InícioOpinião1.º de Maio em Santarém: S.R.O. recorda o Padre Chiquito

1.º de Maio em Santarém: S.R.O. recorda o Padre Chiquito

É uma antiga tradição operária que a ditadura de Salazar não conseguiu apagar completamente: a homenagem ao padre «Chiquito», no dia 1.º de Maio, em Santarém.

Remonta a 1899.

Pois na manhã deste 1.º de Maio de 2023, lá foi colocada uma coroa de flores vermelhas, no monumento ao “Padre Chiquito”.

Aconteceu pela mão de uma delegação da Sociedade Recreativa Operária, composta por Carlos Cruz (ex-preso político antifascista), Laura Esperança (presidente da direção), Manuela Marques, Vitor Franco e Vitor Gomes.

O movimento sindical esteve ausente, apesar desta tradição estar tão ligada às suas raízes locais.

Segurança Social

Porquê homenagear um padre no dia internacional da classe trabalhadora?

Francisco Nunes da Silva, mais conhecido como “Padre Chiquito”, não era propriamente um revolucionário marxista ou libertário. Até acumulou em vida uma fortuna considerável.

Mas quando faleceu, em 1869, deixou grande parte dessa fortuna aos operários de Santarém, na forma de um sistema local de pensões de reforma.

Um século antes de existir o atual serviço público de segurança social.

Hoje talvez seja difícil ter-se noção da diferença que o «Padre Chiquito» marcou com o seu testamento.

Com o passar do tempo, as pensões foram perdendo valor real, mas na origem correspondiam ao salário de trabalhadores no ativo.

Numa altura em que não havia alternativa: um operário a quem a idade pesasse e se visse sem capacidade de trabalhar, ou tinha família que o sustentasse ou tinha que apelar à caridade.

Sindicalismo

O legado do «Padre Chiquito» representou uma dignificação do trabalho e de quem trabalha. E contribuiu para o desenvolvimento da consciência de classe.

A partir de 1899, a homenagem ao «Padre Chiquito» esteve na origem das grandes comemorações locais do 1.º de Maio. E estas geraram uma primeira “Associação Operária”, em 1902. Antes de surgir a «Associação Fraternidade Operária», em 1915 – assim se chamava, originalmente, a atual «Sociedade Recreativa Operária», de Santarém.

Esta última foi um centro da atividade sindical nesta cidade, no período da 1.ª República. Na sua sede discursaram pelo menos três dos secretários-gerais da antiga CGT («Confederação Geral do Trabalho»). E ali se realizou o último congresso nacional de sindicatos de trabalhadores rurais, em 1925.

Depois veio a mais longa ditadura de tipo fascista.

A homenagem ao «Padre Chiquito» deixou de ser feita no 1.º de Maio e perdeu o seu carácter de massas.

O antigo movimento sindical livre foi dissolvido à força. E os novos “sindicatos nacionais”, criados e tutelados pela ditadura, ficaram separados da velha SRO.

Memória histórica

Com o 25 de Abril, a homenagem ao padre Chiquito voltou a ser feita no dia 1.º de Maio. Mas o novo movimento sindical livre continuou apartado, o que talvez seja um pouco estranho.

Afinal, o 1.º de Maio é um dia de festa e de luta, mas também de memória histórica.

Foi escolhido como dia internacional da classe trabalhadora, a partir de 1890, em homenagem aos chamados “oito mártires de Chicago”.

Eram oito militantes sindicalistas que, em 1886, lutavam pelo horário de trabalho limitado a 8 horas diárias, nos Estados Unidos da América. Foram presos políticos e vítimas de um processo judicial falsificado. Cinco deles acabaram condenados à morte (um ter-se-á suicidado antes de ser executado). Os outros foram condenados a prisão perpétua e anos mais tarde indultados.

Respetivamente: George Engel, Samuel Fielden, Adolf Fischer, Louis Lingg e Michael Swab (condenados à morte); Oscar Neeb, Albert Sparsons e August Spies (condenados a prisão perpétua).

Em Lisboa, as primeiras comemorações do 1.º de Maio, logo a partir de 1890, também tinham originalmente uma afirmação de memória histórica. Era com a homenagem a José Fontana, um dos principais “pais fundadores” do sindicalismo e do movimento em Portugal.

Mas essa foi uma tradição operária que a ditadura de Salazar conseguiu apagar…

Luís Carvalho

1 comentário

  1. A burguesia, classe social detentora do poder, tudo faz para apagar a memória histórica da classe trabalhadora e impor a sua versão da história, assim como a sua ideologia a todas as outras classes sociais, para isso utiliza todo o aparelho de Estado e todos os outros meios de comunicação e divulgação dos mais variados conteúdos.

    Por outro lado, a classe trabalhadora não passa às gerações vindouras o seu historial de luta, a sua própria história. A maioria da pessoas da classe trabalhadora, não o fazem por não terem adquirido consciência disso, devido a não se terem emancipado e conquistado a sua autonomia e independência face à burguesia e à sua ideologia, outras por se terem acomodado e renunciado a mudar profundamente a organização social, e uma minoria têm sido, por motivos vários, incapaz de sair dos seus círculos fechados e romper com os murros e barreiras que o poder lhes vai impondo.

    Perante tudo isso, é de realçar, o trabalho de pesquisa e rigor cientifico que o autor deste artigo tem levado a cabo, assim como os órgãos de informação que, cumprindo a sua função, os publicam.

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