InícioOpiniãoAlargar horizontes em tempos obscuros: uma mensagem de Maria Lamas

Alargar horizontes em tempos obscuros: uma mensagem de Maria Lamas

I

Corria o outono de 1960.

O operário Cândido Capilé e o escultor José Dias Coelho ainda não tinham sido abatidos a tiro pela força polícial do regime. Isso seria no outono seguinte.

Maria Lamas era uma senhora com 67 anos de idade.

Já tinha sido três vezes presa pela PIDE.

E sofrera outras formas de repressão. Como perder o emprego, de diretora de uma revista – a «Modas e Bordados».

Ou ver encerrado pela autoridade o movimento feminista do qual fora presidente, o «Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas».

Eram tempos obscuros.

A ditadura durava há três décadas. Já muita gente tinha envelhecido e morrido sem lhe ver o fim…

 

II

Em 1960, na cidade de Évora, quatro coletividades juntaram-se para promover um ciclo de conferências culturais.

Era uma forma de vivência coletiva e de cultivar pensamento crítico.

Em outubro desse ano, calhou a vez à escritora Maria Lamas de ir ali falar, na «Sociedade Operária de Instrução e Recreio Joaquim António de Aguiar». O tema da sua conferência foi «O homem e o seu tempo».

Segundo um relato então publicado, depreende-se que Maria Lamas terá analisado a evolução do ser humano ao longo da história e a atitude de cada geração com as circunstâncias e os desafios da sua época.

A partir daqui, terá concluído que o devir histórico tem momentos de avanços e de retrocessos. Era a isso que se referia ao afirmar que “sempre houve homens e mulheres incapazes de acompanhar o ritmo de progresso do seu tempo”, mas que “também sempre tem havido homens e mulheres que pelo seu talento e sabedoria ultrapassam em muito a época em que vivem”.[1]

Alguns dias depois, numa carta, Maria Lamas sublinhou a importância deste tipo de iniciativas “em prol da difusão de conhecimentos que alarguem horizontes intelectuais e morais”.[2]

 

III

Sublinhe-se que Maria Lamas expressou estas ideias num período de derrota e retrocesso para a oposição antifascista.

Em 1960, a PIDE ainda não tinha assassinado Humberto Delgado, mas ele já tinha sido forçado ao exílio.

A ditadura conseguira abafar o abalo que sofrera com o apoio popular à candidatura de Delgado, nas falsas eleições presidenciais encenadas em 1958.

Porém, para uma das pessoas que assistiu, esta conferência de Maria Lamas foi um momento de convívio que lhe deixou “a inflexível certeza de quem nem tudo estará perdido”.[3]

E não estava.

A ditadura ainda durou mais alguns anos.

Ainda prendeu milhares de pessoas, às mãos da PIDE.

E muito mais gente matou, na guerra colonial.

Forçou mais de meio milhão de portugueses a saírem do seu país, com o fito de escaparem à pobreza…

Mas a ditadura foi derrubada.

Luís Carvalho

 

[1] Democracia do Sul, 14/10/1960, p.4

[2] ibidem, 16/10/1960, p.2

[3] ibidem, 14/10/1960, p.4

1 comentário

  1. O Futuro è Agora e depende de todas e cada uma das pessoas!

    Ainda podemos levar a sério a genuinidade desta democracia, quando a liberdade se traduz no enriquecimento da oligarquia detentora do poder e seus serviçais, enquanto as classes trabalhadoras empobrecem, e as disputas eleitorais se cingem a mera concorrência, entre iguais, pela administração do poder com vista a impor medidas cada vez mais gravosas para a esmagadora maioria das pessoas, em particular, para as pessoas das classes trabalhadoras, em benefício das corporações financeiras e económicas dos grandes capitalistas.

    Perante esta situação é necessário gerar movimento, organização e unidade na acção, para reforçar a resistência e combater o obscurantismo retrógado e reaccionário, repondo a verdade dos factos e, assim, reverter a situação de descalabro que nos vai levar, de novo, à implantação de ditaduras e, por sua vez, à escalada e generalização da guerra, destruição e morte.

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