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O Partido que Não se Consegue Legalizar: Chega, Estatutos e os Limites da Democracia

Quatro tentativas falhadas de alterar os estatutos, discrepâncias legais na declaração de princípios e um discurso cada vez mais autoritário colocam o Chega numa encruzilhada entre legalidade e populismo.

Uma liderança travada pela Constituição

Desde 2020, o Tribunal Constitucional (TC) chumbou quatro tentativas sucessivas do Chega de alterar os seus estatutos. A primeira falhou por falta de transparência no processo de convocação, a segunda por concentração excessiva de poder no líder, a terceira por vícios formais graves, e a quarta, em 2024, por manter disposições consideradas incompatíveis com os princípios da democracia interna.
Resultado: os únicos estatutos legalmente válidos continuam a ser os aprovados na convenção fundadora, em 2019.

As razões dos chumbos: democracia interna em risco

  • 2020 (Évora, II Convenção)
    O TC considerou inválida a convocatória, que não mencionava a intenção de alterar os estatutos — uma violação clara dos princípios da participação dos militantes.
    (Acórdão 766/2021)
  • 2021 (Viseu, IV Convenção)
    O Tribunal viu uma “significativa concentração de poderes” na figura do presidente. Ventura ficava com a prerrogativa propor a dissolução de órgãos, alterar regulamentos e marcar congressos a seu critério.
    (Acórdão 751/2022)
  • 2023 (Santarém, V Convenção)
    A convocatória foi considerada irregular e a eleição dos órgãos nacionais foi declarada inválida. O partido perdeu, assim, a possibilidade de validar qualquer reforma aprovada neste encontro.
    (Acórdão 707/2024)
  • 2024 (Lisboa, VI Convenção)
    Apesar de melhorias parciais, os estatutos mantinham cláusulas anti-democráticas, sobretudo no que toca à supervisão interna e poder disciplinar.
    O Acórdão 678/2025 confirmou a rejeição do registo. Pouco depois, o Acórdão 434/2025 declarou inválida a eleição da direcção nacional, colocando em causa a legitimidade da actual liderança.

Declaração de princípios: o que o Chega mostra não é o que foi aprovado

O documento actualmente disponível no site oficial do partido inclui secções nunca analisadas pelo Tribunal Constitucional, sobretudo nos capítulos sobre imigração, multiculturalismo e identidade cultural.
Nestes trechos, defende-se uma “integração assimilacionista” e a selecção de migrantes com “raízes culturais semelhantes”.

Este desvio entre o que é apresentado publicamente e o que está formalmente reconhecido pelo TC viola a Lei dos Partidos Políticos, que exige a comunicação oficial de quaisquer alterações à declaração de princípios. A omissão configura uma irregularidade jurídica grave, com potencial para impugnação de actos partidários e institucionais.

Entre o culto do líder e o discurso de salvação nacional

André Ventura é o fundador, o rosto, o estratega e o centro quase exclusivo do partido. Mais do que um líder, apresenta-se como um «salvador» — aquele que vai “limpar o sistema”.
A retórica messiânica, aliada à personalização extrema do poder, é uma marca típica de populismos autoritários.

André Ventura

Este estilo pode não configurar formalmente fascismo histórico, mas aproxima-se de práticas iliberais, comuns a partidos da extrema-direita europeia. Quando o líder concentra carisma, controlo institucional e apelo popular, a democracia começa a vacilar.

Um discurso de polarização e exclusão

O discurso público do Chega é marcado por uma lógica de “nós contra eles”: portugueses honestos vs. elites corruptas, ciganos, imigrantes, dependentes do Estado.
A hostilidade à justiça e à comunicação social alimenta a deslegitimação de pilares fundamentais do Estado de Direito.

Frases como “prisão perpétua”, “castração química” ou a proposta de retirada de apoios sociais por critérios morais desenham um programa punitivo, vertical e culturalmente excludente.

Populismo com consequências: mais do que retórica

O Chega não está apenas a desafiar a política tradicional: está a desafiar os limites jurídicos da democracia portuguesa.
A recusa em cumprir as exigências legais de registo estatutário e a discrepância entre os documentos públicos e os aprovados pelo TC criam um regime paralelo de funcionamento partidário, que pode ser invalidado judicialmente.

Para lá da forma, o conteúdo ideológico do partido fragiliza o debate democrático e normaliza discursos de ódio e exclusão.
O crescimento do apoio popular ao partido mostra que o populismo não é apenas uma ameaça — é um sintoma de um sistema político que precisa de se reinventar.

Conclusão: A legalidade é a primeira linha de defesa da democracia

O caso do Chega demonstra que a democracia não se defende apenas nas urnas — defende-se no respeito pelas leis, pelas instituições e pelos direitos fundamentais.
Quando um partido desrespeita sistematicamente as regras do jogo democrático, o Estado de Direito tem o dever de agir, e a cidadania o dever de vigiar.

A defesa da democracia não é opcional. É urgente.

José Luz

PS – não uso o AOLP

 

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