A contaminação da moda de destruir os jardins românticos teve péssimas consequências em Santarém.
Arautos de uma modernidade falsificada, suportados pela mediatização enganadora e transformados em salvadores deste burgo, eleitos democraticamente pelo povo de cá, acinzentaram a cidade com pedra no lugar de canteiros de flores. Os jardins, então lugares de fruição popular, convívio de amigos e famílias, correrias e alegrias de crianças, desfizeram-se de fontes de água, peixes, arvoredos…
Ouça a crónica no podcast do Mais Ribatejo:
A cidade tornou-se mais famosa no boletim meteorológico, agora o centro de Scallabis tornou-se o lugar onde se pode assar carne nas pedras “invasoras”. As temperaturas extremas extremaram-se, numa progressão com tendência para “geométrica”. A cidade que já sofria com as alterações climáticas bate recordes verão após verão.
A impermeabilização de espaços como o Largo do Seminário, dos Capuchos, o “Jardim” da Liberdade (…) poderá ter sido positiva para os vendedores de pedra, ou de alcatrão, não o foi para a capital do distrito. Capital, coloquemos entre aspas porque carece de capitalidade; diremos, “capital amputada da vida vivida”, de lagos emblemáticos, do verde, dos belos lugares que sempre convidavam os fotógrafos casamenteiros a registar momentos de felicidade. “Capital” onde já não é possível fotografar os patos e as crianças, ou as correrias destas… Se as crianças eram as princesas da cidade, agora temos um rei estéril e dominador: o automóvel.
As gentes de cá habituaram-se, talvez já nem se lembrem, como se a memória fosse capturada pela oferta de bilhetes gratuitos para a tourada! Memória, contaminada, sucumbida…
Talvez possamos avivar a história de Jarbas às gentes de cá. Jarbas, o gato que salvou a cria da gaivota contaminada pela maré negra de petróleo. Esse mesmo, o Jarbas, o gato que salvou a gaivota bebé e a ensinou a voar (1).
Poderemos dizer que a nossa cidade é a gaivota contaminada! Ou, talvez possa ser a sua cria e quem por cá vive a ensine a voar…
Talvez, todos nós precisemos de aprender a voar!
Vítor Franco
(1) Luís Sepúlveda, “História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar”, Edições ASA, Coleção Pequenos Prazeres, 1997.