim, Destruir –, esta força da modernidade globalizante procura estabelecer a plena subversão do seu radical progressismo, fundado pelo falso apelo a uma sociedade racional, virtuosa e científica, e alicerçado numa concepção contemporânea dos valores e da moralidade do Homem, privilegiando o abstrato e o subjetivo, em detrimento do regional e do concreto. Procura, invariavelmente, o animalismo em vez da ecologia, o individualismo em vez de comunidade e a destruição em vez da conservação.
Ribatejo: Guardião de valores intemporais
Esta divisão paradigmática entre o mundo real e o mundo por realizar evidencia uma profunda cisão ontológica, não só na compreensão do que é moral ou ético, como na avaliação de toda e qualquer narrativa que questiona a abolição e supressão de “males injustificáveis”. Como se a verdadeira cultura nacional fosse uma mercadoria transacionável e substituível, despida da sua dimensão metafísica e retida do seu apreço à mortalidade e ao sublime. Como se o espírito de uma região fosse quantificado por uma equação matemática que dita, ao cidadão-comum, a automática desconstrução de toda a sua vida e de todas as suas convicções.
Tauromaquia e agricultura como pilares do Espírito da Tradição
Que direito tem quem não faz por compreender – nem possui a sensibilidade para tal – de querer impor a quem não conhece – nem faz por conhecer – o extermínio de uma identidade partilhada e legitimamente estabelecida nas entranhas de uma comunidade ou região? Que superioridade tem este espécime pós-moderno, que sempre viu o hipermercado, em vez do campo; a luz febril e artificial, em vez do estrelado e do luar cintilante; a sujidade da poluição sonora, em vez da purificação do silêncio natural? Que verdade absoluta possui aquele que se enclausurou na egolatria da sua própria perspectiva unidimensional, alheio ao mundo que o rodeia e às vidas que o sustentam?
É que, ao contrário da condição experimentada pelos neo-jacobinos que marcam o epicentro desta batalha cultural, o Ribatejo não é apenas um reduto cultural ou simbólico, mas um modelo transcendental que afirma, e situa no Tempo, o valor da continuidade, do enraizamento, da autenticidade e do sagrado (ethos). A modernité da capital, ao privilegiar o “progresso” técnico e cosmopolita, esquece que a verdadeira riqueza constitutiva de uma nação reside nas suas particularidades culturais, na essência que precede a existência. O Espírito da Tradição ribatejano, especialmente vivido no seio da tauromaquia e da agricultura, é uma celebração da condição humana em toda a sua complexidade, envolvendo a experiência, a coragem, a honra e o vínculo entre o Homem e a Natureza, emergindo, não apenas como um guardião do passado, mas como a luz que alicerça o futuro.
Progresso versus enraizamento: Um equilíbrio delicado
Porque o futuro somos nós, e não eles. Não podemos, nem devemos, procurar a plenitude de uma sociedade estática e imune ao progresso e à reforma; somos seres imperfeitos, de contínuo desenvolvimento e de tremenda expressão inovadora. Contudo, não podemos, nem devemos, de igual forma, forçar a centralização de uma sociedade remodelada com base em abstrações idealistas, irrealistas e incomensuravelmente autoritárias. O equilíbrio entre a continuidade e a mudança é o cerne de qualquer civilização verdadeiramente funcional; a sensatez de preferir o familiar ao desconhecido traduz-se na plena reconciliação com as raízes culturais que nos permitiram chegar onde chegámos; o ceticismo de uma comunidade que constituiu, entre si, um vínculo (ou pacto) social entre os vivos, os mortos e as gerações futuras, é a chave para a sobrevivência das suas instituições, costumes e tradições.
A importância de preservar o legado cultural e as raízes
Mais do que a estética, o festivo ou a arte, a Tradição que transborda a vivência ribatejana é dotada de uma série de valores existenciais que caracterizam o Homem, não como um ser perfeito e imortalmente imune às vicissitudes da sua própria criação, mas como um ente visceralmente ligado à sua condição terrena e mortal, confrontado pelas forças e necessidades da Natureza.
Conclusão: A luta pela continuidade do Espírito da Tradição
Desta forma, e conforme exposto, que nunca sejamos tentados a esquecer a verdadeira intenção daqueles que desprezam a nossa vivência. Entre o disfarce do manto da modernidade, o seu objetivo é o de substituir, descartar, abandonar e erradicar os nossos costumes. Apenas, e só, a alienação das nossas raízes – decapitando o nosso ser – trará descanso aos esforços de todos os movimentos, partidos políticos, observatórios, instituições, ou coletivos, que, tal como o filósofo britânico Roger Scruton descreveu: “querem destruir aquilo que não compreendem.”
Só defendendo o que é nosso – e que, por direito, só a nós nos diz respeito –, é que poderemos proteger o fio invisível que nos liga ao mais profundo sentido de pertença.
Martim Dinis
Pertinente e bem escrito , parabéns !
Muito obrigado pelo seu comentário.
Um texto que serve de chamada de atenção para todos nós, recordando a importância de preservar as nossas raízes e a alma ribatejana – por extensão, a identidade nacional.
Muito obrigado pelo seu comentário.